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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.7. Dress as an expression of the pecuniary culture

Imediatamente após o capítulo proposto como análise dos gostos pecuniários, e munido de apontamentos e argumentos muito semelhantes, Veblen direciona sua atenção ao fundamental papel da vestimenta como uma expressão da cultura pecuniária. Neste ponto, o autor tem o objetivo simples e declarado de munir-se do mais ilustrativo exemplo acerca dos princípios econômicos até aqui apresentados. Afinal, segundo Veblen, a emulação de um elevado padrão pecuniário apresenta-se em voga em todos os objetivos econômicos, porém é melhor expressa e explorada através das vestimentas instituídas em sociedade. A explicação para esta assertiva, ainda segundo autor, está pautada na capacidade de exibição das vestes em meio comum e social, sendo utilizada como vitrine às percepções alheias a respeito do poder pecuniário do indivíduo que obedece a determinado código de vestimenta. Ou, pelas palavras

de Veblen ([1899] 2009, 111): “… expenditure on dress has this advantage over most other methods, that our apparel is Always in evidence and affords an indication of our pecuniary standing to all observers at the first glance”.

Um dos primeiros pontos levantados por Veblen são os já comentados hábitos de pensamento como guias de comportamentos potenciais. Conforme já visto, tais hábitos de pensamento e comportamento estariam moldados para uma finalidade pecuniária de emulação e conspicuidade. Veblen utiliza-se do exemplo da vestimenta para salientar a força e a relevância destes hábitos no processo de tomada de decisão dos indivíduos, pontuando que no caso da vestimenta, corriqueiramente, abre-se mão do conforto físico em favor da exibição da capacidade emulativa. Ou seja, a projeção de valor social através da emulação pecuniária transcende os limites impostos fisicamente pelo conforto conforme os indivíduos optam pela associação a uma instituição pecuniária de vestimenta. Obviamente, este esforço mostra-se existente não só pelo objetivo pecuniário em si, mas também pela característica psicológica de necessidade de pertencimento e aceitação que os indivíduos apresentam no convívio em sociedade.

A importância da vestimenta não justifica-se em totalidade através da pecuniaridade do consumo. Conforme Veblen comenta, as vestimentas também estão diretamente relacionadas com a exibição de ócio, sendo muitas vezes ostentadas através de artigos que denotam a abstenção produtiva. Sendo assim, as vestimentas não apresentam o proposito único da elegância pecuniária, mas também tornam-se insígnias do ócio, cabendo demonstração de poder de compra concomitantemente a abstenção produtiva. Em outras palavras, a vestimenta atua através dos dois vetores emulativos desempenhados conspicuamente; o consumo e o ócio.

Conforme já se apresenta recorrente da leitura antropológica dos acontecimentos através da perspectiva de Veblen, no caso da vestimenta também há uma considerável diferença nas características de consumo e exibição entre os gêneros. Segundo o autor, a vestimenta feminina vai além no aspecto de demonstração ociosa, mostrando-se incompatível com as atividades laborais, e também, conforme já comentado, motivo de privação do conforto físico. Dentre os variados exemplos e comentários tecidos por Veblen, o salto alto e o espartilho desbancam como os principais denotadores de ócio improdutivo por parte da mulher, pois além do apelo pecuniário de demonstração frágil e delicada (conforme visto no capítulo anterior), também resultam em total impossibilidade de execução laboral. Segundo Veblen, estas características da vestimenta feminina não apresentam-se de maneira aleatória no curso cumulativo da história, pois são resultado direto da construção patriarcal da cultura

pecuniária. Afinal, na perspectiva do autor, os ornamentos de vestuário da moda feminina, além de conotarem finalidade emulativa em sua totalidade conspícua, tanto de consumo quando de ócio, também atuam como denotadores de honra para a habilidade honorífica de seu mestre. Sendo assim, a mulher passa a ser não somente vitrine de si mesma em papel de emulação, como também apresenta-se como atribuída em ser a ―vitrine‖ da moda para demonstração da capacidade de pagar de cônjuge.

Veblen comenta que apesar da vestimenta obedecer sempre ao critério pecuniário de emulação, tanto através do ócio conspícuo quanto do consumo conspícuo, suas características apresentam mudanças ao longo de diferentes períodos históricos. Assim como no caso dos gostos pecuniários apresentados no capítulo anterior, no caso das vestimentas as mudanças apresentam-se como resultado de alterações materiais de vivência na sociedade. Tais alterações não só ficam restritas no âmbito das possibilidades produtivas, mas também oscilam em relação as perspectivas artísticas de beleza e perfeição. Exatamente devido a esta última característica, os indivíduos tendem a relacionar os aspectos de moda e beleza de seu tempo, superiores aos da geração imediatamente anterior, como se representassem o passo adiante em relação a um conceito de beleza. Porém, Veblen salienta que tal perspectiva é enganosa, ao ponto que a maleabilidade desse processo apresenta elevado grau de volatilidade e possibilidades104.

Tal perspectiva de mudança ―fashion‖, segundo Veblen, baseia-se na perspectiva psicológica dos indivíduos que, através de seus hábitos de pensamento, são levados a buscarem posições emulativas de padrão pecuniário elevado. Este comportamento implica constantes e regulares desperdícios no modo de consumir, tanto os bens quanto o tempo. Porém, o já comentado instinto de trabalho eficiente, apresenta-se como uma aversão à futilidade atrelada à este comportamento emulativo. Desse modo, a solução corriqueiramente utilizada pelos indivíduos é a justificativa de todo novo adereço de vestimenta, mesmo que por finalidade cerimonial. Sendo assim, novas modalidades de exposição e ostentação apresentam-se com finalidades para além da pretensão emulativa. Porém, conforme as novas tendências rompem com a aversão à futilidade e entram em tendência, uma nova característica emulativa se faz necessária para o êxito da diferenciação e da reputabilidade crescente. Dessa maneira, o ciclo se renova e novas tendências são criadas através do processo de mudança da moda. Com base nesta perspectiva, Veblen salienta que nenhum atributo da moda deixará de passar pela prova do tempo. Porém, fica evidente que a velocidade na qual as mudanças

104 Isto implica dizer que, assim como qualquer outro processo de causação cumulativa descrito por Veblen, não

ocorrerão está diretamente relacionada com a capacidade emulativa da comunidade. Afinal, quanto mais fácil se mostrar a mobilidade social, mais frequentes se farão as atualizações de tendências, forçando novos ciclos de mudança no padrão da moda.

Conforme fica evidente, cabe à classe ociosa o papel de determinação das novas tendências em sua confortável posição de honraria e nobreza. Suas decisões emulativas permeiam a sociedade em sua totalidade, fazendo com que gradualmente essas novas tendências de moda se estabelecem como critérios pecuniários de emulação, regendo e direcionando as regras de consumo conspícuo em prol da exibição da capacidade de pagar e da capacidade de se abster de atividades produtivas.