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3. A ECONOMIA PÓS-DARWINIANA E SUAS CRÍTICAS: A LEITURA DE VEBLEN

3.1. COMENTÁRIOS DE VEBLEN SOBRE A ECONOMIA NEOCLÁSSICA: O

Tanto Hodgson (2004) quanto Rutherford (2011) convergem com a leitura de que o final do século XIX e início do século XX foi de intensa disputa no pensamento econômico, principalmente pelo anseio de domínio do mainstream desta ciência. De um lado estavam aqueles que apresentavam identificação com a antiga economia clássica, sendo atualmente conhecido como neoclássicos76, como por exemplo, Alfred Marshall e John Bates Clark. De outro lado, encontravam-se aqueles de identificação institucional-evolucionária, como por exemplo, Thorstein Veblen e John Commons.

Conforme já mencionado anteriormente neste mesmo trabalho, essa disputa apresentava-se primordialmente em diferenças epistêmicas, relacionadas ao olhar no qual essas bases científicas amparavam-se. Enquanto era observável o viés da causação cumulativa em atributos psicológicos e sociais por parte daqueles que defendiam uma ciência econômica institucional-evolucionária, podia-se também observar a manutenção de características mecanicistas no discurso econômico daqueles que propunham a observação generalista das características sociais. Por óbvio, tamanha divergência não poderia, nem mesmo a nível teórico, apresentar capacidade explicativa somatória entre as diferentes perspectivas. Desse modo, uma ruptura e disputa mostraram-se necessárias (Rutherford 2011).

Também conforme já comentado, Veblen (1899a), fazendo questão de salientar a perspectiva de construção da ciência ao longo do tempo, tece considerações a respeito do caráter inercial das perspectivas científicas através do compartilhamento dos hábitos de pensamentos entre diferentes ―gerações‖ de cientistas. Exatamente com esse fato em mente, o institucionalista salienta a existência de abordagens teóricas contemporâneas ao seu tempo, mas que apresentam características pré-evolucionárias, mesmo que em discurso intitulassem- se proponentes de um método evolucionário (Veblen 1899a). Em última instância, conforme veremos adiante, tais características seriam resultantes de uma preconcepção não darwiniana do processo evolutivo.

Ao tratar especificamente as contribuições de Alfred Marshall, Veblen é enfático ao salientar a perpetuação na ciência pré-evolucionária de características taxonômicas. Veblen (1900) reconhece o anseio de Marshall em estabelecer um estudo voltado ao entendimento do comportamento humano em uma lógica moderna, pautado em atributos econômicos. Porém, mesmo com tal objetivo em mente, Marshall não desenvolveu trabalhos, nem mesmo maiores explicações, sobre aspectos relacionados à conduta humana, tais como os elementos culturais e institucionais (Veblen 1900). Em fato, segundo a perspectiva de Veblen (1900), Marshall atribuiu o comportamento humano a determinantes das condições em que ocorreriam equilíbrios nos mercados. Ou seja, assumiu como verdadeiro a existência de elementos de origem teleológica no comportamento humano.

Desse modo, a crítica de Veblen (1900) acerca das contribuições de Marshall ao entendimento do indivíduo como agente econômico, mostra-se clara quando o institucionalista delata a visão marshalliana como não atenta aos processos de causação cumulativa. Ao invés disto, na interpretação de Veblen, Marshall teria atuado como refém dos velhos pressupostos taxonômicos e teleológicos que implicavam desdobramentos auto equilibrados nos fenômenos econômicos.

Veblen (1900) ainda admite nos trabalhos de Marshall o trato da economia como um processo de desenvolvimento nos trabalhos de Marshall, sendo este um dos elementos de recorrência nos trabalhos do autor neoclássico. Porém, Veblen reafirma a inadequação teórica de Marshall ao atrelar aspectos do comportamento humano a elementos taxonômicos e teleológicos. Conforma já visto no capítulo anterior, essa convergência de abordagens foi possível nos trabalhos de Marshall devido à interpretação spenceriana do evolucionismo (Luz e Fracalanza 2012). Tal processo seria cunhado em perspectivas teleológicas de finalidades pré-estabelecidas. No caso da biologia de Herbert Spencer isso se daria através da geração de heterogeneidade de espécies. Já no caso da teoria econômica de Marshall tal elemento corresponderia às características de auto equilíbrio oriundos das heranças clássicas do hedonismo e do utilitarismo (Veblen 1900).

Exatamente com base nestas argumentações, Veblen (1900) estabelece o perfil anacrônico da teoria econômica desenvolvida por Alfred Marshall. Afinal, conforme salientado no capítulo anterior, na perspectiva vebleniana, toda teoria econômica pós- darwiniana que não apresentasse características de causação cumulativa através de aspectos evolucionários, seria uma teoria de cunho obsoleto. No caso de Veblen, esses elementos foram sanados através de sua perspectiva institucional, com base nos instintos e nos hábitos de pensamento e comportamento. Já no caso neoclássico de Marshall, havia a carência de

maiores intepretações acerca do comportamento humano e dos desencadeamentos cumulativos na perspectiva social e econômica.

