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ANÁLISE DE ALGUNS CASOS DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO

O princípio do poluidor pagador já assumiu os impactos relacionados à atividade industrial, quer dizer: a atividade industrial internaliza os custos da produção sustentável ao adotar ações que não permitam que o recurso ambiental poluído retorne à natureza.

Práticas limpas como logística reversa, reúso e reaproveitamento de recursos ambientais poluídos adotadas no ciclo produtivo podem ser a alternativa eficaz para evitar a escassez dos recursos naturais. É o que demonstram as experiências colacionadas nas seções seguintes.

419 D´ISEP, Clarissa Macedo Ferreira. Água juridicamente sustentável, p. 176-177. 420 D´ISEP, Clarissa Macedo Ferreira. Água juridicamente sustentável, p. 176-177. 421 D´ISEP, Clarissa Macedo Ferreira. Água juridicamente sustentável, p. 177-178.

5.2.1 Coca-Cola422: uma estratégia global

A qualidade da água é fundamental quando constitui a principal matéria-prima na fabricação de alimentos, bebidas e medicamentos. No caso da Coca-Cola, cerca de 90% dos produtos, ou mais, são compostos de água. Para não correr o risco de ficar sem o insumo, todas as fábricas têm pelo menos duas fontes de captação, como a rede pública, os poços e os rios ou lagos. E a demanda não é pouca: são utilizados 14 bilhões de litros por ano. Em relação à qualidade, a preocupação da empresa começa fora da fábrica, com o que o diretor de meio ambiente, José Mauro de Moraes, descreve como ‘uma política de boa vizinhança’ com a comunidade. Trata-se de uma estratégia global da Coca-Cola, com três objetivos. Ao mesmo tempo que garante a matéria-prima adequada, preocupa-se com a qualidade da água que é distribuída para a comunidade em que está localizada. Esta foi uma resposta a uma série de ataques recebidos recentemente no exterior, especialmente na Índia, onde foi acusada de usar muita água em regiões com poucos recursos hídricos. Neste caso, a empresa anunciou que pretende captar água da chuva para repor o que usa. Toda a água captada passa por um sistema de tratamento, de forma a adequá-la aos níveis técnicos definidos pela empresa. O processo, composto de múltiplas barreiras físico- químicas, termina com um filtro de carvão ativado que retira o cloro usado para desinfecção. Essa água é usada como matéria-prima e em todos os processos que podem ter influência direta no produto final, como no enxágue de garrafas PET. Para reduzir o consumo, a empresa adota sistemas fechados de circulação em alguns processos, como o de torres de resfriamento. Atualmente, a Coca- Cola registra a média de 2,25 litros de água consumidos para cada litro fabricado, mas certas unidades atingem a marca de 1,4 litro para alguns produtos. Os resíduos gerados durante o processo passam por uma estação de tratamento de efluentes (ETE) antes de serem descartados. Para atestar a qualidade da água da ETE, além das análises químicas exigidas por lei, há um aquário onde peixes funcionam como controle biológico do que é devolvido ao rio.

No caso exposto, a estratégia global da indústria Coca-Cola consegue atingir o seu objetivo, qual seja, redução do impacto ambiental por meio de práticas de produção limpa e consecução de sua função social, na medida em que garante a matéria-prima adequada e contribui para o bem-estar da comunidade, especialmente a que está no seu entorno.

422 PAGINA22 – Informação para o novo século. O valor da água: da lógica do custo à urgência da

conservação. A escola da água. São Paulo, Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, n. 3, novembro 2006. p. 21. Disponível em: <http://www.pagina22.com.br/wp- content/uploads/2009/09/ed3.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2014.

