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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.10. Modern survivals of prowess

Conforme Veblen salienta nos capítulos iniciais da obra, o período bárbaro da construção social foi definitivamente importante na composição dos hábitos de pensamento e na fixação de importantes instintos para os seres humanos. A nova lógica de organização pautada no comportamento predatório de emulação pecuniária e exibição de feitos, fez com que a apresentação de proezas se destacasse como elemento fundamental na construção dos status dos indivíduos em seus posicionamentos na sociedade. Com esta perspectiva em mente, e tendo visto e entendido o avanço histórico da humanidade como um processo de causação cumulativa, Veblen nos leva à reflexão de quais seriam os elementos modernos que teriam sobrevivido como feitos de proeza. Afinal, conforme visto até aqui, se o direcionamento do comportamento bárbaro na sociedade moderna industrial permanece através de características comportamentais, principalmente através da conspicuidade do consumo do tempo e de bens, então, como se vislumbrariam as proezas nesta nova perspectiva socioeconômica?

Visando responder a esta inquietação, Veblen salienta a sempre presente inclinação à guerra no comportamento das sociedades em seus diferentes tempos e realidades. No caso moderno, não nota-se divergências neste aspecto, apenas retificações em seu sentido e finalidade. Sendo assim, Veblen pontua que a propensão à guerra, presente como forte sentimento honorífico no comportamento humano, pode ser identificado como uma característica moderna de sobrevivência do apreço à proeza humana; conquista, morte e demonstração de força, assim como em seus estágios bárbaros. Apesar de ser uma característica presente na generalidade do ser humano, Veblen destaca que este sentimento apresenta-se muito mais fortificado e presente nos indivíduos componentes das classes

superiores, principalmente a aqueles que apresentam a ociosidade como atributo hereditário. Conforme se fará evidente no decorrer da descrição deste capítulo, ficará clara a percepção de Veblen de que as diferentes classes sociais apresentam diferentes temperamentos no que se refere à execução de proeza.

Conforme a civilização adentra na lógica industrial de consumo e produção, as antigas perspectivas de guerra demonstram-se obsoletas em seu caráter de conquista e demonstração de poder. Afinal, esses feitos são possíveis agora em diferentes formas e possibilidades devido às diversas diferenciações materiais ocorridas na sociedade. Sendo assim, suas atribuições predatórias oriundas do período bárbaro, são direcionadas cada vez mais a atividades menos pitorescas, buscando a normalização e institucionalização de novos comportamentos que correspondem com os anseios e perspectivas da sociedade industrial moderna. Como o processo de mudança se dá de forma transitória, é possível verificar atributos culturais que se deram de forma parcialmente modificadas. Um dos exemplos utilizados por Veblen é a substituição ou ressignificação das inclinações de guerra através dos duelos entre senhores para resolução de desavenças e apresentação de honraria através de um feito de proeza.

Outro comentário de Veblen a respeito deste período transitório é a observação de que conforme os indivíduos vão adquirindo novas habituações regentes de seu comportamento, os impulsos mais arcaicos de traços instintivos, como por exemplo, essa tendência à barbárie e à agressividade, mostram-se melhor controlados. Porém, mesmo melhor controlados, ainda mostram-se existentes e aptos a aflorarem em situações e cenários específicos. Um destes cenários, segundo Veblen, pode ser ilustrado naqueles indivíduos que, sob influência alcoólica ou de outro narcótico, apresentam uma elevação em seus comportamentos e pensamentos agressivos em relação a aquilo que os cercam, sempre com o propósito à demonstração da proeza e do feito. Veblen pontua que por estarem menos aptos a distinguirem habitualmente suas ações – devido aos efeitos da droga em questão – estes indivíduos estariam mais suscetíveis a representarem aqueles comportamentos que estariam mais enraizados em seu temperamento, como por exemplo, a tendência à agressividade e a demonstração de habilidade à proeza107.

Conforme a caracterização antropológica descrita por Veblen, nota-se que houveram significativas distinções na formação da sociedade. Diferentes indivíduos, devido às suas

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Importante notar que, mesmo sem fazer menção direta a atributos neurológicos e/ou psicológicos nesta passagem, Veblen pauta-se fortemente em atributos desta natureza para justificar seu argumento.

diferentes características, compunham diferentes estratos e funções. Em um primeiro momento, a distinção principal dava-se pelo gênero do indivíduo que, conforme visto destinava-se na diferença de atribuições produtivas e de status na sociedade. Em um segundo momento, as distinções passam a se dar não só pelo gênero, mas também pelas caracterizações de classe social, principalmente devido à ascensão da instituição da propriedade privada e da apresentação de feitos individuais em prol de emulação ao grupo. Sendo assim, haja vista as diferentes imputações de comportamentos predatórios, Veblen argumenta que estes reflexos também teriam seus resultantes de modo diferenciado na sociedade contemporânea. Devido a estas diferenciações, segundo o autor, tanto os homens quanto as classes sociais superiores pautadas na hereditariedade, apresentariam comportamentos mais atrelados aos feitos predatórios e à necessidade de demonstração de poder e proeza, em relação aos demais membros da sociedade.

