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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.2. UMA ANÁLISE DE THE INSTINCT OF WORKMANSHIP AND THE STATE OF

4.2.5. Ownership and the competitive system

Visando a melhor organização de sua argumentação a respeito deste capítulo, Veblen o divide em dois subcapítulos que abaixo seguem. No primeiro, o objetivo do autor é melhor explorar as relações de propriedade privada em um sistema pacífico de organização social (antecedente e entrante à cultura predatória). Já no segundo, o objetivo é apresentar as relações de propriedade privada no sistema competitivo de organização pecuniária.

4.2.5.1. Peaceable Ownership

Conforme visto até aqui, Veblen delata as consequências da alteração na organização social e no bem-estar das sociedades durante a transição para o sistema pecuniário de produção e consumo. Dentre estas consequências, aquelas apresentadas pelo autor com maior recorrência e relevância são: a divergência de classes (ócio conspícuo), a diferenciação no

consumo (consumo conspícuo) e, por último, mas não menos importante, características emulativas de riqueza (emulação pecuniária). Em mesmo sentido, no que se refere ao conhecimento tecnológico Veblen também observa consideráveis alterações, principalmente na dinâmica nas relações de trabalho e na institucionalidade da propriedade privada. Sendo assim, o autor pontua que as condições, tanto de produção quanto de trabalho e consumo, foram consideravelmente alteradas durante este período de transição do sistema econômico. É exatamente esta inquietação que justifica este capítulo da obra de Veblen.

A ascensão da instituição da propriedade privada em seu início pacífico trouxe mudanças consideráveis também no gerenciamento de recursos que, por definição, agora passam as mãos de alguns. Segundo Veblen, os que a partir deste ponto passam a desempenhar o papel de proprietários, passaram também pelo processo de aprendizagem no que se refere a exploração e uso destes recursos. Um dos principais reflexos de processo de aprendizado estaria justamente na utilização e gerenciamento através do sistema pecuniário em termos de preço. Desse modo, segundo Veblen, inicia-se o processo de um crescente e considerável distanciamento entre as atividades de cunho pecuniário e de cunho produtivo, uma vez que a primeira estaria voltada aos ganhos em termos de retorno na perspectiva pecuniária, e a segunda estaria ligada diretamente a finalidade industrial e produtiva da comunidade. Ou seja, o processo de acumulação do conhecimento tecnológico passa a, cada vez mais, apresentar diferenciação entre os indivíduos que de fato participam da realidade produtiva e aqueles que aproveitam-se dos ganhos da realidade produtiva. Conforme se verá, esta separação e distinção trazem consigo ineficiência e ausência de maestria no gerenciamento industrial.

Sobre o ponto acima, Veblen comenta, por exemplo, a tomada de decisão voltada a comercialização e precificação dos bens produzidos. Sob a tutela dos ―capitães da indústria‖ (desempenhadores de atividades pecuniárias de gerenciamento), os ganhos e os preços estariam sempre em busca do maior e melhor retorno em termos pecuniários, como já comentado, até mesmo através de mecanismos de fraude. Nesta mesma lógica, e através da ascensão teológica associada ao antropomorfismo crescente do período, estes também apresentariam não só uma desconexão com a realidade produtiva, como também a vislumbrariam de maneira equivocada nos termos teleológicos. Desse modo, a crescente desvinculação dos gerenciadores com o processo produtivo tornaria estes gerenciadores cada vez mais alheios as demandas e até mesmo resultados da realidade produtiva quando não expressos em termos pecuniários.

Sempre com a inquietação de demonstrar ou ao menos especular sobre o processo de mudança que viabilizaram as alterações institucionais, Veblen salienta que no caso da propriedade privada houve papel fundamental das percepções de façanha e proeza. Afinal, conforme visto anteriormente na obra de 1899, Veblen destaca que as primeiras propriedades privadas eram tidas como propriedades-troféus, principalmente delatando e destacando façanhas de guerra ou então maestria em negócios. Através desta lógica de domínio através da proeza emerge a instituição da propriedade privada em um contexto predatório. Em última instância a soma destas características desempenhou papel fundamental no estabelecimento de uma economia pecuniária. Ainda sobre este processo, Veblen salienta um aumento considerável nas atividades de manufatura, uma vez que através desta nova lógica de consumo as relações de comércio seriam alteradas drasticamente.

Estas características supracitadas fizeram, segundo Veblen, com que concomitantemente houvesse o direcionamento do instinto de trabalho eficiente às finalidades emulativas de característica pecuniária da sociedade. Este direcionamento instintivo altera, conforme já visto, não só a lógica de organização social em seu sentido político, como também em seu sentido produtivo e, portanto, econômico. Afinal, através da instituição da propriedade privada, novas lógicas de produção e consumo se viabilizariam, gerando alterações ou até mesmo novos hábitos de pensamento, condicionando o instinto de trabalho eficiente a uma nova perspectiva econômica.

4.2.5.2. The Competitive System

Ao tratar a perspectiva da propriedade privada sob a ótica do sistema competitivo Veblen salienta que, assim como todos os outros fatores habituais, a organização industrial também apresenta-se como um reflexo da cumulatividade do passado. Sendo assim, desenhado o cenário anterior, Veblen destaca que com o advento da economia industrial as perspectivas de retornos passam a ser cada vez mais individualizadas e voltadas a ganhos pecuniários. E, em mesmo sentido, os negócios passam a representar características de grandes empreendimentos voltados a produção e resultados em escala, sob a tutela dos capitães da indústria e sua busca por ganhos próprios.