Costumeiramente, em forma de atrelar pensadores e ideias, Veblen apresentava os neoclássicos como teóricos da utilidade marginal, haja vista a importância deste elemento teórico no desenvolvimento das ideias oriundas deste grupo de economistas. Sendo assim, ao tecer críticas a postulados e elementos epistêmicos, Veblen elevava sua crítica do plano teórico para o plano da organização de ideias. Sendo que, o segundo próprio Veblen (1909, 620), John Bates Clark seria o “[t]he most ingenious and the most promissing of such attempts [...]”, devido a seus trabalhos marcarem o extremo esforço de estabelecimento dos postulados necessários, dentre eles o da própria utilidade marginal77.

A partir da identificação dos elementos de limitação das teorias neoclássicas, principalmente de Marshall e Clark, Veblen (1908; 1909) fundamenta suas críticas no aspecto estático da análise de elementos essencialmente dinâmicos e mutáveis, como o comportamento socioeconômico. Veblen (1909) salienta que por mais que os economistas de raiz neoclássica fizessem uso de termos relacionados a dinâmica, estes nunca, de maneira nenhuma, foram aptos a contribuir com alguma teoria voltada a mudança ou processo. Ou, nas palavras de Veblen (1909, p. 620):

For all their use of the term ―dynamics‖, neither Mr. Clark nor any of his associates in this line of research have yet contributed anything at all appreciable to a theory of genesis, growth, sequence, change, process, or the like, in economic life.

Sendo assim, através do alcance limitado da perspectiva da teoria da utilidade marginal, proposta por Clark e seguida pelos demais neoclássicos, aqueles que se propunham a esta abordagem seriam reféns de uma ciência de características estáticas, e também, conforme já comentado, reféns das prerrogativas teleológicas concernentes a o indivíduo e a sociedade (Veblen 1909).

Veblen (1908) apresenta argumentos ainda mais fragilizadores do constructo teórico de Clark quando elabora, concomitantemente, as características demandantes de uma sociedade industrial, e os pressupostos e objetivos desta teoria. Afinal, segundo o autor, tal teoria não se diz concernente ao entendimento do funcionamento das características de mercado e de consumo a qual a ciência econômica se propõe. De forma ainda mais incisiva, Veblen (1908; 1909) comenta que a prerrogativa hedonística – um dos grandes pilares

77 A relevância de Clark no constructo neoclássico também pode ser observada através de Veblen (1908)

teleológicos da teoria neoclássica – além de não ser autossuficiente no esclarecimento de seu objeto de estudo, mostra-se como debilitadora do inquérito científico demandado pela ciência econômica evolucionária.

Desse modo, Veblen salienta que as generalizações necessárias para a factual plausibilidade dos argumentos neoclássicos, demandam postulados confinados à teleologia e ao dedutivismo. Exatamente esta característica, de acordo com o autor, seria a principal diferença entre os economistas da utilidade marginal (neoclássicos) e os economistas clássicos. Afinal, no primeiro caso existe a evidência e aderência muito mais significativa de postulados, bem como suas limitações ficam ainda mais expostas através das recorrentes generalizações e deduções (Veblen 1909). Sendo que em tais generalizações e deduções, observa-se um caráter bastante otimista em relação ao comportamento humano e seu hedonismo travestidos de ―racionalidade‖. Essa última crítica sendo frisada por Veblen (1908) principalmente em seus estudos sobre as propostas teóricas de Clark.

Sendo assim, Veblen (1908) observa que todos os elementos de origem cultural, com suas relações humanas e instituições, são tidos como garantidos e pré-existentes, sendo expurgados dos objetivos de inquérito desta perspectiva. Desse modo, o comportamento humano generalizado e hedonista é deduzido através de uma normalização entre os indivíduos da sociedade. Sendo que, para Veblen, tal característica parece ser fonte de crítica não só a Marshall e Clark, mas também a todos os economistas simpáticos a esta corrente do pensamento econômico, como por exemplo, Jevons e Menger.