Com base neste argumento, Veblen pontua o comportamento dos homens a uma inclinação à agressividade que, segundo o autor, pode ser percebida já em seus anos de juventude. Devido a esta característica, os meninos apresentariam comportamentos mais agressivos passíveis de resolução de conflitos através de enfrentamentos físicos. Em mesmo sentido, tem através de sua força e capacidade de luta, elementos de proeza e feitoria. Contrariamente, as meninas, devido às características e condições de desenvolvimento histórico e antropológico, apresentariam comportamento menos inclinados à violência física. Afinal, através da formação bárbara da sociedade e da institucionalização da lógica patriarcal da sociedade, as meninas apresentariam ausência considerável dos traços predatórios de comportamento. Já no caso das diferenciações entre classes sociais, Veblen atribui às classes sociais mais elevadas uma maior inclinação e possibilidade ao desempenho de esportes que, em sua essência, seriam o desdobramento do sentimento de proeza. Em mesma medida, conforme visto no capítulo anterior desta obra, cabe também a classes superiores o desempenho de atividades gerenciais e competitivas na indústria que, recorrentemente, apresentam atributos predatórios de resolução.

Veblen cede espaço considerável de suas considerações sobre os sobreviventes modernos da proeza abordando os esportes e suas importâncias na sociedade moderna. Segundo autor, a prática de esportes seria uma resposta moderna ao impulso de demonstração de proeza e capacidade de feitorias. Sendo assim, segundo o autor, os esportistas estariam atuando no direcionamento e emulação de seu comportamento visando a demonstração de proeza em sociedade; mostrando-se o melhor e o mais apto para com uma atividade não vinculada a finalidade industrial e sem vinculação útil aparente. Sobre este último ponto,

Veblen comenta a capacidade humana em atrelar-se ao ―faz de conta‖ quando tem como objetivo a justificação dos esportes. Sendo assim, finalidades institucionalizadas pelos indivíduos justificam o desenvolvimento dos esportes em suas justificativas e necessidades. Segundo Veblen, este atributo faz-se presente no comportamento humano devido ao desconforto costumeiramente gerado pelo instinto de trabalho eficiente frente a atividades fúteis. Sobre isso, Veblen ([1899] 2009, 176) comenta que “[t]he emulative predatory impulse – or the instinct of sportsmanship, as it might well be called – is essentially unstable in comparison with the primordial instinct of workmanship”. Segundo o autor, essa necessidade de uma justificativa no direcionamento de esforços fúteis – como no esporte, por exemplo – é não só necessária de ser feita, como também delata o desconforto de seu reconhecimento. Segundo Veblen, esta perspectiva faz com que a sociedade gere em sua consciência um juízo de valor a respeito do direcionamento desta característica primitiva dos indivíduos que, mesmo delatando o utilização de um ócio conspícuo, não justifica-se em ganho pecuniário de emulação.

Finalizando suas considerações sobre os sobreviventes modernos da proeza, Veblen destaca que este tipo de alteração sucede-se, conforme já visto, de acordo com as diferentes condições e necessidades da organização social. Conforme as guerras e demais demonstrações primitivas de proeza mostram-se obsoletas e infundadas para a ―civilidade‖ contemporânea, novas formas de demonstração são necessárias. Segundo o autor, estas novas formas de proeza pautam-se cada vez mais nos atributos pecuniários de emulação e projeção socioeconômica. Por este motivo, Veblen atribui a manifestação das proezas numa perspectiva moderna a duas principais direções: a força e a fraude. Sendo a primeira ainda um resquício primitivo da demonstração de poder e honraria, e a segunda uma modificação adaptativa às novas demandas do mundo industrial moderno. Afinal, a proeza tem a finalidade de demonstrar capacidade de superação e destaque frente a determinado obstáculo ou desafio. Vivendo em um mundo de comparativos, status e projeção emulativa de riqueza e poder, a fraude se faz grande ferramenta de proeza.