• Nenhum resultado encontrado

2. BIOGRAFIA, CONTEXTO E INFLUÊNCIAS

2.2. VEBLEN E A ECONOMIA DE SUA ÉPOCA: POR QUE A ECONOMIA NÃO É

2.2.4. O Processo de Evolução Institucional

Ao entender a composição e a atuação dos diferentes elementos da teoria vebleniana, pôde-se melhor compreender o elemento institucional por trás da característica evolucionária, assim como almejado por Veblen. De maneira sucinta, pudemos observar que os elementos teóricos veblenianos apresentam diferentes arranjos de possibilidade em relação a suas criações, mutações, adaptações e perpetuações. Esses fatores, na perspectiva darwiniana, representariam o processo evolucionário e, conforme se fez objetivo neste capítulo, tal perspectiva mostra-se intimamente ligada aos elementos teóricos de Thorstein Veblen. Porém, ao buscar clarificar a via pela qual o processo evolucionário ocorre na teoria vebleniana, observa-se ainda necessidade de algumas considerações adicionais.

Primeiramente, cabe salientar que, conforme já mencionado no item anterior, os elementos instintivos, habituais e institucionais apresentam características que lhes conferem diferença quanto à composição e à atuação. Essas diferenças, por sua vez, acarretam em díspares frequências do processo evolucionário. Possivelmente, pode-se comentar a essas diferenças como resultantes dos diferentes níveis de dinamismo e maleabilidade dos elementos teóricos-analíticos de Veblen.

Em um nível mais estático estariam os instintos, tendo sido criados e emergido em períodos remotos da civilização humana (Veblen [1914] 2018). Atuavam, inicialmente, como formas habituais. No entanto, indivíduos portadores dessas características habituais foram capazes de se adaptarem e superarem a períodos de específicas dificuldades para a espécie humana. Desse modo, essas características habituais foram perpetuadas e arraigadas profundamente no comportamento humano, caracterizando-as de forma instintiva. Sobre a mutação destes elementos instintivos, conforme também pudemos observar anteriormente, nota-se a capacidade e até mesmo o caráter complementar da mutação. Afinal, a combinação e sobreposição dos instintos pode se fazer viável e, até mesmo, desejável em determinados cenários (Veblen [1914] 2018).

Em um nível mais dinâmico e ―maleável‖ do processo evolucionário estariam os hábitos e as instituições. Sabido que os hábitos de vida guiam os hábitos de pensamento, nota- se o relevante papel da realidade material no condicionamento do pensamento humano (Veblen [1906] 1919). Logo, pode-se observar que esse caráter de dinamismo no processo evolucionário dos hábitos e das instituições está relacionado às diferentes realidades apresentáveis em períodos relativamente curtos de tempo (Veblen, [1906] 1919; [1899] 2009). Ou seja, na perspectiva evolucionária, essa característica dinâmica está associada à velocidade em que as mudanças ocorrem. E, a nível habitual e institucional, elas são corriqueira e visivelmente muito mais expostas a mudanças do que os já tratados instintos, dadas as rápidas mudanças nos cenários materiais – e por consequência na vida – dos indivíduos, relativamente ao tempo de retenção biológico para fixação de uma característica74.

Desse modo, não se trata de um processo evolucionário díspare dos instintos em relação aos hábitos e às instituições, mas sim uma diferença na frequência e velocidade de ciclo promovedor de mutação, adaptação e perpetuação. Afinal, conforme a frequência em que os hábitos e as instituições são expostos a ―provas‖ e necessidades adaptativas, dados os elementos de seleção no meio material (vida), mais propensos a mutações e adaptações eles estarão sujeitos. Após apresentarem-se (ou não) aptos ao novo cenário, estes seriam (ou não) perpetuados.

Exatamente através desta perspectiva, pode-se observar o argumento vebleniano de que os instintos não seriam resultados de elementos da vida presente dos indivíduos, mas apresentar-se-iam como advindos de tempos remotos, encrustados ao longo de períodos extensos de utilização como viabilizadores da perpetuação dos indivíduos que os possuíam

74 Sendo assim, cuidado deve ser tomado no desenvolvimento de analogias entre o tempo do processo evolutivo

(Veblen [1914] 2018). E, pela mesma característica, para que estes pudessem ser alterados, ou então, para que novos instintos emergissem, seria necessário outro longo processo temporal de fixação e, portanto, determinação de sua perpetuação. Sendo assim, nota-se a necessidade de ciclos evolucionários de longo prazo. Contrariamente aos instintos, os hábitos e as instituições apresentariam possibilidades adaptativas em períodos menores de tempo devido a suas características e demandas do dia-a-dia. Sendo assim, a revisão habitual e institucional apresenta-se em ciclos evolucionários temporalmente menores e, por consequência, relativamente mais frequentes do que em relação aos instintos.

