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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.12. Devout observances

Conforme visto, segundo a perspectiva de Veblen, os traços arcaicos de desenvolvimento animista tiveram e, de certo modo ainda têm contemporaneamente ao autor, grande relevância nas perspectivas e vivências dos seres humanos. Apesar de tratar-se de um traço antigo na formação psicológica e comportamental dos indivíduos, Veblen apresenta-o como fundamental viabilizador das emergências antropomórficas oriundas da sociedade bárbara. Sendo assim, Veblen assume a intensificação dos comportamentos atrelados a cultos e devoções a partir deste período, não só como reflexo de um temperamento animista anterior a esta Era, mas também como um direcionador de novos hábitos que ali apresentavam-se em

108 Aqui salienta-se, mais uma vez, o importante papel que o clérigo desempenhou na construção da sociedade

formação. Tal reconhecimento faz com que Veblen volte-se a entender melhor as características e consequências do comportamento devoto, assim como seus impactos no sistema econômico industrial, conforme perspectiva desenhada pelo autor. Possivelmente sabendo tratar-se de um assunto delicado em seu tempo e lugar, Veblen inicia este capítulo destacando que não trata-se de um julgamento moral a respeito dos comportamentos devotos e antropomórficos, mas sim uma curiosidade concernente aos propósitos de seu estudo; entendimento de uma sociedade estratificada em classes sociais e pautada na emulação pecuniária.

A justificativa acima tecida por Veblen apresenta-se em forte convergência com aquilo que até aqui vem sendo apresentado. Afinal, como o próprio autor bem comenta na sequência de sua explanação, nota-se que a valoração econômica pauta-se no interesse pecuniário. Este interesse pecuniário, por sua vez, está diretamente relacionado com variáveis de cunho extra- econômico. Com este argumento, Veblen soma a sua prévia defesa de que entender os comportamentos devotos e antropomórficos antecede qualquer juízo moral, pois tratam-se de características psicológicas e comportamentais de elevada importância no entendimento da tomada de decisão dos indivíduos em uma economia capitalista.

Conforme visto anteriormente, a tendência a uma percepção animista de mundo, em seu caráter arcaico e enraizado, teceu os ideários da comunidade bárbara na direção de criação, ou então manutenção, de perspectivas antropomórficas da vida e sua realidade. Através do compartilhamento e generalização destes hábitos de pensamento, a sociedade de características precatórias vislumbrou o advento de novas perspectivas não só em relação a seu passado, mas também em relação ao seu futuro. No caso melhor tratado por Veblen em sua obra, nota-se o já comentado viés na crença da sorte quando o animismo combustível do antropomorfismo, funde-se às perspectivas teleológicas de finalidade religiosa. Logo, segundo Veblen, é possível notar que nas comunidades compartilhadoras desses ideais, emergem fortes perspectivas voltadas a superstições e variadas formas de fé. Essas diferentes e variadas formas, apesar de apresentarem diferenciações em suas regras e anseios, partilham da característica comum de devoção e submissão. Por sua vez, a devoção e a submissão mostram-se recorrentemente atreladas às características de manutenção de status quando, segundo Veblen, fazem parte da propaganda religiosa.

Sobre este ponto, Veblen é enfático ao argumentar que as instituições de objetivo devoto atuam em seu reforço ao culto antropomórfico através da fé, e também através das práticas emulativas de comportamento. Um dos exemplos cedidos por Veblen neste reforço de institucionalização seria o de justamente atrelarem jovens como pontes disseminadoras de

seus ideais, tornando orgânica a perspectiva emulativa acima descrita através da propaganda de devoção. Logo, Veblen argumenta que não só há o traço animista (arcaico) na manutenção daqueles elementos de matriz antropomórfica, como também a deliberada emulação do comportamento em suas características religiosas. Exatamente através desta mescla entre o animismo e a emulação, Veblen traça seu comparativo entre o temperamento daqueles que praticam esportes como um traço arcaico de proeza, com aqueles que praticam cultos antropomórficos como emulação proveniente de um anseio de status. Esta comparação surge, pois segundo Veblen, nota-se que aqueles que desempenham comportamentos sobreviventes modernos de proeza também são constantemente inclinados a comportamentos de devoção. Ou seja, segundo o autor, é possível identificar uma convergência entre ambas as características, ou então, entre ambos os grupos de indivíduos; religiosos e executores de proezas modernas. Abaixo, o quadro 7 auxilia no melhor entendimento desta convergência.

Quadro 7 – Religião e proezas modernas: as relações na perspectiva vebleniana

RELIGIOSOS EXECUTORES DE PROEZAS MODERNAS TELEOLOGIA  Observação de uma finalidade nos acontecimentos da vida através de uma perspectiva de Deus.

 Os fins justificam os meios

 Fé de que os (resultados) fins já estão determinados.  Os feitos sempre corroboram o status. ANIMISMO

 Todas as formas materiais respondem a um ser superior e criador*.

 Tudo converge para a execução ou não de certa proeza*.

ANTROPOFORMISMO

 Crença em uma religião  Crença na benevolência do destino (benção) e na sorte.

Elaboração própria.

*O animismo é parte intrínseca do antropomorfismo. No segundo capítulo de The Instinct of Workmanship and

the State of Industrial Arts, Veblen apresenta o animismo como uma forma arcaica de antropomorfismo.

