• Nenhum resultado encontrado

4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.11. The belief in luck

Fazendo gancho ao capítulo anterior em que abordava sobreviventes modernos da proeza, Veblen delata como uma subsidiária do comportamento bárbaro a propensão à jogatina e apostas. Segundo o autor, assim como a propensão à guerra e aos comportamentos

esportivos, essa propensão estaria fortemente enraizada nos indivíduos através de traços antigos do comportamento e da psique humana. Porém, diferentemente dos esportes e da guerra, a propensão aos jogos estaria fortemente associada à crença na sorte. Sendo assim, Veblen observa a essa propensão que, na perspectiva do autor trata-se de uma habituação, como um elemento importante em se melhor entender. Afinal, as percepções dos indivíduos sobre si mesmos e sobre o espaço em que vivem, são atributo fundamental para entender os fenômenos sociais e econômicos. No caso da abordagem Vebleniana, por óbvio, a crença na sorte não fica atrelada somente à característica de jogo e apostas conforme apontando anteriormente, mas sim tem nesses o seu principal afloramento e desencadeamento.

Segundo Veblen, a crença na sorte representa um hábito arcaico pertencente aos estágios iniciais da composição da natureza humana. Trata-se de um elemento habitual que antecede à cultura bárbara e a ascensão do comportamento predatório. Porém, mesmo tendo antecedido ao principal período de formatação habitual dos indivíduos, Veblen comenta que a crença na sorte teve sua fortificação e, por tanto, adaptação seletiva, garantida pelos elementos de emulação pecuniária. Segundo o autor, essa constatação justifica-se pela característica na qual os indivíduos vislumbrariam os fatores atrelados ao sucesso, tendo em mente dois elementos psicológicos em suas percepções: o animismo e a teleologia.

Em seus desdobramentos iniciais, os hábitos de pensamentos atrelados à crença na sorte levaram os indivíduos a desenvolverem uma forma mais primitiva (arcaica) sobre esta percepção, principalmente no desenvolvimento de uma lógica animista de crença. Sendo assim, os objetos, ambientes e destino passam a apresentar, em maior ou em menor grau, uma ―quase-espiritual‖ individualidade em seu contexto. Em mesmo sentido, a característica teleológica atrelada a essa crença na sorte, faz com que a percepção animista seja vislumbrada como direcionada a determinado fim. Como a crença dos indivíduos pauta-se na sorte, este fim teleológico na qual as coisas se voltariam, seria de sucesso e ganho.

Conforme a crença na sorte adentra na complexidade habitual dos seres humanos, seus comportamentos passam a, cada vez mais, apresentar viés de cunho metafísico na exposição dos motivos pelos quais acreditam na existência desta sorte. Conforme as religiões, por exemplo, passam a apresentar papel de destaque na exposição dos significados da vida, cada vez mais a crença na sorte passa a apresentar facetas antropomórficas. Em mesmo sentido, percepções de destino passam a ser tratadas, principalmente, como resultante da mescla entre a crença na sorte e a crença metafísica. Sendo assim, Veblen delata que uma das principais fomentadoras das perspectivas de sorte e destino na psique humana até a então, seria justamente as perspectivas e intenções religiosas em explicar e justificar aos fenômenos da

vida. Mais do que nunca, então, a crença na fé passa a ser entendida através de características sobrenaturais, sem necessidade de justificativa branda ou causal.

Desse modo, pode-se observar que a crença na sorte não apresenta-se mais como uma unidade na complexa rede de pensamentos dos indivíduos, mas sim destaca-se pela sua inter- relação com diversos hábitos de pensamento que vem a ser emergidos e emancipados com o passar do tempo, com o desenvolvimento das culturas e suas peculiaridades. Exatamente neste sentido, a fé religiosa passa a apresentar-se como convergente às perspectivas de sorte, principalmente através das já comentadas noções animistas e teleológicas.

Conforme as noções animistas atreladas à fé religiosa e à crença na sorte emergem, diferenciações no como se vislumbrar o processo industrial também surgem. Conforme já comentado por Veblen anteriormente, para que os indivíduos estejam aptos a entenderem e desempenharem suas funções em êxito e completude no novo sistema econômico industrial, é necessário que estes compreendam os processos de cumulatividade que culminam em um produto final. Essa percepção da lógica processual é necessária não só pra entender o processo industrial no qual o indivíduo está inserido, mas também para que se possa entender em completo o processo pelo qual as mudanças ocorrem; tanto na atividade industrial, quanto na vida. Sobre este ponto, Veblen argumenta que a característica animista da crença na sorte atua como uma cegueira processual, principalmente na medida que mescla-se com a fé religiosa. Afinal, segundo Veblen, a capacidade de perceber o processo acima descrito, culminaria como a ―inteligência‖ necessária para o indivíduo que neste sistema está inserido. Porém, conforme este cede à cegueira processual do animismo, há uma redução nesta ―inteligência‖ extremamente necessária ao mesmo. Ou, nas palavras de Veblen ([1899] 2009, 187): ―the immediate, direct of the animistic habit of thought upon the general frame of mind of the believer goes in the direction of lowering his effective intelligence in the respect in which intelligence is of especial consequence for modern industry”.

Ademais, Veblen comenta ainda duas consequências industriais diretas da existência destes hábitos animistas na economia. A primeira delas é a de que a identificação desta característica serve como prova bastante consistente na suspeita de que existem ainda outros traços arcaicos implicando as consequências econômicas hodiernas. A segunda refere-se às implicações materiais das consequências animistas no desenvolvimento de ideias antropomórficas, pois estas implicariam: (a) afetar o consumo da comunidade, bem como viria a direcionar as regras de gostos e, (b) induziria e conservaria o reconhecimento habitual em relação à aquilo que é superior, alterando os sensos de status e elegância. Ainda sobre a segunda consequência, Veblen salienta que a cumulatividade de características predatórias

durante o período bárbaro fez com que se elevassem as correlações entre o antropomorfismo e a noção de proeza. Afinal, através desta perspectiva, o desempenho de atividades associadas à proeza seria o resultado de reconhecimento e benção divina; assumindo o papel de sorte. Sendo assim, segundo Veblen, os cultos antropomórficos atuariam como conservadores, ou então como iniciadores dos hábitos de pensamento voltados ao regime de status como descrito até aqui.

Sendo assim, o objetivo de Veblen neste capítulo de sua obra é o de delatar a crença na sorte como um desdobramento habitual arcaico. Este desdobramento, no cerne do comportamento dos indivíduos, estaria diretamente relacionado com uma perspectiva animista de direcionamento e reconhecimento espiritual (ou de consciência) para todos os objetos em seus contextos. Tal perspectiva posta em amadurecimento e em contexto cultural e econômico voltado ao regime de emulação pecuniária, torna os indivíduos ainda mais propensos às habituações ali instituídas, tanto pelas suas materialidade quanto pela sua legitimação através daqueles que como exemplo são vislumbrados108. Concomitantemente, as perspectivas religiosas atrelam-se a essa característica animista através da visão antropomórfica dos desdobramentos históricos e morais concernentes aos indivíduos.

Com esta conclusão, Veblen deixa aberto o entendimento para o papel e as implicações das atividades devotas no sentido antropomórfico e religioso. Afinal, conforme visto até aqui, nota-se que essa característica acompanhou aos indivíduos durante sua formação como sociedade. Sobre este tema, Veblen dedica o desenvolvimento do próximo capítulo.