Segundo Veblen, é difícil identificar e determinar o momento exato da mudança da propriedade privada pacífica para sua configuração em um sistema competitivo. Porém, o autor salienta parecer haver forte conexão entre o início da manufatura e a ascensão industrial

em seu sentido mecânico. Afinal, através de ambas as características inicia-se a possibilidade da criação de diferenciações em produtos e em estrutura produtiva, desse modo, viabilizando a competição sistematizada nestes termos. Ainda mais especificamente sobre estas características e a culminação de um sistema competitivo, Veblen salienta que a manufatura em seus estágios iniciais teve o papel de regulação de um trabalho eficiente, critério fundamental para se fundamentar um sistema competitivo de produção.

Entre os resultados desta nova lógica de organização industrial estaria a já comentada diferenciação e distanciamento entre os mestres da indústria e a realidade produtiva. Contrariamente ao caso da manufatura em estágios anteriores, em que o dono da matéria prima e da força produtiva eram o mesmo indivíduo na aplicação de alguma atividade laboral, neste novo cenário de propriedade privada e acumulação de riqueza em uma ótica pecuniária, os donos das matérias primas e das condições de produção estão completamente deslocados da realidade produtiva, buscando somente os retornos pecuniários e o ócio conspícuo. Tal desconexão com a realidade produtiva faz com que, segundo Veblen, os próprios capitães da indústria percebam a ineficiência de seu gerenciamento. Visando a solução para esta questão, estes iniciam, então, o processo de ―engenharia de eficiência‖, em que são designadas funções de maestria contábil e de gerenciamento, buscando por reduções de desperdícios, aumento de preços e domínio de elementos comerciais; sendo que todos estes elementos são tidos em termos de preços e percentuais e não em termos processuais/tecnológicos.

Estas novas atribuições, mais uma vez, delatam a característica de divisão e especialização do trabalho. Segundo Veblen, e tendo em mente o processo evolucionário proposto pelo autor, estas alterações não seriam o resultado de um processo aleatório, mas sim teriam sido condicionadas pela cumulatividade de eventos na nova realidade industrial. Ainda sobre este tema, Veblen ([1914] 2018, 213) salienta:

Presently, as the technológical situation gradually changed its character through extensions and specialization in appliances and processes – perhaps especially through changes in the means of communication and the density of population – the handicraft system with its petty trade outgrew itself and broke down in a new phase of the pecuniary culture. The increasingly wide differentiation between workmanship and salesmanship grew into a ―division of labor‖ between industry and business, between industrial and pecuniary occupations – a disjunction of ownership and its peculiar cares, privileges and proficiency from workmanship. By this division of labor, or divergence of function, a fraction of the community came to specialize in ownership and pecuniary traffic, and so came to constitute a business community occupied with pecuniary affairs, running along beside the industrial community proper, with a development of practices and usages peculiar to its own needs and bearing only indirectly on the further development of the industrial system or on the state of the industrial arts.

Por óbvio, estas distinções laborais levaram a uma divisão cada vez mais intensa entre as atividades produtivas e as atividades gerenciais e comerciais. Sendo que as últimas tiveram o foco em especializarem-se na eficiência pecuniária. Este último ponto, segundo Veblen, seria a principal característica da era dos negócios: a suprema dominância dos princípios pecuniários, tanto em eficiência quanto em conduta.

Tecidas e ponderadas as considerações sobre o sistema competitivo, Veblen ainda o sumariza em características que o definem em um sistema pecuniário sob a tutela do instinto de trabalho eficiente e tendo em vista o processo de acumulação do conhecimento tecnológico. Segundo o autor, estas características podem ser resumidas em nove pontos, a saber: (i) trata-se de um sistema competitivo baseado na propriedade privada nos termos da paz e da ordem; (ii) é um sistema baseado em preços; (iii) tecnológicamente é um sistema dominado pela indústria mecânica; (iv) o consumo é padronizado e também apresenta traços competitivos, uma vez que trata-se de um sistema de preços dependente de dinheiro; (v) são indústrias baseadas na produção de larga escala; (vi) os equipamentos materiais desde planta industrial até recursos naturais, são de propriedade privada; (vii) o conhecimento tecnológico é conhecido amplamente pela comunidade, porém em alguns casos apresenta domíno somente por parte dos indivíduos treinados e especializados em funções específicas; (viii) os donos dos equipamentos e recursos têm o controle discricionário da proficiência tecnológica em ampla escala; e, (ix) os donos dos equipamentos e recursos também detêm a capacidade laboral da comunidade e usufruem do estado da arte industrial.

Finalizando, Veblen ainda comenta as características emulativas que emergem desta nova lógica produtiva baseada na competição e pecuniaridade. Segundo o autor, é possível notar a elevação nas tensões laborais, principalmente visando a eficiência e o mérito. E, em mesmo sentido, pode-se também observar o direcionamento das plantas industriais em direção ao estabelecimento de grandes empreendimentos ―business enterprises‖. Esta última consequência resulta em mudanças drásticas na manutenção do conhecimento tecnológico e no modo de se produzir. Ambas as perspectivas trazidas neste último parágrafo serão melhor trabalhadas nas próximas duas sessões, de acordo com o trato dado por Veblen ao tema.