Desse modo, nota-se os hábitos de pensamento atrelados à devoção apresentam elevada importância no formação do esquema de vida dos indivíduos, não só em sua trajetória história, mas até o estilo de vida na contemporâneo a Veblen. Sendo assim, Veblen destaca a

existência de forte relação entre o regime de status presente na sociedade a sua relação com a subserviência pessoal, fomentada e gerenciada pelas suas características antropomórficas. Em outras palavras, mais uma vez Veblen destaca o papel de grande importância dada à religião na formação moderna das sociedades. Essa importância – vale lembrar – se dá em frequência, recorrência e abrangência na vida dos indivíduos. Afinal, conforme o próprio Veblen destaca, a relação devota que os indivíduos apresentam, rege em grande parte o comportamento destes em sua realidade econômica, tanto consumindo bens quanto desempenhando (ou deixando de desempenhar) atividades.

Frente a delação de Veblen sobre a importância comportamental cedida às atividades devotas no esquema de status e emulação, o autor comenta ainda outras características de correlação. Segundo Veblen, a importância dos comportamentos devotos atuam como um importante índice no cenário econômicos, pois representam uma relevância de temperamento relacionados a hábitos predatórios de pensamento e que, consequentemente, estão diretamente atrelados ao regime de manutenção de status como visto até aqui. Além do mais, conforme também anteriormente comentado, grande parte dos elementos distributivos e de consumo são definidos através das atividades devotas, principalmente através dos artigos voltados ao que Veblen chama de ―parafernália cerimonial‖109

. Sendo assim, a convergência entre os anseios de comportamentos devotos com o regime de status faz com que os primeiros sejam também considerados como elementos conservadores às mudanças e atualizações necessárias à organização industrial. Paralelo pode ser traçado em relação a já comentada classe ociosa que, devido a desconexão com a realidade industrial hodierna, atua como conservadora (retardante) de atualizações institucionais daqueles atuantes na base da sociedade material. Exatamente com este argumento em mente, Veblen ([1899] 2009, 200) é incisivo em comentar que: “[i]n economic theory, then, and considered in its proximate consequences, the consumption of goods and effort in the service of an anthropomorphic divinity means a lowering of the vitality of the community”.

Desse modo, uma das principais consequências de uma comunidade que apresentasse elevada relevância a este índice de comportamento devocional, seria a desconexão e a obstrução de uma organização mais efetiva da indústria sobre as circunstâncias modernas. Afinal, segundo Veblen, os resultados psicológicos e comportamentais da característica devota seriam antagônicos ao desenvolvimento de instituições econômicas requeridas pelas situações industriais de mudança e adaptação. Ao fim deste trecho, Veblen reconhece que

109 Veblen cita alguns exemplos como: construção de templos e igrejas, vestimentas, sacramentos, instituição de

novas denominações religiosas e devocionais têm surgido visando o rompimento com as características arcaicas atreladas ao antropomorfismo animista e teleológico. Segundo o autor, essas novas denominações teriam em seu cerne características filantrópicas e humanitárias que, em certa medida, confrontam o regime de status em sua composição tradicional.

Quando volta suas atenções ao entendimento do comportamento e característica dos indivíduos identificados como devotos, Veblen volta a destacar a característica de fortalecimento do conservadorismo em relação às mudanças institucionais requeridas pelas alterações de realidade material à nível industrial. Parte considerável desta característica arcaica, para além da desconexão da lógica processual, estaria também a desconexão com os pensamentos e ideários de origem científica. Afinal, estes também colocar-se-iam contrários ao comportamento devocional em seu cerne, principalmente através da potencial contraposição ao regime de status proveniente de mudanças tecnológicas e organizacionais.

Outro ponto tangenciado por Veblen diz respeito às diferenciações entre os indivíduos e suas características devocionais. Conforme visto, há aparente conexão entre aqueles indivíduos pertencentes às atividades devocionais e a abstenção do trabalho industrial. Essa conexão seria a principal gerenciadora das diferenciações de convicções antropomórficas ente os indivíduos. Sobre este ponto, Veblen comenta a característica das classes mais elevadas serem normalmente as mais atreladas à atividades religiosas, assim como as mulheres e crianças da classe média que gozam do ócio vicário. Afinal, estes indivíduos, devido suas características de desconexão para com a realidade material de mudança hodierna, seriam aqueles que melhor desempenhariam as atividades de cunho animista e teleológico dos cultos antropomórficos. Neste ponto, então, Veblen cria mais um ponto de consideração holística entre seus objetos de estudo, delatando traços de um comportamento bárbaro de emulação pecuniária como reforçador de comportamentos devocionais que, por sua vez, auxiliam no viés conservador da manutenção do status almejado pela já comentada emulação pecuniária.

Essa diferença também pode ser percebida a nível geográfico. Para tal exemplificação, Veblen utiliza-se do cenário norte americano de sua época, marcado pela divisão ente norte e sul. Segundo Veblen, as comunidades ao sul apresentariam comportamentos devocionais muito mais intensos e corriqueiros em relação ao resto do território norte americano, assim como também apresentariam uma indústria de característica muito mais arcaica em comparação às demais plantas industriais do país. Tais características somadas em suas consequências, explicariam, ao menos em termos parciais, as desconexões a nível social entre norte e sul dos EUA contemporâneo a Veblen. Nesta consideração Veblen não cita somente o caso devocional, como também delata outros comportamentos de origem predatória atrelados

ao conservadorismo institucional, como por exemplo, a agressividade e tendência a lutas corporais, o apreço por atividades esportivas e tendências ao jogo.

Sendo assim, Veblen utiliza-se deste espaço de sua obra para delatar a mais esta característica conservadora no comportamento das comunidades, no que se refere a sua facilidade em alterações institucionais frente a novas necessidades produtivas e materiais. Conforme destacou-se aqui, os comportamentos devotos apresentam traços arcaicos em sua composição, principalmente pautados no animismo e no antropomorfismo religioso. Desse modo, Veblen soma este elemento cultural como mais um elemento de cunho retardador no processo de evolução institucional das comunidades.