• Nenhum resultado encontrado

A questão do repasse de custos das externalidades ambientais

2.3 EXTERNALIDADES E INTERNALIZAÇÕES NA INDÚSTRIA: UM DIÁLOGO

2.3.5 A questão do repasse de custos das externalidades ambientais

De início, junto com Arthur Pigou219: “É sempre preciso lembrar que as

indústrias não estão interessadas no social, mas somente no produto líquido de suas operações”.

Paulo Affonso Leme Machado insere Guilerme Cano220 entre os pioneiros

do direito ambiental na América Latina e afirma que:

Quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir. É óbvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando-a nos preços ou os usuários de seus serviços, por exemplo, uma Municipalidade, em relação a seus serviços de rede de esgotos, aumentando suas tarifas). A equidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração [Grifo nosso].221

217 ARAGÃO, Maria Alexandra Sousa. O princípio do poluidor-pagador, pedra angular da política comunitária do meio ambiente, p. 40. Apud SERRA, Tatiana Barreto. A política de resíduos sólidos: a

perspectiva jurídico-econômica-ambiental, p. 125.

218 REVESZ, Richard L., p. 7. Apud SERRA, Tatiana Barreto. A política de resíduos sólidos: a

perspectiva jurídico-econômica-ambiental, p. 125.

219 Arthur Pigou (1877-1959), economista britânico, em 1920 propõe a cobrança de impostos sobre a

poluição. Cf. KISHTAINY, Niall et al. O livro da economia, p. 220.

220 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, p. 94.

221 CANO, Guilerme. Introducción al tema de los aspectos jurídicos del principio contaminador- pagador. El principio Contaminador-Pagador – Aspectos Jurídicos de su adopción en America. Buenos Aires: Editorial Fraterna, 1983, p. 191. Apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito

Ludwig Kramer222, comentando a inclusão do princípio no Tratado da

Comunidade Europeia, diz que “a coletividade não deve suportar o custo das medidas necessárias para assegurar o respeito da regulamentação ambiental em vigor ou para evitar os atentados contra o meio ambiente”. E aduz: “[...] esse custo deve ser um ônus do fabricante ou do utilizador do produto poluente, que poderá repassá-lo aos utilizadores posteriores [Grifo nosso]”.

Entre vários autores e mesmo entre organizações mundiais, é recorrente a ideia de que custos devem ser repassados aos preços. Em boa parte, o PPP se alinha a essa ideia.

Maria Alexandra de Sousa Aragão223, ao abordar a internalização de

externalidades, afirma que os eventuais custos sociais dos subprodutos da atividade que os agentes econômicos desenvolvem não constam dos seus cálculos econômicos ao lado do custo dos fatores de produção. E completa:

Internalizar as externalidades ambientais negativas significa fazer com que os prejuízos, que para a coletividade advêm da atividade desenvolvida pelos poluidores, sejam suportados por estes como verdadeiros custos de produção, de tal modo que as decisões dos agentes económicos acerca do nível de produção o situem num ponto mais próximo do ponto socialmente óptimo, que é inferior. 224

Contudo, o estabelecimento de preços de mercado depende do tipo de mercado e da força que uma empresa tem sobre este mercado e não exatamente dos seus custos e despesas.

Com fulcro na teoria microeconômica, pode-se dizer que o preço de um bem deve cobrir os custos de produção, as despesas225 de administração e de

marketing, certa margem de despesas e custos imprevistos (alguns classificados na

222 “Le principe du pollueur-payeur (Verrursacher) em Droit Communautaire, in Aménagement- Environnement, Ed. Story-Scientia, 1991, p. 3-13. (citação nr. 83 de Paulo Afonso, p. 94).”

223 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador pedra angular da política

comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 35.

224 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador pedra angular da política

comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 36.

225 MARTINS, Eliseu. Contabilidade de custos. São Paulo: Atlas, 1978. p. 26, 27. Custo: é o gasto

relativo a bem ou serviço utilizado na produção de outros bens e serviços; Despesa: bem ou serviço consumido direta ou indiretamente para a obtenção de receita; Gasto: sacrifício financeiro que a entidade arca para a obtenção de um produto ou serviço.

rubrica “contingência”, como inadimplência excepcional de clientes, acidentes, ações judiciais etc.), tributos, o custo de oportunidade e o lucro econômico.226

No caso da “concorrência perfeita” 227, a empresa é um mero ator passivo,

sujeita ao preço que o mercado fixar 228.

Maria Alexandra de Sousa Aragão229 denomina o repasse de custos de

“repercussão” e explica:

A ‘repercussão’, em sentido próprio ou externa, consiste na transferência de pagamentos efectuados pelo poluidor, para os seus clientes e opera-se pela inclusão dessas despesas, como custo, no preço final dos bens ou serviços, onerando reflexamente o respectivo adquirente.

A repercussão só não acontece quando se verifiquem duas situações que, sendo exteriores à empresa, condicionam determinantemente as suas decisões: a estrutura concorrencial ou monopolista do mercado em que a empresa se insere e a existência no mercado de produtos sucedâneos do produto considerado.