Com base nestes argumentos, Veblen comenta a existência da desconexão entre o inquérito científico contemporâneo a seu tempo, e aquele proposto pela abordagem neoclássica (Veblen 1898). Afinal, na contramão daquilo que se observa nos anseios científicos das demais áreas do conhecimento, no caso neoclássico, os elementos de ordem cumulativa são deixados de lado já na gênese de suas teorias. Sendo assim, segundo Veblen (1909), as instituições são, sem dúvida, fundamentais para a explicação do esquema de vida, porém, não são representadas na personificação do agente econômico (indivíduo) neoclássico. Conforme já visto, tais elementos institucionais seriam de fundamental relevância não só por explicarem de maneira consideravelmente ampla a psique humana, levando em consideração o processo de tomada de decisão, entre outros atributos, mas também por representarem aquilo que há de mais precioso na criação humana no ponto de vista antropológico (Veblen, 1908; 1909). Afinal, somente através de institucionalizações o ser humano fora apto a desenvolver características sistêmicas em relação a sua história e organização. Línguas, dinheiro, estabelecimentos de leis e condutas, são elementos que, sem

sombra de dúvida, são fundamentais na explicação do sistema socioeconômico. Logo, como uma teoria poderia se propor a explicar a ciência econômica desconsiderando a tais atributos? Outro questionamento ainda mais relevante: como uma teoria que desconsidera tais atributos poderia propor a mensuração e predição de fenômenos econômicos? (Veblen, 1908; 1909)

Desse modo, Veblen (1909) aprimora sua crítica à distorção do inquérito científico por parte dos neoclássicos afirmando que estes autores estariam preocupados com atributos de alocação, ou então, distribuição de bens (Camic e Hodgson 2011). Porém, os mesmos teriam negligenciado aspectos relacionados a consumo e produção, que em seus cernes apresentam características cumulativas muito marcantes e determinantes nos processos de alocação e distribuição. Através de tal comentário de Veblen (1909), mesmo que não de maneira explícita, fica delatada a visão normativa da economia neoclássica sobre o seu objeto de estudo.

Veblen (1909) aponta ainda que, mesmo que os elementos simplistas atrelados ao neoclassicismo se mostrassem como não comprometedores do desenvolvimento científico da economia, haveriam ainda outros problemas relacionados a observação e desencadeamento da conduta humana. Afinal, segundo Veblen, não seria possível explicar a socialização humana somente através de uma perspectiva individualista, mesmo que através da aceitação das preconcepções hedonistas. Tal ponderação justifica-se em Veblen através do caráter inibidor ou expansor de determinadas ações frente a cenários coletivos – obviamente, via perspectiva institucional. Sendo assim, mesmo que se aceite como verdadeiras as premissas neoclássicas relacionadas ao hedonismo e ao seu desencadeamento na utilidade marginal, ainda assim haveria uma enorme lacuna teórica esperando por uma solução, no campo da socialização humana e coletivização dos elementos socioeconômicos.

Como um exemplo simples da passagem acima, Veblen (1908; 1909) cita o processo de tomada de decisão. Através deste, o indivíduo é muitas vezes levado a diversos desejos e finalidades, porém, devido ao complexo e amplo arcabouço institucional em que o mesmo está inserido, elemento ignorado pela teoria neoclássica, muitas vezes esses elementos primários de desejo e finalidade são distorcidos visando uma ampla aceitação de seu cenário coletivo. Segundo Veblen, tal argumento daria ao comportamento do indivíduo uma característica naturalmente instável, de mensuração e predição insustentáveis. Sendo assim, segundo Veblen (1909, 630):

The postulates of marginal utility, and the hedonistic preconceptions generally, fail at this point in that they confine the attention to such bearings

of economic conduct as are conceived not to be conditioned by habitual standards and ideals and to have no effect in the way of habituation

É válido lembrarmos que as críticas tecidas por Veblen especificamente às contribuições de Marshall e Clark correspondem a um arcabouço ainda mais amplo do ponto de vista teórico. Porém, como pôde-se observar, parte-se do princípio da existência de uma grande diferença epistêmica que fundamenta e dissemina as mais diferentes divergências. Sendo que este elemento viria a ser a fonte de uma das principais discussões da ciência econômica naquele período (Hodgson, 2004; Rutherford, 2011).

Visando a finalização das perspectivas veblenianas acerca da economia neoclássica, que aqui tiveram como foco principalmente Marshall e Clark, nota-se uma relevante consideração a ser feita. Conforme Camic & Hodgson (2011) destacam, houve por parte de Veblen uma tentativa de aproximação entre os economistas de corrente neoclássica e aqueles que viriam a ser conhecidos como austríacos. Segundo Veblen, tanto neoclássicos como austríacos seriam os economistas responsáveis por adotar uma natureza humana passiva e substancialmente inerte. Porém, os autores comentam que tal tentativa teria sido resultado de uma leitura apressada e pouco rigorosa por parte de Veblen, principalmente tendo em vista os trabalhos que vieram a ser desenvolvidos posteriormente por parte da escola austríaca78 (Camic e Hodgson 2011).

3.2. VEBLEN E A CRÍTICA DO CAMINHO CIENTÍFICO PROPOSTO POR GUSTAV