Tal perspectiva evolucionária dos elementos veblenianos garante que possamos de maneira mais adequada vislumbrar as diferentes capacidades adaptativas do ser humano. Em uma ótica de necessidades e impulsos de comportamentos finais, observa-se nos indivíduos uma lenta mudança ao longo da história, como Veblen bem comenta em sua leitura antropológica do surgimento da classe ociosa (Veblen [1899] 2009). Já em termos convencionais, culturais e, por tanto, habituais e institucionais, observa-se ciclos de mudança muito mais corriqueiros. Desse modo, é possível observarmos consideráveis diferenças entre os cerimonialismos dos indivíduos da sociedade bárbara e da sociedade vitoriana, mesmo que em ambos os períodos almejassem a finalidade do comportamento pecuniário. Por mais que o fim seja o mesmo, o modo de execução e demonstração desta habilidade apresenta características diferentes, devido as diferentes realidades materiais de cada um dos períodos, e por consequência, os diferentes hábitos originários de cada época. Desse modo, temporalmente, podemos observar que um indivíduo apresenta a capacidade de absorver diferentes formas habituais e institucionais dentro do período de sua vida. Porém, este mesmo indivíduo, não estará apto a executar mudanças instintivas de seu comportamento, sendo necessário, muito provavelmente, um intervalo temporal de várias gerações para a viabilização de alteração instintiva75.

Destaca-se que o processo evolucionário a nível institucional não apresenta uma característica de exclusão das características anteriores. Pelo contrário, conforme a lógica evolutiva mostra-se presente nos hábitos e instituições, é possível notar traços correspondentes a períodos anteriores, mesmo que como uma unidade esses elementos sejam diferentes. Ou seja, assim como Veblen (1898) já nos antecipara, o processo institucional- evolucionário se dá através de causações cumulativas. Através destas causações cumulativas,

75 Essa mudança instintiva não só demanda várias gerações temporalmente, mas também demanda importância e

mutações ocorrem gerando variabilidade nos elementos institucionais e, justamente através da variabilidade, torna-se possível o processo evolucionário através da seleção.

Conforme Cavalieri (2009) e Hodgson (2004) salientam, numa perspectiva institucional-evolucionária, é exatamente a característica de mutação que possibilita a seleção via variedade de hábitos e, por tanto, possibilita o processo evolucionário a nível institucional. Afinal, assim como na perspectiva biológica darwiniana, a variedade é atributo fundamental de seleção e evolução (Darwin [1859] 2014). Neste ponto, somos levados a retomar uma das inquietações introdutórias. Afinal, a via pela qual o processo evolucionário ocorre seria deliberada ou não, e como esse aspecto caracteriza a evolução na perspectiva vebleniana? Sobre isso, Cavalieri (2009) destaca que à nível instintivo as mutações podem ser vislumbradas como aleatórias, assim como na perspectiva Darwiniana da biologia, porém, conforme essas características vão assumindo um nível de mutação sociocultural, observa-se uma elevação no grau de deliberação sobre os elementos mutáveis do processo evolucionário. Destaca-se que esse aumento no grau de deliberação é fruto de uma pequena diferenciação no condicionamento variante da seleção. Enquanto no nível instintivo o indivíduo responde somente a um fator natural, a nível sociocultural este indivíduo estaria respondendo a dois fatores, natural e social, sendo este segundo fator deliberável.

Dada esta característica do processo institucional-evolucionário algumas interpretações mostram-se possíveis. Cavalieri (2009) apresenta um contraponto a Rutherford (1998) e Hodgson (2004) quando estes dois últimos tecem comentários a respeito do processo evolucionário não se dar de maneira clara na teoria vebleniana. Segundo Cavalieri (2009) ambos os autores estavam presos em uma expectativa de aplicação genérica e universal da característica evolucionária da teoria de Veblen, quando na verdade a proposta do autor se constituiria pela diversidade de possibilidades deste processo. Nas palavras de Cavalieri (2009, p. 325):

[...] Instintos, hábitos, instituições estão sempre presentes, assim como a necessidade de se colocar formas de variação e mecanismos de seleção em cada explicação. protocolo de pesquisa de Veblen, assim sendo, permite que se desvendem os mais diversos mecanismos de seleção, o que se coaduna sobremaneira com a riqueza institucional que o iniciador do institucionalismo norte-americano dizia ser a característica da vida histórico-sócio-cultural.

Sendo assim, observa-se que o processo de evolução institucional está intimamente ligado a um complexo arcabouço teórico, bem como à uma vasta noção da perspectiva darwiniana. Este arcabouço teórico, por sua vez, parece ter sido deliberadamente deixado em

aberto por Veblen, principalmente visando à viabilidade dos estudos humanos e sociais em seus mais diversos níveis e possibilidades (Cavalieri 2009).

Tal perspectiva evolucionária se fará presente novamente nas duas obras de Veblen que no capítulo 4 serão tratadas. Lá, munidos de argumentos e anseios específicos do autor poderemos melhor trabalhar e entender sua perspectiva evolutiva em torno das instituições, principalmente clarificando ideias a respeito de como este processo ocorre. Porém, antes de se aprofundar os entendimentos sobre as contribuições selecionadas de Veblen, é prudente que primeiramente dedique-se atenção às críticas que o autor estabeleceu sobre a economia de sua época, tendo em vista sua proposta e abordagem teórica pautada em uma ciência evolucionária.

3. A ECONOMIA PÓS-DARWINIANA E SUAS CRÍTICAS: A LEITURA DE