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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.3. Conspicuous leisure

Com o advento e maturação da lógica de estratificação laboral, identifica-se também uma maior associação aos elementos de honra e dignidade atrelados às atividades de façanha e proeza. Conforme já indicado na sessão acima, a característica pecuniária da emulação por status fez com que o comportamento de origem conspícua tomasse proporções consideráveis. Devido às diferentes condições resultantes dos processos discriminatórios dos estágios bárbaros da sociedade, diferentes realidades desenharam-se aos indivíduos e suas especificidades. Porém, mesmo que suas realidades de classe fossem fornecedoras de meios e possibilidades distintos, os objetivos seriam o mesmo: a obtenção de honra e dignidade através da exibição de proeza. Sendo que, a proeza em seu estágio avançado na cultura humana, teria ganho conotações pecuniárias e conspícuas.

Veblen argumenta que as classes mais baixas – portanto, não ociosas – não apresentariam a capacidade de abstenção do trabalho produtivo. Porém, usariam deste em seu processo emulativo, através do orgulho de uma reputação de eficiência laboral. Veblen pontua que, recorrentemente, esta seria a única linha de emulação disponível para estas classes menos

abastadas. Já para as classes pecuniariamente superiores, executoras de proezas e façanhas, as atividades laborais ligadas a trabalhos produtivos, são vistas como indignas e desonrosas. Afinal, indicam a necessidade de trabalho manual e esforços para a manutenção da vida que, na perspectiva desta classe, seria demérito e incapacidade. Neste ponto, Veblen apresenta mais uma consideração a nível psicológico que, segundo o autor, teve sua maturação durante os estágios bárbaros da sociedade, afirmando que essa desconexão das atividades produtivas resultaria de uma habituação a nível de pensamento que relacionaria essas atividades à fraqueza, à submissão e à subserviência.

Sendo assim, em ordem de ganhar e/ou manter estima pessoal e social, os indivíduos das classes superiores não poderiam somente possuir riqueza e poder. Mas também deveriam ter a capacidade de exibi-los, através da evidência ociosa. Haja vista a complexidade produtiva e as disparidades sociais criadas e mantidas durante o avanço histórico da sociedade, o indivíduo que apresentasse a possibilidade de ócio em detrimento do trabalho pela sua subsistência, teria êxito pleno na exibição de sua riqueza, além da perfeita execução da emulação pecuniária. Desse modo, este atributo ganha substancial relevância junto à classe ociosa, sendo tradado por Veblen como o ―ócio conspícuo‖.

Conforme a complexidade da estrutura social avança em direção às configurações modernas, novas modalidades ociosas apresentam-se passíveis de execução. Aquela que Veblen melhor pontua estaria relacionada aos modos e a etiqueta. Segundo o autor, estas características comportamentais auxiliariam o processo emulativo das classes superiores, em específico a ociosa, já que tais comportamentos demandam tempo vago e habilidades específicas que, pela natureza meramente cerimonial, não seria exequível nas camadas pecuniárias inferiores da sociedade. Sendo assim, tais características comportamentais atreladas a modos e etiquetas, agiriam através de dois vetores no processo emulativo: a apresentação de um ser civilizado de comportamento nobre, e a exibição de tempo e recursos vagos para o aprendizado destas condutas94.

Veblen ainda comenta o caráter de reforço nestes comportamentos. Afinal, conforme estes se institucionalizam através dos hábitos socialmente compartilhados, recebem ainda mais legitimidade. Sendo assim, o comportamento ocioso pautado em normas cerimoniais de etiqueta, apresenta-se como colaborador no processo pecuniário de emulação, assim como ápice do caráter conspícuo atrelado ao ócio.

94 Conforme veremos adiante, no próximo capítulo do livro, tal comportamento de refinado cerimonialismo

Desse modo, munidos das habituações cognitivas e comportamentais, os indivíduos atrelariam valores morais às suas atividades laborais. Cada vez mais, o senso comum converge para a nobreza do ócio e o demérito do trabalho. E, como Veblen ([1899] 2009, 30) destaca, conforme este pensamento é institucionalizado, a abstenção produtiva ganha conotação ainda mais conspícua:

Conspicuous abstention from labor therefore becomes the conventional mark of superior pecuniary achievement and the conventional index of reputability; and conversely, since application to productive labor is a mark of poverty and subjection, it becomes inconsistent with a reputable standing in the community‖.

Veblen ainda pontua que há diferenciação entre o ócio nos estágios predatórios da sociedade e o ócio como é executado em seu tempo. Essa diferenciação se explica através das distinções produtivas e culturais da sociedade. Segundo Veblen, em um primeiro momento, a diferenciação entre trabalho produtivo e o ócio era meramente cerimonial. Conforme visto, este cerimonialismo baseava-se na necessidade de proeza como obtentora de honra, em atividades específicas. Já com o advento da manufatura, indústria e atividades comerciais, o ócio apresenta-se em conotação diferente, pautada na isenção conspícua de qualquer tipo de atividade produtiva. Veblen ainda pontua a esta nova característica ociosa como não só honorífica e de evidência de mérito, mas também de decência. Na medida em que além de expressar riqueza, também convenciona-se como um padrão social de classe. Este padrão social almejado pela classe ociosa é, segundo Veblen, destacado pela característica de consumo não produtivo do tempo. Porém, Veblen salienta que esse ócio não conota indolência ou quiescência.

