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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.2. UMA ANÁLISE DE THE INSTINCT OF WORKMANSHIP AND THE STATE OF

4.2.4. The technology of the predatory culture

Neste ponto de sua obra, Veblen retoma a construção dos estoques de conhecimento como um fenômeno comum de uma comunidade, salientando que para haver a possibilidade de inovação por parte dos indivíduos, este estoque de conhecimento deve estar sob domínio dos mesmos, ao menos no que se refere a atividade a ser inovada. Veblen ainda argumenta a possibilidade de existir indivíduos com habilidades específicas que se distinguem dos demais por aptidão e maestria. Porém, estes só serão úteis e auxiliares no processo de causação cumulativa, no caso de fazerem-se cientes do atual estoque de conhecimento de sua comunidade; caso contrário seriam apenas boas aptidões sem direcionamento eficaz do instinto de trabalho eficiente.

Este ponto é frisado, pois delata um detalhe bastante importante da perspectiva vebleniana a respeito do processo de evolução institucional e, portanto, hereditariedade de pensamento e condutas. Atentando e comentando sobre o aspecto biológico da hereditariedade, Veblen ([1914] 2018, 139) pontua que, “[…] the individual is a creature of heredity and circumstances. And heredity is always group heredity, perhaps peculiarly so in the human species”. Mais do que isto, Veblen ainda comenta que a hereditariedade de qualquer raça humana é sempre suficientemente homogênea para permitir que todos os seus indivíduos possam ser classificados de acordo com suas características. No momento em que uma ―anomalia‖ surge apresentando traços físicos nitidamente diferentes dos tradicionais, a inquietação imediata que emerge refere-se a como esta diferenciação se viabilizou. Através desta ponderação Veblen explica que assim como no caso das características físicas oriundas da biologia, estas inquietações também são verdade do caso de traços instintivos.

Entender estas considerações são fundamentais para se vislumbrar o processo evolucionário da teoria vebleniana, principalmente no que se refere a passagens de diferentes períodos históricos. Conforme se demonstra em inquietação deste capítulo, Veblen comenta a existência de fundamentais elementos culturais, especificamente de origem predatória, no desenvolvimento tecnológico e na organização social. Tendo em mente as considerações acima sobre o processo de hereditariedade de traços instintivos, assim como o processo de causação cumulativa em que se geram mutações habituais e institucionais, Veblen tece

comentários a respeito dos baixos estágios culturais. Nestes períodos, segundo o autor, nota- se que há baixa diversidade nas ocupações laborais destas comunidades, consequentemente as possibilidades de mutações instintivas e/ou habituais também demonstram-se baixas. Como consequência final desta baixa diversidade, Veblen comenta o pequeno estoque de conhecimento tecnológico por parte destas culturas.

Havendo baixa complexidade nos estoques de conhecimento, também nota-se uma relativa baixa na quantidade de especializações nas atividades desenvolvidas por estas comunidades. Segundo Veblen, esta baixa ocorrência de especializações, fez com que os indivíduos caracterizassem-se por elevada dependência uns dos outros. Sendo assim, o senso comunal de sociedade, bem comum e fraternidade trabalhavam em elevada utilização no modo de se pensar e organizar estas comunidades. Consequentemente, as perspectivas de ganhos sobre outros indivíduos era consideravelmente escassa, afinal sob esta perspectiva de organização social, tanto a propriedade privada quanto a lógica pecuniária de ganhos ainda não emergia do estado da arte industrial, nem das instituições sociais. Conforme já visto em The Theory of the Leisure Class, somente com o surgimento da cultura predatória as perspectivas pecuniárias teriam ascensão possibilitada. Afinal, sem a instituição da propriedade privada, todos os estímulos concernentes a esta lógica (pecuniária) também estariam ausentes.

Conforme visto anteriormente, a eficiência industrial – através de seu estoque de conhecimento tecnológico – não representa um elemento individual, mas sim da comunidade. Portanto a eficiência industrial, como um fator comum e resultante do estágio cultural, só poderia ser também alcançada com a superação da fase pacífica e comunal acima apresentada. Sobre tal, Veblen comenta o lento (e de difícil identificação) processo pelo qual a organização social e econômica apresentou suas primeiras mudanças em direção à uma lógica predatória. Segundo o autor, alguns elementos da matriz habitual passaram a representar, através do processo de causação cumulativa, inclinações libertárias, principalmente em torno do instinto de trabalho eficiente. Estas inclinações libertárias estariam fortemente relacionadas com as novas habilidades produtivas desta comunidade, dentre as quais, as já comentadas agricultura e domínio de outras espécies animais para domesticação, predominam. Através desta nova lógica produtiva, a subsistência e a ociosidade passam a fazerem-se possíveis com maior frequência, editando uma viabilidade ao sedentarismo e ao direcionamento de atenções a atividades distintas (principalmente predatórias).

Conforme se entende a teoria vebleniana, nota-se que estas diferenciações e alterações no modo de organização social não sucederam-se de maneira imediata e incisiva, mas sim

passaram por processos de adaptação e cumulatividade. Sobre tal, Veblen comenta a permanência de elementos transitórios entre o período da cultura de selvageria pacífica e da cultura predatória e pecuniária; principalmente apresentando análises sobre a liberdade do instinto de trabalho eficiente já nos períodos paleolítico até o fim do período neolítico. Em mesmo sentido também aborda e analisa a emergência de lógicas produtivas que tiveram o poder de viabilizar o direcionamento econômico destas comunidades em transição116.

