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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.9. The conservation of archaic traits

Até este ponto de sua narrativa, Veblen fora bastante enfático ao apresentar o indivíduo e sua organização social como resultante de processos de causação cumulativa, compartilhamento de hábitos e condicionamento de instintos. Também fora bastante claro e incisivo em destacar as características conservadoras do ser humano, principalmente por parte daqueles que, em maior ou menor grau, apresentam desconexão com as mudanças materiais da sociedade. Porém, entender essas características como prevalecentes de uma leitura mais abrangente do ponto de vista antropológico ainda mostra-se necessário, como Veblen perfeitamente destaca na apresentação deste capítulo. Nesta parte de seu livro, Veblen tem como objetivo primordial entender, através de sua perspectiva psicológica e social, como se deram as conservações de traços arcaicos no comportamento humano. Ou seja, visa entender em que medida os seres humanos apresentam conservação comportamental que são antecedentes a sua socialização. Para tal, conforme se fará claro, entender o ser humano como um animal advindo de diferentes procedências étnicas é fundamental para que seus traços comportamentais e predisposições sejam melhor entendidas em seus desdobramentos recentes.

Segundo Veblen, os dois grandes princípios atrelados à sociedade industrial pecuniária, o desperdício conspícuo e a abstenção industrial, são fundamentais no papel de controle e direcionamento dos hábitos de pensamentos e instituições dos indivíduos imersos

nesta lógica social. Mais do que isso, também representam grande importância e efetividade no processo de guiar o temperamento da comunidade como compartilhadora de elementos étnicos comuns. Este comentário de Veblen direciona seu leitor ao entendimento de que a evolução social apresenta-se como um processo de adaptação seletiva, não só de hábitos, como também destes temperamentos. Sendo que estes, por sua vez, demonstram-se aptidões de períodos arcaicos de formação dos seres humanos, mais especificamente através da seleção de elementos étnicos de diferentes procedências. Veblen destaca que o indivíduo de sua época tenderia a ser representado por pelo menos três dos principais tipos étnicos: dolichocephalic- blond, branchycephlic-brunette e mediterranean105.

Veblen destaca que devido as leis da hereditariedade, as características concernentes aos períodos remotos da civilização podem e, provavelmente, sobrevivem na composição do indivíduo moderno. Ou seja, para a além dos condicionantes recentes do período bárbaro e pacífico, em que ocorreram em grande medida a formatação dos hábitos de pensamento e comportamento, predisposições comportamentais de origem remota também foram moldadas pelas exigências do tempo. Por esse motivo, segundo Veblen, nota-se que os seres humanos não podem ser rastreados cronológicamente a somente uma das já citadas correntes étnicas. Afinal, para que pudessem se fazer presentes em características hodiernamente, tiveram de passar pelas mais diferentes mesclas e mutações, tornando-os extremamente híbridos em relação a seus antepassados. Com base nesta justificativa, Veblen argumenta que não há respaldo no argumento de que diferentes organizações sociais atualmente justificam-se pelas suas características étnicas – tribais e raciais – haja vista que estas diferenciações já não mais se aplicam em relevância. Segundo o autor, conforme já visto anteriormente, essas diferenças seriam resultados das instituições e hábitos aflorados contemporaneamente.

Nesta passagem Veblen salienta que as características instintivas (traços arcaicos) dos indivíduos não compõem o comportamento dos mesmos de forma majoritária. Afinal, estes traços arcaicos estariam sujeitos às restrições habituais dos indivíduos em suas institucionalidades presentes. Logo, o ser humano, apesar de apresentar características instintivas em sua estrutura comportamental, é muito mais um ser de hábitos do que um ser de instintos. Conforme visto até aqui, esta conclusão não apresenta-se de forma inédita, mas pelo contrário, corrobora as percepções de Veblen em sua descrição psicológica a respeito do ser humano e sua estruturação sociológica.

105 Infelizmente Veblen não menciona sua fonte para os referidos tipos étnicos. Apenas destaca, de forma

Sendo assim, as atribuições raciais que vieram viabilizar o ser humano moderno, apesar de ser resultante de ao menos três conjuntos étnicos de períodos remotos, hoje apresentam-se como o resultado híbrido de períodos de mescla e adaptação seletiva. Veblen enfatiza, mais uma vez, a importância do período bárbaro no estabelecimento desse processo seletivo. Afinal, segundo autor, seria neste período que fundamentais diferenciações começam a ser embutidas na vida em sociedade, principalmente a desconexão coletiva em detrimento do empoderamento individual, a institucionalização da propriedade privada e demais elementos habituais que demandariam o afloramento de antigas características primitivas que justificariam essa sociedade pelo seu nome bárbaro106. Em outras palavras, esta leitura antropológica apresenta o ser humano como espécie única, resultante de diferentes mesclas étnicas que tiveram como papel fundamental a diversificação comportamental que viabilizou a perpetuação humana nos mais distintos cenários e possibilidades.