Através de um comportamento de emulação conspícua constante, a acumulação torna- se intensa e recorrente por parte das classes abastadas, muitas vezes ocasionando o acúmulo através de gerações e, por consequência, também concedendo proeza e honra ao longo desse tempo à sua unidade familiar. Com base nessa observação, Veblen comenta a institucionalização da criação de insígnias e brasões familiares, visando a marcação dos feitos e proezas de diferentes pessoas e gerações ao longo da história. Desse modo conferindo o caráter honorífico como um feito histórico extra na ascendência e descendência da família.

Sendo assim, o compartilhamento consanguíneo e matrimonial da honra também apresenta papel de destaque na obra de Veblen. Conforme visto anteriormente, para que pudesse se efetivar o caráter emulativo da pecuniaridade, fora necessária a instituição da propriedade privada. Sendo que, em sua origem, a propriedade privada fora constituída

majoritariamente pela posse de mulheres por parte de homens. Desse modo, também conforme visto anteriormente, o casamento fora instituído como contrato de propriedade por parte do homem, como troféu de determinada façanha. O atributo novo a retomar esta questão, repousa sobre o caráter vicário relacionado ao ócio dessa mulher que agora está vinculada ao nobre. Dada à tamanha relevância deste fenômeno, Veblen dedica atenção e nova observação de algumas características atreladas ao mesmo.

De acordo com Veblen, o ato de dominar e possuir pessoas está aparentemente ligado a: (i) uma propensão por dominância e coerção; (ii) a utilidade desses ―ativos‖ como evidência de proeza; e, (iii) a utilidade dos serviços desemprenhados por essas ―propriedades‖. Sendo assim, como bem destaca Veblen ([1899] 2009, 39): “Women and other slaves are highly valued, both as an evidence of wealth and as means of accumulating wealth”. Porém, conforme a lógica emulativa ganha novas conotações através do ócio conspícuo, estas propriedades também começam a apresentar variações em suas utilizações. Exatamente neste contexto surge a possibilidade da formação familiar conforme vislumbrada pela sociedade industrial patriarcal. Conforme o casamento institucionaliza-se em uma sociedade de propriedade privada individual, as características de honra e nobreza passam a se valer do conjunto familiar como um todo. Afinal, os feitos honoríficos e de proeza passam a serem transmitidos através dos princípios familiares. Sendo assim, a ociosidade e a superioridade da honra, passam a ser também características das mulheres que, ainda como submissas, ficam impostas a responsabilidade dos deveres e tarefas da manutenção do lar. Sobre este elemento, Veblen ainda comenta mais uma característica associada ao ócio conspícuo que, cada vez mais, conta com serviços especializados e personalizados.

Esta característica servil, pessoal e especializada, potencializa a utilização do ócio vicário como elemento de emulação. Afinal, como Veblen ([1899] 2009, 41) destaca, “[t]hese specialized servants are useful more for show than for service actually performed”, haja vista que suas funções na, maioria das vezes, estão relacionadas a disponibilidade de tempo e abstenção do trabalho verdadeiramente produtivo. Desse modo, o ócio vicário toma proporções significativas, na medida em que propõe-se como a capacidade de dispêndio pecuniário em prol da ociosidade alheia. Esse ócio vicário, conforme desenha-se nos anais da história pela perspectiva vebleniana, é desempenhado majoritariamente pelas mulheres responsáveis pelos seus respectivos lares; as donas de casa.

Segundo o autor, o papel das donas de casa também passou por mutações originárias das mudanças da realidade material e produtiva da sociedade. Conforme se ascende à sociedade moderna, as donas de casa que antes eram sobrecarregadas pelas tarefas hodiernas

de seus lares, agora têm a função de gerenciamento dos demais empregados, imputando características ociosas ainda mais presentes e significativas. Na perspectiva de Veblen, essa alteração teria dado origem à formação familiar de estilo patriarcal, como aquela vislumbrada pelo autor em seu tempo. Sendo que, em consequência última, teria a característica de concessão de honra e reputabilidade ao grande mantenedor dos envolvidos e das atividades conspicuamente utilizadas à seu deleite como chefe da família.

Em tom de finalização, Veblen ainda tece comentários a respeito da distinção entre o ócio próprio da classe ociosa, e o ócio executado de forma vicária. Segundo o autor, a classe ociosa pratica sua desconexão com atividades laborais visando à ostentação e evitando a indulgência do trabalho em prol de sua reputação pessoal. Já aqueles que praticam o ócio vicário, não o fazem pelo seu próprio conforto, mas sim o tomam como elemento de performance para seu empregador e/ou chefe de família.

Sendo assim, uma classe ociosa que, como seu nome indica, apresenta-se desconexa de atividades laborais produtivas, tem em seu cerne os objetivos de emulação pecuniária. Afinal, os desdobramentos históricos através da ascensão da sociedade de propriedade privada individual, fez com que cada vez mais convergissem as associações de riqueza material, honra e proeza. A característica ociosa adquire conotação ainda mais substancial por parte desta classe, conforme institucionalizam-se os pensamentos de honra e dignidade relacionados à abstenção laboral. Concomitantemente, aqueles relacionados diretamente aos detentores de honraria, passam a também emular um comportamento ocioso, o ócio vicário.