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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.4. Conspicuous consumption

Conforme a sociedade atinge suas configurações modernas em uma economia capitalista de estrutura patriarcal, as lógicas de ócio e consumo se somam no objetivo da emulação pecuniária. Em períodos iniciais de institucionalização das diferenciações laborais e da propriedade privada, o ócio e a propriedade de bens e pessoas destacavam-se no objetivo emulativo. Porém, com o advento da cultura industrial, uma nova gama de possibilidades emulativas ascende na sociedade, principalmente em relação à demonstração de nobreza através da riqueza. Segundo Veblen, o consumo toma posição de destaque na demonstração de honra, principalmente através de seus atributos de origem conspícua.

Veblen destaca que as formas mais óbvias de consumo estão relacionadas aos artigos do cotidiano, dentre os quais as vestimentas e a alimentação tomam importância substancial.

Segundo o autor, essas diferenciações antecedem as formas tradicionais de pecuniaridade, tendo sido, por muito tempo, produtos associados à subsistência. Porém, com o advento da sociedade moderna, atribuiu-se ao consumo destes bens não só a garantia de subsistência, como também os transformou em evidência de riqueza. E, conforme visto anteriormente, a busca pela demonstração de riqueza se dá pela emulação pecuniária, institucionalizada através do compartilhamento de hábitos de pensamento em uma sociedade estratificada, tanto em poder quanto em atividades laborais. Portanto, conforme destaca-se a predominância de características capitalistas, atreladas a consumo conspícuo e ócio conspícuo, esses elementos tomam proporções substancialmente relevantes.

Conforme já destacado em relação ao ócio conspícuo, a alteração das estruturas socioeconômicas em direção à complexidade resignificam e ampliam as possibilidades de utilização do consumo conspícuo. Segundo Veblen, o consumo improdutivo de bens resultaria em obtenção de nobreza em mesmos parâmetros que o ócio conspícuo, porém, conforme a nova organização social se reestrutura em prol de uma sociedade de consumo, este elemento por si só não apresenta mais a mesma sensibilidade emulativa. Sendo assim, um consumo cada vez mais conspícuo é levado a cabo pelo exagero e especificidade dos bens demandados. Desse modo, nota-se a exacerbação na busca pelo consumo de bens conforme estes se mostram mais desejáveis em seu objetivo emulativo. Neste ponto, é importante ressaltar o início de uma desassociação do consumo pela sua satisfação e/ou utilidade consumível, haja vista sua nova função pecuniária de emulação e manutenção de status.

Com base nesta ideia, Veblen comenta a existência de uma separação de bens originário da diferenciação de classes. Afinal, inicia-se a ascensão de bens de características exclusivas das classes abastadas, em específico a ociosa, em que sua função seria para além – ou completamente desconexa – da subsistência, objetivando, meramente, a demonstração de proeza em possuir e exibir poder de compra. Sendo assim, mais uma vez, evidencia-se a desconexão dos propósitos de consumo como em sua forma originária e, cada vez mais, estes bens pautam-se em saciar desejos pecuniários de emulação. Logo, não mais basta o consumo de bens para saciedade de necessidades próprias e básicas, mas também para a evidência de poder de compra tanto em quantidade quanto em qualidade95. Desse modo, intensificam-se as diferenciações de atividades produtivas, assim como as diferenciações de bens disponíveis para consumo.

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Neste ponto fica evidente outra contraposição bastante relevante à perspectiva neoclássica. Afinal, Veblen conseguiu apresentar uma explicação ao fenômeno da não saciedade do consumo ostensivo, enquanto que a perspectiva neoclássica a entende somente como dada.

Conforme destaca-se através do óbvio neste ponto da narrativa, manter um estilo de vida, além de ocioso, mas também custoso, é elemento fundamental na elaboração de um processo emulativo consistente. Não se deve esquecer que este processo apresenta características de necessidade na sociedade estratificada e de propriedade privada individual. Afinal, representa aspectos diretamente relacionados à psique humana, no que se refere à estima, honra e dignidade. Fazer parte do ―jogo‖ da emulação pecuniária, cobra que se sigam as regras pautadas nestes objetivos honoríficos, principalmente devido a sua antiga associação à proeza e a destaque social.

Do mesmo modo que o ócio vicário ascende em seus objetivos de demonstração de honra através de um provedor ocioso, o consumo também pauta-se em exibição de provimento alheio. Tal provimento ocorre não só em subsistência, mas também em demonstração de poder de compra. Sendo assim, revisitando a lógica antropológica apresentada por Veblen, aqueles que estariam sob tutela de um executor de façanhas, teriam também o acesso ao consumo de ordem conspícua através da característica vicária, de modo muito semelhante ao ócio. Sendo assim, o consumo vicário também passa a ser desempenhado através do reforço de emulação pecuniária do provedor da riqueza.