Através da ocorrência das alterações habituais e institucionais, a culminação de alterações na lógica produtiva e organizacional da sociedade foram responsáveis pela emergência da propriedade privada. Neste ponto, Veblen frisa que, através desta nova instituição, percepções predatória passam a emergir a se apresentarem mais recorrentemente no dia-a-dia das comunidades, principalmente através de atividades de conquista, façanha e acumulação. Conforme visto anteriormente, estas atividades teriam suas emancipações, principalmente, pautadas no processo de emulação pecuniária e distinção entre classes sociais. Veblen ainda comenta o papel fundamental da mudança industrial durante a emergência da cultura predatória, principalmente no que se refere a criação de excedente visando ganhos (lucros) para além da subsistência.

Também conforme já visto anteriormente, Veblen delata a posse de pessoas como as primeiras instituições de propriedade privada, principalmente de mulheres e crianças. Conforme visto, estas propriedades garantiriam a noção de façanha e conquista atrelada a lógica pecuniária de vida na cultura predatória. Através dessa alteração na percepção social e organizacional, a sociedade passou a também apresentar alterações no que se refere a sua manutenção e perpetuação. Afinal, como Veblen bem aponta, com a ascensão da lógica da propriedade privada, os indivíduos pertencentes a essas comunidades passaram a apresentar características de auto preservação. Contrariamente ao período anterior, agora o bem-estar individual passa a se sobrepor ao bem comum; ao bem da comunidade. Em mesmo sentido, agora as vantagens (ganhos) passam a serem comparativos entre os indivíduos da mesma comunidade, contrariamente do caso anterior em que as vantagens eram comparativas entre diferentes comunidades. Segundo o autor, estas seriam características fundamentais da sociedade de cultura predatória.

Por óbvio, esta nova estruturação social faz com que hajam recorrentes e cumulativas mudanças na estrutura habitual das comunidades. Dentre estas novas habituações, estão as relações entre estruturas de poder e associações de dignidade. Sendo que o principal motor

motivador destas características, segundo Veblen, seriam justamente as atividades devocionais, teleológicas e antropomórficas. Sendo assim, as estruturas religiosas apresentam forte e representativo papel na emergência de uma sociedade de cunho predatório. Seria justamente através destas novas lógicas de organização e comportamento que importantes hábitos voltados a submissão e poder emergem em uma sociedade cada vez mais estratificada através de argumentos pecuniários.

Sendo assim, Veblen destaca alguns daqueles que seriam os traços gerais das comunidades predatórias, tanto em sua emergência quanto em sua perpetuação. Segundo o autor, tanto a superstição religiosa quanto o desfavorecimento (conservadorismo) a ganhos técnicos seriam os reflexos mais imediatos desta nova lógica organizacional. Afinal, a superstição religiosa apresentaria o zelo pela manutenção da já instituída estrutura, assim como também imputada conotações teleológicas as formas desiguais e hierárquicas da sociedade, enquanto que o conservadorismo oriundo desta percepção faria com que avanços evolucionários no modo de se organizar industrialmente também se fariam menos recorrentes. Desse modo, tendo estas características em mente, Veblen salienta que a cultura ocidental foi a que apresentou tais inclinações de modo mais acentuado ao longo de sua organização histórica. Segundo o autor, as redes habituais e institucionais que foram responsáveis pela organização social e industrial desta sociedade foram fortemente pautadas na lógica pecuniária, principalmente através da emancipação e defesa de interesses individuais em detrimento de interesses coletivos da comunidade.

Um dos fatores resultantes mais marcantes desta nova lógica pecuniária emergente durante a cultura predatória seriam, segundo Veblen, a inclinação a fraude visando ganhos. Segundo o autor, traços fraudulentos podem ser identificados durante a emergência de uma sociedade pecuniária, principalmente através do desenvolvimento precário de artigos e produtos, com a finalidade de ganhos para além dos tradicionais e possibilidade de acumulação acelerada de riqueza. Outro grande resultado marcante seria a reestruturação lógica do trabalho que, contrariamente ao cenário anterior que estaria voltado a servitude, agora justifica-se através da busca por ganhos pecuniários. Este último resultado, conforme já visto anteriormente, resultará num novo estímulo ao instinto de trabalho eficiente durante a era industrial-patriarcal.

Veblen ainda salienta que a nova lógica de organização social faz com que os indivíduos mudem consideravelmente seus comportamentos. Sendo que um dos desdobramentos mais consideráveis de se observar é o já comento consumo conspícuo. Afinal, em uma sociedade de lógica pecuniária, um dos principais elementos de emulação e

promoção de status seria justamente a forma de se consumir o que é produzido nesta sociedade. Sobre este ponto Veblen comenta que, através da emergência do consumo conspícuo a sociedade é levada ao consumo de desperdício que, por sua vez, reestrutura a lógica industrial em prol deste novo modo de vida. Sendo o instinto de trabalho eficiente um resultado direto da observação dos fenômenos sociais e produtivos, este traço comportamental também sofre consideráveis alterações no que se refere a sua execução.

Conclusivamente, Veblen comenta que fora também durante o período de ascensão à uma lógica predatória e pecuniária de organização social que outra importante instituição toma forma no processo industrial. Segundo o autor, ao superar as formas nativas de uma sociedade predatória, as comunidades passam a desempenhar um papel comercial de sistema competitivo. Esta nova característica passa a reger as formas de organização produtiva, fazendo parte considerável do estado da arte industrial a partir deste período. Sendo que uma das principais características desta nova instituição seria justamente a de disciplinadora da organização produtiva. Nas palavras de Veblen ([1914] 2018, 186): “so that the commercial phase of culture should be a favorable to advance in the industrial arts, at least as regards the immediate incidence of its discipline”. Sobre este ponto, Veblen dedica o capítulo seguinte de sua obra.