E adiante, pondera:

Efectivamente, se o mercado considerado tiver uma estrutura ideal de concorrência perfeita, a repercussão será tendencialmente nula sob pena de que qualquer aumento, mesmo pequeno, dos preços dos produtos poluentes vá desviar simplesmente a procura para os produtos concorrentes nacionais ou estrangeiros. A concorrência perfeita obrigaria a que os poluidores suportassem integralmente e em detrimento do lucro, todos os custos da luta contra a poluição que lhes fossem impostos. [...]

226 MATARAZZO, Dante Carmine. Análise financeira de balanços. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.

35-55.

227“Os defensores da concorrência perfeita dizem que o modelo representa uma forma teórica, ideal,

da estrutura de mercado que é útil para entender o comportamento das empresas mesmo que não existam setores que atendam a esses requisitos. [...] Concorrência Perfeita: situação idealizada em que compradores e vendedores detêm informação plena e existem tantas empresas produzindo o mesmo bem que um vendedor sozinho não consegue influir no preço.” Cf. KISHTAINY, Niall et al. O

livro da economia, p. 129, 340.

228 Na opinião de Paul Samuelson, economista e catedrático de Economia Política do Massachusetts

Institut of Tecnology (MIT) E. U.A.: “[...] para um economista, um concorrente perfeito é definido como uma firma (empresa) que não exerce controle de preços”. O autor apresenta uma lista de produtos como lâminas de barbear, pasta de dentes, aço, alumínio, batatas, trigo, cigarros, fumo, nylon, algodão etc, e indaga: “Quais os que se enquadram na rigorosa definição de concorrência perfeita?” Analisando cada um, mostra que, em rigor, apenas as batatas, o fumo, o trigo e o algodão se enquadram na rígida definição de concorrência perfeita e ainda assim com sérias ressalvas ao mercado do trigo. (Introdução à análise econômica. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1968. p. 136, 137).

229 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador pedra angular da política

comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 187.

Pelo contrário, se o mercado considerado tiver uma estrutura monopolista, a repercussão dos custos nos preços será tendencialmente total.

Por fim, num mercado de estrutura concorrencial oligopolista, a repercussão será provavelmente parcial [Grifo nosso].230

Externalidades negativas representam custos de fatores externos a serem adicionados aos custos de produção que as empresas poderão ou não admitir em função do mercado em que operam. Do ponto de vista das empresas, as externalidades podem ser encaradas de diversas formas, dependendo de fatores como: (i) consciência interna da empresa em relação ao meio ambiente; (ii) negociação com outros agentes econômicos (igualmente causadores da poluição) ou com as vítimas da poluição; (iii) atuação de autoridades governamentais no sentido de impor impostos, multas e obrigações; (iv) capacidade de repassar externalidades no preço do produto (em função do mercado em que opera).

A disposição e a capacidade de internalizar os custos de externalidades e de somá-los aos custos internos de produção têm sido objeto de grande controvérsia.

Nos casos em que a empresa não tem capacidade de incluir custos de externalidades, ou seja, quando não é possível repassar os custos de externalidades aos preços dos produtos, não raro, opta-se por reduzir custos – com a mão de obra (diminuindo postos de trabalho ou remuneração destes), com as matérias-primas (substituindo-as por outras de qualidade inferior) – ou limitar investimentos; em qualquer das hipóteses, reduzem-se a qualidade dos produtos e a geração de riqueza. Do contrário, restaria à empresa negociar com os lesados ou com o governo ou, ainda, fechar as portas.

Bem sabemos que a opção de encerrar as atividades pode ser desfavorável para a comunidade local, em vista do risco de queda das externalidades positivas (manutenção dos postos de trabalho, investimentos governamentais, desenvolvimento econômico local etc.).

A posição da OCDE em relação ao repasse de custos aos preços ou absorção deles é a seguinte: “Do ponto de vista da conformidade com o PPP, não

230 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador pedra angular da política comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 187-188. Ver Quadro 3 – Resumo das possibilidades de repasse de custos, segundo os tipos de concorrência.

interessa se o poluidor transfere para seus preços parte ou a totalidade dos custos ambientais ou se os absorve”.231

O repasse de custos, por outro lado, poderá ser viável – integral ou parcial –, nos casos de concorrência imperfeita.232

As espécies de concorrência e as possibilidades de repasse de custos são apresentadas, de maneira sucinta, no Quadro 3, elaborado para possibilitar uma visão geral sobre a questão de repasse de custos pelas empresas, em função do seu tipo de mercado

231 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.

Note on the implementation of de Polluter Pays Principles. OCDE, 1975, p. 15.

232 Paul A Samuelson apresenta a seguinte definição: “Existe concorrência imperfeita numa indústria

ou grupo de indústrias sempre que os vendedores individuais forem concorrentes imperfeitos [...] tendo certo controle sobre o preço. (Não quer isso dizer que uma firma tenha um poder absoluto de monopólio sobre o preço que pode cobrar; [...] existem diversos graus de imperfeição monopolista em diferentes mercados imperfeitamente competitivos)”. (Introdução à análise econômica, p.138).

