• Nenhum resultado encontrado

Efeitos da poluição industrial regional: um exemplo

2.1 PREVENÇÃO E CONTROLE DA POLUIÇÃO NO MEIO AMBIENTE

2.1.4 Zoneamento industrial – Lei n 6.803/1980

2.1.4.1 Efeitos da poluição industrial regional: um exemplo

Não obstante a aplicação da lei de zoneamento industrial, fato é que a localização de uma indústria, seja em área rural, seja em área urbana, de algum

308 Lei n. 6.803/1980, art. 1º, § 1º: “As zonas de que trata este artigo serão classificadas nas seguintes

categorias: a) zonas de uso estritamente industrial; b) zonas de uso predominantemente industrial; c) zonas de uso diversificado; [...].”

309 Lei n. 6.803/1980, art. 6º: “O grau de saturação sera aferido e fixado em função da area disponível

para uso industrial da infraestrutura, bem como dos padrões e normas ambientais fixadas pela Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA e pelo Estado e Município, no limite das respectivas competências.”

modo traz problemas para a comunidade, em especial a comunidade local, como no exemplo apresentado a seguir.310

O caso ocorreu na Comarca de Brusque, onde um casal, que adquirira uma propriedade nas imediações de uma indústria, sentindo-se prejudicado pela poluição resultante de uma determinada atividade industrial, ajuizou ação contra a empresa poluidora. No caso em questão, a indústria poluidora não estava praticando nenhum ilícito, pois suas atividades estavam dentro dos padrões ambientais estabelecidos – tratar resíduos e detritos líquidos –, inclusive, em sua contetação relatou ter recebido diversos prêmios relacionados ao meio ambiente. A empresa ré alegou ser referência em educação ambiental para a região, o que a tornou alvo de visitas de professores e alunos, do ensino fundamental ao superior.

No entendimento da Corte de Justiça catarinense:

Tratando-se de questão ambiental, entendo que os limites ordinários de tolerância devem ser os previstos na legislação ambiental e, somente quando essa barreira for ultrapassada, estará caracterizado o ilícito. É que ‘em tendo a propriedade que cumprir suas finalidades econômicas e sociais, isto deverá ser levado em conta para a proibição das interferências, daí porque a lei afirmar que, nesta proibição, devam ser consideradas a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários da tolerância dos moradores da vizinhança (art. 1.277, parágrafo único, do CC)’ (ALVES, Jones Figueirêdo Alves; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil Anotado. São Paulo: Método, 2005, p. 637, apud SILVA, Regina Beatriz Tavares da Silva, coord, op. cit., p. 1.389).311

Apesar disso, os autores e a população dos arredores sofriam com o mau cheiro provocado pela abertura dos tanques de tratamento de efluentes, desde o início das atividades praticadas pela indústria poluidora, como demonstra o seguinte relato: “[...] por ocasião da abertura dos tanques de tratamento da empresa requerida, a fedentina é tão intensa que chega a provocar dor nas vias aéreas dos requerentes, além de náuseas e intensa dor de cabeça".

310 Esse caso ocorreu em Brusque, Santa Catarina. Cf. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.

Apelação Cível 20120763460 SC 2012.076346-0. Relador Des. Monteiro Rocha. Florianópolis, SC. Publicado em 07.11.2013. Disponível em: <http://tj- sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24709795/apelacao-civel-ac-20120763460-sc-2012076346-0- acordao-tjsc/inteiro-teor-24709796>. Acesso em: 7 mar. 2014.

311 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 20120763460 SC 2012.076346-0.

Relador Des. Monteiro Rocha. Florianópolis, SC. Publicado em 07.11.2013. Disponível em: <http://tj- sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24709795/apelacao-civel-ac-20120763460-sc-2012076346-0- acordao-tjsc/inteiro-teor-24709796>. Acesso em: 7 mar. 2014.

Na inicial, a parte autora afirmava que, em conjunto com a associação de bairro, tentaram encontrar soluções para o problema, uma vez que a referida indústria estava lançando efluentes no rio Itajaí-mirim sem o devido tratamento e em desacordo com os padrões estabelecidos pelas normas ambientais vigentes, causando poluição hídrica e atmosférica, em níveis que poderia causar danos à saúde humana e degradação do meio ambiente, o que não se constatou com a perícia.