Neste ponto, mais uma vez, Veblen estabelece relação fundamental no papel da mulher em sociedade, e seu atributo vicário como propriedade do homem. Segundo o autor, através da lógica patriarcal de organização social, tais relações reforçam-se para além da diferenciação de atividades e de prática do ócio, mas também através das características de consumo. Desse modo, cabendo à mulher o consumo de sua subsistência acrescido do consumo vicário designado à contribuição do conforto e da boa reputação de seu mestre.

Seguindo através de sua descrição antropológica de causações cumulativas, Veblen demonstra os desencadeamentos de fatos que teriam resultados na supracitada lógica de consumo conspícuo, tanto próprio quanto vicário. Segundo o autor, em sua origem, o consumo conspícuo estaria à disposição única e exclusivamente da classe ociosa, tendo tido sua disseminação durante a ascensão da lógica assalariada de geração de renda, atingindo as demais classes sociais. Neste último estágio, Veblen argumenta o direcionamento do consumo vicário a artigos de contemplação feminina, assim como adornos e paraphernalia96 doméstica.

Conforme as distinções de conspicuidade de consumo se tornam difíceis de serem identificadas devido a sua disseminação em todas as classes sociais, o já mencionado processo

de especificação de bens através de qualidade e quantidade assume papel fundamental. Afinal, deve-se não só consumir de maneira conspícua, mas também direcionar gostos e qualidades de acordo com a maior capacidade de emulação. Sendo assim, as maneiras e as etiquetas, comentadas anteriormente, assumem papel de relevante significado, pois seriam os guias do processo de escolha no consumo de bens. Logo, o consumo de bens de qualidade superior torna-se prioridade da classe ociosa como principal emulador pecuniário. Não só optando por estes bens, mas também sendo capaz de distingui-los e criar divagações sobre os mesmos.

Veblen ainda aponta as reuniões sociais como as principais divulgadoras da emulação pecuniária. Nestes eventos os mestres, representantes da classe ociosa, têm a oportunidade de demonstrar poder de compra através da exibição de bens de consumo; a apresentação de modos e etiquetas através da identificação de diferentes produtos e suas histórias; e a ostentação de sua esposa como vitrine conspícua de bens supérfluos, assim como representantes de um ócio vicário. Por óbvio, as reuniões sociais antecedem ao surgimento da emulação pecuniária, sendo que, segundo Veblen, estas teriam sido, provavelmente, originárias de convenções religiosas e/ou culturais bastante primitivas, adequadas ao cenário socioeconômico moderno. Tais reuniões sociais têm o objetivo claro de ostentação. Apresentar um ambiente comum em que os indivíduos estariam aptos a emularem pecuniariamente. Segundo Veblen, este objetivo ainda poderia ser vislumbrado como essencial no processo de emulação do já comentado ranking pecuniário.

Exatamente neste ponto, Veblen deixa claros as intenções e os esforços que atenuam a necessidade de demarcação de propriedade, tanto de bens quanto de pessoas. Segundo o autor, através do ócio vicário e do consumo vicário, torna-se importante que fiquem claras as propriedades e seus respectivos mestres. Essa preocupação não só ocorre entre servos, mulheres e bens, mas também a aspectos de ascendência e descendência familiar. Sobre estes casos, conforme vimos anteriormente, instituem-se as insígnias e brasões familiares. Neste contexto Veblen ainda acrescenta o papel recorrente da lógica proletária como utilizadora de uniforme. Sendo que, segundo o autor, “[t]he wearing of uniforms or liveries implies a considerable degree of dependence, and may even be said to be a mark of servitude, real or ostensible” (Veblen [1899] 2009, 55).

Através da ascensão do trabalho assalariado, a lógica de servidão abre espaço a uma nova perspectiva empregatícia, consequentemente, as características emulativas de finalidade vicária ficam comprometidas. Neste aspecto, Veblen argumenta o papel da esposa como a remanescente de uma lógica arcaica de propriedade, apresentando características bem definidas de demonstração de ócio e consumo como administradora da unidade familiar. Este

fenômeno teria se acentuado, segundo o autor, principalmente na porção da classe média, haja vista que o processo emulativo respeita as regras hierárquicas da classe ociosa. Sendo assim, os indivíduos que compõem as classes médias seriam colocados na obrigação da emulação de comportamentos superiores aos verdadeiramente vividos. Esta lógica seria respeitada em todos os diferentes estratos sociais, sendo que o objetivo da emulação seria sempre a busca pela aparência de poder pecuniário superior ao realmente vivido.