Quadro 3 – Resumo das possibilidades de repasse de custos, segundo os tipos de concorrência ESPÉCIE DE CONCORRÊNCIA NÚMERO DE PRODUTORES E GRAU DE DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO PARTE DA ECONOMIA APLICÁVEL À: GRAU DE CONTROLE DE PREÇOS REPASSE DE CUSTOS NOS PREÇOS CONCORRÊNCIA PERFEITA Muitos produtores, produtos idênticos Algumas indústrias agrícolas Nenhum Praticamente impossível CONCORRÊNCIA IMPERFEITA (Muitos vendedores diferenciados) ... OLIGOPÓLIO Muitos produtores; muitas diferenças reais ou imaginárias entre os produtos ... Poucos produtores; pouca ou nenhuma diferença entre os produtos Pasta de dentes, comércio a varejo ... Aço, alumínio Algum ... Algum Parcialmente possível, dependendo de fatores de mercado (propaganda, qualidade dos produtos, distribuição etc.) ... Parcial ou totalmente possível, dependendo de fatores de mercado

MONOPÓLIO ABSOLUTO Um só produtor, um só produto, sem substitutos muito próximos Algumas utilidades Considerável Totalmente possível, exceto em caso de controle de preços pelo governo Fonte: Adaptado de SAMUELSON, Paul. A. Introdução à análise econômica, p. 141.

2.3.6 O caso da cidade de Detroit (EUA): um exemplo de queda brusca de externalidades ambientais positivas

Na polêmica das externalidades, as de cunho positivo, muitas vezes são relegadas a segundo plano, valendo lembrar, os empregos, os aportes financeiros governamentais destinados a investimentos, o desenvolvimento econômico local, entre outros.

A cidade de Detroit (EUA) é bom exemplo:

Nos anos 50, Detroit produzia metade dos veículos vendidos no planeta e tinha 1,85 milhão de habitantes, o que fazia dela a quarta maior cidade americana. Desde então, sua população caiu de maneira constante e hoje está em 685 mil pessoas – redução de 65%. A indústria automobilística enfrentou a concorrência dos japoneses e coreanos, passou por uma dolorosa reestruturação e se globalizou, espalhando linhas de produção por todas as partes do planeta, o que reduziu Detroit a uma posição coadjuvante. Dos cerca de 2,7 milhões de veículos que a General Motors vendeu nos Estados Unidos em 2013, apenas 4% foram produzidos em Detroit. A maior montadora americana mantém sua sede na cidade, no Renaissance Center, um conjunto de sete torres às margens do rio Detroit. Mas apenas uma de suas 11 fábricas americanas permanece na antiga capital do automóvel. Indústrias de outros setores também desapareceram, no processo que tirou dos EUA o posto de maior nação manufatureira do mundo. Mas em Detroit o movimento foi especialmente perverso. Entre 1970 e 2007, a cidade perdeu 80% de suas fábricas e 78% das lojas de varejo. O êxodo deixou para trás casas desabitadas, edifícios vazios, escritórios desertos, escolas obsoletas e levou à redução cada vez maior da receita de uma prefeitura obrigada a administrar uma área geográfica que não encolheu com a população [Grifo nosso].233

Percebe-se, assim, a atenção que merecem as externalidades – positivas e negativas – por parte de todos os envolvidos no processo de industrialização: indústrias, governos, poluidores, agentes econômicos em geral, vítimas da poluição e outros.

A mencionada atenção às externalidades deixa em suspenso a tese do economista inglês Arthru Pigou, que, segundo Tatiana Barreto Terra234:

233 TREVISAN, Cláudia. Um Império em ruinas. A destruição do sonho americano de Detroit. Estado de São Paulo. São Paulo, 5 jan. 2014. Caderno de Economia e Negócios, p. B6, B7.

234 SERRA, Tatiana Barreto. A política de resíduos sólidos: a perspectiva jurídico-econômica- ambiental. p. 123.

[...] sustentou, em seu trabalho, denominado The Economics of Welfare, que na hipótese das externalidades negativas ou deseconomia externa, o Estado deve intervir por meio da introdução de um sistema de taxação da fonte geradora da externalidade, de modo a garantir um nível ótimo do mecanismo de mercado. Ao contrário, presentes externalidades positivas ou economias externas, o poder público deve interceder com sistemas de subvenção ou incentivo, assumindo parte dos custos que seriam repassados ao degradador. O valor do imposto necessita corresponder à exata extensão dos danos sociais suportados pelas vítimas a serem arcados pelo produtor, de modo que fossem atingidos os patamares ótimos.

3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL INDUSTRIAL

Nas últimas décadas, o planeta Terra atingiu um grau muito elevado de degradação ambiental, em virtude da expansão industrial e do crescimento desordenado da população.

Diante dessa realidade, desenvolvimento sustentável no meio ambiente industrial deve ser a meta das sociedades empresariais que exercem atividades industriais, visando a preservar o meio ambiente sem comprometer o desenvolvimento econômico das nações; um verdadeiro desafio.

3.1 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ALGUMAS