No caso em tela, a indústria poluidora alegou fazer parte da sua atividade o tratamento de efluentes industriais, função indispensável ao município, e que estava situada em local adequado, ou seja, zona industrial definida pelo plano diretor da municipalidade. Rebateu que o casal autor, quando adquirira o imóvel já sabia que aquela área era considerada zona industrial, localidade onde estavam instaladas outras empresas, que também emitiam gases, gerando o odor objeto do alegado desconforto.

No processo de tratamento de Efluente Industrial, é praticamente inevitável a geração de odores, característicos dos processos físico, químico e biológico. Neste sentido, é evidente que em certos momentos pode ocorrer a dispersão destes gases nas proximidades da empresa e na Residência dos Requerentes. Entretanto, durante a realização da perícia, não foi constatado mau cheiro na residência dos requerentes. Porém foi constatado um mau odor na porção final da Rua João Frederico Steffen, sendo que este mau cheiro também estava associado a uma empresa de depósito de lixo reciclável e uma tinturaria, que estão instaladas nesta localidade [Grifo nosso].312

De fato, a atividade de tratamento de efluentes industriais exercida pela indústria poluidora em questão é função indispensável. Em rigor, as empresas de tratamento de efluentes, além de serem determinantes na minimização dos impactos ambientais e melhoria das condições de saúde da população, são uma alternativa para outras indústrias que não possuem tratamento em seu parque fabril, e que acabam optando pela terceirização dessa atividade.

Entretanto, a relação entre estas unidades de tratamento e a população vizinha nem sempre é harmônica. Esta dificuldade de relacionamento é normalmente provocada pelos incômodos que

312 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 20120763460 SC 2012.076346-0.

Relador Des. Monteiro Rocha. Florianópolis, SC. Publicado em 07.11.2013. Disponível em: <http://tj- sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24709795/apelacao-civel-ac-20120763460-sc-2012076346-0- acordao-tjsc/inteiro-teor-24709796>. Acesso em: 7 mar. 2014.

estas estações podem vir a provocar em área residencial, devido a geração de odores desagradáveis, ruído, tráfego pesado, etc.[Grifo do autor].313

Percebe-se que a indústria poluidora do caso em tela, ciente da geração de maus odores que sua atividade industrial emite, não somente atendia os requisitos ambientais e exigências legais que lhe foram impostas, como também instalara sistema de aromatização no tanque concentrador de iodo e difusor de ar, reduzindo a emissão de gases odorantes em 70% da emissão dos gases fétidos, não excedendo aos limites legais. Este procedimento adotado, de fato, mostrou-se eficiente, conforme relatos da comunidade vizinha de que houve uma redução em aproximadamente 70% do mau cheiro.

Contudo, ainda que as emissões poluentes estivessem dentro dos padrões da normalidade, para as pessoas que ali residiam era intolerável314 ou,

melhor dizendo, insuportável conviver com a poluição emanada da indústria ré. Na verdade, o que interessa para a presente pesquisa não é discutir o resultado obtido pelos autores da ação, nem pela Indústria poluidora, mas sim demonstrar os inconvenientes vividos pela vizinhança de empresas que atuam no ramo da atividade industrial, ainda que estejam atuando licitamente.

Os prejuízos, no caso em tela, vão além do mau cheiro suportado pela comunidade do entorno. Como asseverado pelo demandante:

[...] sentia-se constrangido em receber visitas, não podendo assim usufruir de seu imóvel; também, devido ao mal cheiro liberado, a

313 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 20120763460 SC 2012.076346-0.

Relador Des. Monteiro Rocha. Florianópolis, SC. Publicado em 07.11.2013. Disponível em: <http://tj- sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24709795/apelacao-civel-ac-20120763460-sc-2012076346-0- acordao-tjsc/inteiro-teor-24709796>. Acesso em: 7 mar. 2014.

