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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.2. Pecuniary emulation

Conforme Veblen deixa sugestionado através da introdução da obra, e conforme desenhou-se o cenário de emergência de uma classe ociosa, nota-se que o papel da emulação é fundamental na trajetória civilizatória até a Era moderna. Através da emulação, as atividades laborais de façanha, associadas à proeza, poderiam ser cada vez mais executadas e exibidas em favor da obtenção de honra e dignidade por parte dos homens. Conforme houve um avanço aos estágios mais elevados da cultura bárbara, novas lógicas emulativas emergiram através das então recentes mudanças materiais da sociedade. Neste processo de mudança, observa-se o constante e relevante papel que começa a ser atribuído aos elementos pecuniários, principalmente associados à propriedade. Ou seja, o surgimento de uma classe ociosa não só ocorreu de forma gradual via diferenciação laboral, como também apresentou elevações de complexidade de forma gradual frente às novas características materiais emergentes dos avanços históricos da sociedade. Antes, a classe ociosa pautava-se pela dissociação às atividades industriais de provimento hodierno. Agora, além desta característica fundamental e primitiva, também mostra-se como condição necessária a capacidade de demonstração de riqueza. Sendo assim, a emulação de proeza ganha uma característica extra e específica; a emulação pecuniária.

Quando Veblen analisa esse fenômeno especificamente, retoma o importante papel concedido pela institucionalização da propriedade privada. Afinal, a emulação pecuniária demanda a propriedade de bens (e/ou terceiros) para que possa ser executada. Somente através da conquista e aquisição essa emulação tornar-se-ia possível. Sendo assim, voltar-se a entender o surgimento desta instituição é fundamental para compreender em totalidade a estruturação da classe ociosa em suas características. Veblen comenta que o surgimento da classe ociosa coincide com o início da propriedade privada e, mesmo que sejam fenômenos diferentes, são respostas institucionais dos mesmos processos sociais e estruturais. Desse modo, apesar de diferenciáveis em estrutura e características, essas duas instituições foram fundamentais para a existência uma da outra.

Conforme visto no capítulo introdutório da obra, as primeiras diferenciações sociais e laborais pautavam-se nas discriminações de gênero, cabendo às mulheres o papel industrial e

provedor, enquanto que aos homens cabiam as atividades de façanha e proeza. Com base nesta identificação, Veblen argumenta que as mulheres teriam sido as primeiras formas de propriedades a surgirem, sendo atreladas aos homens fisicamente aptos (nobres, honráveis, dignos e executores de proezas) a possui-las. Ciente da estranheza que tal afirmação poderia causar, Veblen dedica-se à explicação deste processo de apropriação retomando os acontecimentos dos estágios iniciais e médios da cultura bárbara.

Segundo Veblen, a propriedade de mulheres iníciou-se, aparentemente, através da conquista e aprisionamento. Sendo que o objetivo motivador deste fenômeno seria a obtenção e exibição de troféus de lutas e guerras. Frente ao êxito de batalha entre diferentes comunidades, cabiam aos homens o domínio das mulheres como sinal de vitória e poder, emulando proeza e honra. Através da possessão destas, institucionalizou-se a propriedade privada individual. Afinal, a proeza e a honra não poderiam ser divididas entre o grupo, mas sim deveriam ser exibidas pelo homem executor do feito em questão. Sendo assim, Veblen argumenta o início da instituição do casamento que, neste período, não era distinguível da instituição de propriedade. Em melhores termos, pelas palavras do autor (Veblen [1899] 2009, 21): “The two institutions [marriage & ownership] are not distinguishable in the initial phase of their development; both arise from the desire of the successful men to put their prowess in evidence by exhibiting some durable result of their exploits”.

Conforme houve a institucionalização e compartilhamento dos hábitos de vida e pensamento que viabilizaram o comportamento acima exposto, cada vez mais as propriedades, tanto de bens quanto de pessoas, foram se mostrando atributo fundamental para a emulação. Segundo Veblen, mesmo que as características de emulação tenham se alterado devido às novas condições de vida material, os objetivos teleológicos deste comportamento permaneciam os mesmos: a capacidade de adquirir e manter a honra e o status perante a comunidade, distanciando-se das atividades de provimento hodierno e aproximando-se do ócio nobre.