Enquanto descreve este processo de adaptação via seleção de traços arcaicos do comportamento humano, Veblen comenta o surgimento de importantes instintos que viriam a ser fundamentais nos estágios pós-fase pacífica, como por exemplo, o instinto de solidariedade de raça (instinct of race solidarity) e o já comentado instinto de trabalho eficiente, porém aqui retratado como em sua forma nativa, anterior a perspectiva individualista. Sobre este último, Veblen comenta que, apesar de apresentar-se em consonância com as demandas pós-barbaras da sociedade, este instinto teria sido resultante de fases ainda mais remotas da formação dos seres humanos, tendo sido reaflorado de forma decisivamente importante na fase bárbara na composição psicológica da sociedade pecuniária. Partindo desse exemplo, Veblen salienta que o processo seletivo destes traços arcaicos ainda ocorrem em prol do refinamento comportamental dos indivíduos frente às novas demandas da sociedade. Ou seja, aqueles traços comportamentais tidos como arcaicos e que ainda apresentam-se presentes no comportamento dos indivíduos foram, em maior ou em menor grau, decisivos na perpetuação humana.

Desse modo, Veblen leva seu leitor a entender como se condicionam as possibilidades de perpetuação destes traços arcaicos do comportamento humano. Conforme já destacado no capítulo 2, cabe aos hábitos o condicionamento e o direcionamento dos diferentes instintos presentes no comportamento humano. Exatamente através desta perspectiva justifica-se a capacidade dos indivíduos em direcionarem antigos traços arcaicos – enraizados através de formas instintivas – a se adequarem às demandas hodiernas, facilitando e viabilizando a

106 Veblen salienta ainda que o período de selvageria pacífica que antecedeu à cultura bárbara, teria sido o

perpetuação destes agentes. Essa noção adaptativa-seletiva implica reconhecer a capacidade de moldagem destes traços comportamentais, mesmo que imersos profundamente na ideia de ―natureza humana‖. Ciente desta implicação, Veblen adianta-se em relembrar as capacidades adaptativas do ser humano como compartilhador de hábitos e institucionalizador de pensamentos e comportamentos.

Com esta explicação em mente, Veblen retoma a ideia da divisão institucional da representação dos interesses das classes: as instituições pecuniárias e as instituições industriais. Conforme visto no capítulo anterior, as instituições de cunho pecuniário mostram- se conservadoras devido a sua mais rotineira desconexão com os fenômenos de realidade material. Por esta característica, Veblen comenta que as classes executoras das instituições pecuniárias, apresentariam com maior frequência os supracitados traços de comportamento arcaicos, justamente por desempenharem funções de cunho predatório, associados à proeza e mérito, assim como comportamentalmente aprendido e adquirido durante o período bárbaro da civilização. Como exemplo, Veblen apresenta o papel do ―capitão da indústria‖ como função pecuniária que desempenha através de astúcia a representação da proeza do gerenciamento dos negócios.

Através desta noção, Veblen salienta que há aparente diferenciação não só em hábitos, mas também em temperamento e desempenho de traços arcaicos nas diferentes classes sociais. Tal perspectiva apresenta os membros de classes superiores como potencialmente mais arcaicos em comportamentos e pensamento, do que aqueles que compõem a base da sociedade. Afinal, seus comportamentos de origem predatória, assim como seu afastamento da realidade material de adaptação e seletividade, faz com que suas provações evolutivas sejam retardadas. Isto não implica dizer que há uma diferenciação no intervalo evolucionário entre as classes, mas sim implica delatar uma diferenciação de temperamento no que se refere à seus posicionamentos. Essa explicação repousa sobre a percepção de Veblen de que os indivíduos das classes industriais teriam seus afloramentos comportamentais durante a fase pacífica de desenvolvimento social, tendo sido marginalizados durante a fase bárbara de institucionalização do comportamento predatório e pecuniário. Essa desconexão de realidades e intensidades de comportamento, fez com que se criasse a já citada diferenciação de temperamento entre as classes. Ou, pelas palavras de Veblen:

From what has been said, it appears that the leisure-class life and the leisure- class scheme of life should further the conservation of the barbarian temperament; chiefly of quasi-peaceable, or bourgeois, variant, but also in some measure of the predatory variant. In the absence of disturbing factor, therefore, it should be possible to trace a difference of temperament between

the classes of society. The aristocratic and the bourgeois virtues – that is to say the destructive and pecuniary traits – should be found chiefly among the upper classes, and the industrial virtues – that is to say the peaceable traits – chiefly among the classes given to mechanical industry.

Porém, ainda Segundo Veblen, essa diferenciação de temperamento pode não ser factível nesses termos e abrangência. Afinal, o caráter habitual do comportamento humano, pode caracterizar estas condutas como popularmente aceitáveis nos diferentes cenários em que são postas a prova. Ainda assim, segundo o autor, é inegável a característica conservadora da classe ociosa na manutenção e fortificação dos regimes arcaicos de tradições bárbaras da sociedade em prol de sua auto preservação e perpetuação.