Veblen destaca que a semelhança entre as características emulativas de ócio e consumo, pautam-se no desperdício. Afinal, para que o ócio seja apresentado conspicuamente, deve estar relacionado ao desperdício de tempo e, em mesmo sentido, para que o consumo seja apresentado conspicuamente, deve estar relacionado o desperdício de recursos. Em ambos os casos nota-se o método de demonstração e possessão de riqueza. Sendo que, neste ponto do processo antropológico, haja vista as causações cumulativas que até aqui culminaram, ambos os métodos podem ser vislumbrados e aceitos como equivalentes na emulação pecuniária. Porém, Veblen é enfático ao salientar que conforme as diferenciações de consumo passam a se tornar ainda mais evidentes, o consumo passa a superar o ócio em termos de evidência de riqueza e status.

Uma das explicações de Veblen para a afirmação acima, se dá através de um fenômeno bastante simples e contemporaneamente rotineiro: a observação da vida alheia. O ponto de Veblen pauta-se na característica muito mais elevada da exibição do consumo de bens em relação à prática do ócio. Afinal, conforme a nova lógica socioeconômica ascende em uma sociedade cada vez mais impessoal e de rotina incessante, o ócio passa a ser um elemento pouco demonstrativo e pouco eficaz na prática da emulação. Ou seja, somente através de um convívio direto e rotineiro é possível se fazer a identificação do ócio de maneira conspícua. Contrariamente, o consumo pode ser, de maneira muito mais fácil, exibido e demonstrado no decorrer das atividades hodiernas. Exatamente com base neste ponto, cada vez mais o consumo supera o ócio como ferramenta de emulação97.

Outra explicação repousa sobre as características socioeconômicas relacionadas ao trabalho assalariado e a expansão das capacidades de compra. Afinal, conforme as novas lógicas laborais tomam a cabeceira do desenvolvimento econômico, o ócio tende a ser apresentado como obsoleto.

97 Destaca-se ainda que Veblen estabelece uma diferença entre a socialização urbana e a socialização rural.

Segundo o autor, em uma lógica urbana, as atividades emulativas seriam muito mais eficientes do que em relação no contexto rural. Afinal, como Veblen destaca, grande parte do esforço emulativo é compensado através do diálogo entre os membros da sociedade, principalmente através de fofocas e conversas entre vizinhos, além da evidência visual.

So long as all labor continues to be performed exclusively or usually by slaves, the baseness of all productive effort is too constantly and differently present in the mind of men to allow the instinct of workmanship seriously to take effect in the direction of industrial usefulness; but when the quasi- peaceable stage (with slavery and status) passes into the peaceable stage of industry (with wage labor and cash payment) the instinct comes more effectively into play. It then begins aggressively to shape men’s views of what is meritorious, and asserts itself at least as an auxiliary canon of self- complacency (Veblen [1899] 2009, 65).

Sendo assim, através do incremento substancial no tamanho da comunidade envolvida nas atividades industriais, o consumo conspícuo passa a, gradualmente, ganhar importância frente ao ócio. Neste ponto, Veblen apresenta uma alteração bastante significativa a nível cognitivo e comportamental: a alienação do instinto de trabalho eficiente às características de consumo conspícuo. Conforme Veblen destaca, observa-se que as novas organizações produtivas estabelecem um redirecionamento de um dos principais instintos humanos na emulação pecuniária. Sendo assim, cada vez mais, as possibilidades de consumo mostram-se como ampliadoras das possibilidades de emulação pecuniária, elevando a atratividade desta característica conspícua. Ressalta-se que esta característica conspícua de consumo está diretamente relacionada ao desperdício, conforme já comentado. Porém, Veblen frisa que o termo desperdício em sua conotação usual, é atribuído a um sentimento pejorativo e depreciativo. Mas como Veblen destaca, o termo por ele utilizado de forma técnica, diz respeito a utilização de recursos em sentido desconexo do provimento da vida humana e seu bem estar, por isso é apresentado e entendido como ―desperdício‖; desconexo de necessidade.

Sendo assim, com base nas observações feitas até aqui, observa-se o fundamental papel atribuído aos elementos de ordem pecuniária como demonstradores de habilidades de proeza e honra. Exatamente sobre a fixação e operação destas características através dos hábitos de pensamento, Veblen estabelece no capítulo seguinte algumas considerações – quase que a título de conclusão – do que até agora foi apresentado.