Conforme comentado anteriormente na exposição das condições necessárias para existência de uma classe ociosa, a superação da subsistência é fundamental. Não à toa, Veblen comenta que essa superação não só é necessária como também é, em grande medida, resultante. Afinal, em um primeiro momento, através da institucionalização da propriedade privada os anseios de aquisição e domínio se dão pela necessidade física de conforto, estabilidade e segurança. Porém, estes anseios são superados pelos objetivos emulativos, conforme os novos hábitos predatórios originários dos estágios bárbaros da civilização são instituídos ao senso comum. Sendo assim, mesmo aqueles que apresentam baixa capacidade

de emulação, o farão. O objetivo de todas as classes passa a ser a emulação pecuniária de, pelo menos, sua classe imediatamente superior, sendo o objetivo de todas a emulação mais elevada – pertencente à classe ociosa – que, neste cenário, dita as regras de conduta e emulação.

Sendo assim, surge a necessidade de maiores explicações acerca de como uma sociedade pacífica e de propriedade comunal passa para uma sociedade bárbara de hábitos predatórios com propriedade privada. Segundo Veblen, em um primeiro momento as propriedades comunais eram interpretadas pelos membros da comunidade como as propriedades privadas pertencentes ao grupo como um todo. Sendo assim, o êxito em guerras e disputas, culminavam em ganhos para a comunidade em geral. Porém, com o avanço das diferenciações e estratificações a nível laboral e social, as proezas provenientes das atividades de façanha começam a tomar o papel de prestígio. A partir deste momento, a distinção de propriedade individual e coletiva passa a se acentuar, na medida em que as conquistas passam a ser de seus nobres. ―The invidious comparison now becomes primarily a comparison of the owner with the other members of the group” (Veblen [1899] 2009, 23).

Conforme a sociedade bárbara avança a seus estágios mais elevados, as atividades laborais manufatureiras assemelham-se cada vez mais à indústria moderna, fazendo com que as possibilidades de emulação pecuniária se multipliquem. Afinal, cada vez mais, uma maior porção de bens e demais propriedades mostram-se à disposição de uso e aquisição. Sendo assim, gradualmente, os hábitos pecuniários permeiam a comunidade em direção a uma sociedade ainda mais diferenciada e estratificada. Conforme a pecuniaridade toma conta dos hábitos, as características de honra e dignidade ficam ainda mais atreladas à aquisição e possessão de bens. Em um primeiro momento, por conferirem capacidade de existência além da subsistência, sendo capaz de prover a si próprio e sua prole, e em um segundo momento pela capacidade facilitada de se exibir proeza.

Neste ponto, Veblen comenta os atributos psicológicos fundamentadores do comportamento emulativo-pecuniário. Sendo o principal deles a autoestima e auto respeito oriundos da capacidade de autossuficiência observável exibível aos demais membros da sociedade. Através desta habituação, há o preciso direcionamento e realização do já comentado instinto de trabalho eficiente em sua finalidade teleológica de êxito e eficiência emulativa. E, em tom complementar, Veblen comenta que tais realizações não apresentam nível de saciedade. Afinal, as comparações são constantes, e a necessidade de diferenciação existe e perdura sempre com o objetivo da superação não só de terceiros, como da situação própria do período atual.

Sendo assim, conforme fica destacado neste capítulo, o caráter emulativo dos indivíduos ganha conotação substancial a partir do advento sociedade bárbara. Sendo que, em um primeiro momento, a emulação restringia-se ao ócio e à execução de proezas. Já em um estágio mais avançado desta cultura, maneiras adicionais de demonstração de proeza e honra surgem através da institucionalização da propriedade privada individual. Sendo assim, inicia- se um processo de emulação pecuniária através da socialização de hábitos de pensamento e comportamento em sociedade. Cabendo, em estágios iniciais, a conquista e o domínio de mulheres e propriedades e, posteriormente, passando para uma lógica industrial de consumo.

Veblen ainda destaca que todo este processo emulativo compartilhado, foi responsável pela geração de um grande ―jogo‖ a nível social, no qual busca-se as melhores colocações no ranking pecuniário, retroalimentando os anseios emulativos. Em sua maturação, esta lógica pecuniária e o advento da indústria, levariam a sociedade, em suas diferenciações e estratificações, à um comportamento cada vez mais conspícuo, tanto em relação ao ócio quanto em relação ao consumo. Tais comportamentos são melhor explorados nas seções subsequentes em que se aborda, respectivamente, os capítulos referentes ao ócio conspícuo e o consumo conspícuo.