314 "Os juristas têm-se preocupado em saber qual o limite do uso regular do imóvel e aceitam como

critério o da normalidade. Por sua vez, a jurisprudência tem firmado que a ocorrência do mau uso da propriedade deve ser examinada em função da normalidade, ou não, da utilização. Para verificação da normalidade do uso, especialmente tratando-se de estabelecimentos comerciais e industriais, é fator decisivo o da localização do imóvel em face do zoneamento municipal como pondera Hely Lopes Meirelles: 'Tratando-se de zona mista - residencial, comercial e industrial - é intuitivo que as residências têm que suportar o barulho da indústria e do comércio, nas horas normais dessas atividades; mas esses ruídos não poderão exceder o limite razoável da tolerância, nem se estender às horas da noite, reservadas ao repouso humano. (O uso da propriedade e as restrições de vizinhança, RT, v. 277, ps. 22/30). (SANTOS, Ulderico Pires. Direito de Vizinhança: doutrina e jurisprudência, de acordo com a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 399).” Cf. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 20120763460 SC 2012.076346-0. Relador Des. Monteiro Rocha. Florianópolis, SC. Publicado em 07.11.2013. Disponível em: <http://tj- sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24709795/apelacao-civel-ac-20120763460-sc-2012076346-0- acordao-tjsc/inteiro-teor-24709796>. Acesso em: 7 mar. 2014.

permanência no imóvel era insuportável, razão pela qual não haviam interessados em adquirir o imóvel, que restou extremamente desvalorizado.

Os processos industriais estão cada vez mais intensos e como consequência direta tem-se um aumento na geração de resíduos sólidos, líquidos e gasosos. As empresas que atuam na atividade industrial precisam buscar práticas ambientalmente corretas para dispor estes materiais no meio ambiente.

Como observado no acórdão colacionado, é previsível a batalha entre a população afetada e o poder público municipal, que precisa definir o local para a instalação de mal necessário: o aterro sanitário, o presídio, a indústria poluente. Por seu lado, a indústria poluidora apresentará justificativa, como a que segue:

A empresa requerida traz benefícios à maioria das indústrias têxteis da comarca de Brusque (perícia judicial, fl. 510), além de gerar emprego. Causa odor desagradável objetivando tratar efluentes industriais - um mal necessário que deve ser tolerado.

A indústria tem um papel social e econômico muito importante a exercer, como gerar riquezas e empregos, mas sua atuação não pode ultrapassar os limites toleráveis pelos indivíduos, principalmente pela população que a circunda, daí a importância de não apenas cumprir as leis ambientais, mas principalmente adotar o princípio do poluidor pagador como diretriz de suas atividades, desenvolver técnicas sustentáveis para atuar preventivamente e internalizar os custos da produção limpa, evitando, assim, a necessidade de reparar danos – “mais vale prevenir do que remediar”315.

O lançamento, pelas indústrias, de substâncias tóxicas e nocivas – através dos esgotos ou diretamente em rios e mares, lixo e detritos residuais, produtos químicos utilizados na agricultura, trazidas pelas águas das chuvas até os rios e lençóis de água etc. – é a principal causa da poluição que degrada o meio

315 “A comprovar que é mais dispendioso actuar ‘a posteriori’, remediando, do que ‘a priori’,

prevenindo, têm sido feitos numerosos estudos económicos, muitos deles patrocionados pela OCDE. (Veja, por ex., ‘Les Coûts des Dommages Causés à L’ Énvironnement’, Compte rendu d’un Séminaire tenu à l’OCDE, Août 1972). Este facto torna-se evidente se atendermos aos números envolvidos em certos acidentes graves: em 1989 foram atribuídos 470 milhões de dólares às vítimas do acidente de Bhopal (que tinham pedido cerca de um bilhão); no mesmo ano, 645 milhões de francos aos demandantes do processo contra o Amoco-Cadiz (e tinham pedido mais de um biliáo)”. Números citados por REMOND-GOUILLOUD, Martine. Du Droit de Détruire, p. 158, apud ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador pedra angular da política comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 116.

ambiente, provocando inconvenientes de toda sorte para a população. Essa constatação invoca a necessidade de se avaliar até que ponto uma atividade industrial, mesmo que atenda os limites ambientais que lhe são impostos, deve ou não continuar a sua atividade.