5.2.2 Cosipa: usar de novo pode ser bom negócio423

A Cosipa investiu e hoje reutiliza 96% da água em sua planta em Cubatão. A partir de 1993, quando foi privatizada e vendida para o grupo Usiminas, a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) realizou investimentos de mais de US$ 1 bilhão para modernizar o parque industrial. A Cosipa está localizada em Cubatão – cidade paulista que sofreu com graves problemas ambientais, principalmente nos anos 80. Do total, US$ 319 milhões foram aplicados na área de meio ambiente. As novas instalações permitem, entre outros avanços, que a empresa pratique em seus processos industriais um dos índices mais altos do Brasil em reutilização de água: 96%. Entre os investimentos realizados, estão 16 sistemas de resfriamento e recirculação (circulação em sistema fechado) espalhados pela empresa. Apenas a maior unidade, o Sistema de Tratamento e Recirculação de Água das Laminações, absorveu US$ 40 milhões e tem capacidade para 6 mil metros cúbicos por hora. No total, a empresa recircula aproximadamente 60 mil metros cúbicos por hora. Os sistemas são complementados por seis estações de tratamento da água usada em processos industriais, o que permite o reúso e reduz a necessidade de captação e o descarte de efluentes. A empresa ainda busca outras formas de economizar água e reduzir os efluentes. Investiu em três unidades de tratamento de esgoto doméstico para processar os resíduos gerados nas unidades de produção, nos prédios administrativos e no refeitório. Além disso, para detectar vazamentos, a Cosipa implantou o Disque Água, uma linha telefônica pela qual os funcionários podem informar a qualquer momento a ocorrência de incidentes na rede interna. Até o telhado do restaurante da siderúrgica é utilizado para combater o desperdício: capta água da chuva, que serve para alimentar as torres de resfriamento do sistema de ar-condicionado [Grifo nosso].

Nessa experiência, fica evidente que o investimento na área de preservação do meio ambiente, além de permitir uma produção menos impactante, pode também se revelar lucrativa.

423 PAGINA22 – Informação para o novo século. O valor da água: da lógica do custo à urgência da

conservação. A escola da água. São Paulo, Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, n. 3, novembro 2006. p. 21. Disponível em: <http://www.pagina22.com.br/wp- content/uploads/2009/09/ed3.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2014.

5.2.3 Projeto Aquapolo Ambiental: conservação e reuso de água424

A Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), entidade de classe do segmento industrial paulista, representa cerca de 13 mil indústrias de diversos setores, de todos os portes e de diferentes cadeias produtivas, distribuídas em mais de 130 sindicatos patronais. Sua estrutura atual reflete o pensamento estratégico e o tratamento homogêneo que a entidade confere às várias cadeias produtivas e aos sindicatos, independentemente do porte das empresas ou do setor a ela associadas.

Com esse pensamento, a Fiesp promove, anualmente, dois prêmios de reconhecimento aos projetos desenvolvidos a partir da preocupação ambiental e que tenham produzido resultado significativo para a melhoria da qualidade do meio ambiente e do bem-estar da sociedade.

O projeto intitulado “Aquapolo Ambiental”, de iniciativa das indústrias que integram o Polo Petroquímico do ABC paulista, é exemplar da adoção da conciência ambiental no meio ambiente industrial.

O Polo Petroquímico do ABC (‘Polo’), beneficiário desse Projeto, é um dos centros da economia do ABC paulista. Compõe-se de 13 indústrias que empregam cerca de 25 mil pessoas, direta e indiretamente.

Os produtos petroquímicos produzidos, tais como etileno, propileno e polietileno, são matérias-primas para a fabricação de resinas, borrachas, tintas e plásticos.

Está localizado na região pertencente à sub-bacia do Alto Tietê, considerada a segunda mais precária do mundo em termos de recursos hídricos próprios para consumo. A oferta de água per capta na região gira em torno de 130 metros cúbicos por habitantes por ano, menos de 10% do índice mínimo considerado pela ONU (2.500 metros cúbicos por habitante por ano), decorrente principalmente da poluição pelo processo acelerado de ocupação irregular nos arredores dos mananciais.

Diante do quadro de escassez hídrica da região, que exige ações mitigadoras para melhoria da qualidade e disponibilidade da água da região, que está fadada à irreversibilidade, em 2009, foi firmada uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), entre a SABESP (49%) e Foz do Brasil (51%), constituindo a empresa Aquapolo

424 FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. 8º Prêmio Fiesp de Conservação

e Reúso de Água – Cases Vencedores. Empresa Vencedora categoria Mégia/Grande: Aquapolo

Ambiental / Braskem. Disponível em: <www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/8o-premio-

Ambiental S.A. (‘Aquapolo’) e iniciando o Projeto Aquapolo (‘Projeto’), por meio da celebração de um Contrato de Fornecimento de Água Industrial (‘Contrato de Fornecimento’), celebrado com a Quattor (atual Braskem) , com prazo de vigência de 43 (quarenta e três) anos, sendo 2 (dois) anos de obras e 41 (quarenta e um) anos de operação, com o intuito de produzir água industrial de alta qualidade a partir do esgoto doméstico gerado na Bacia do ABC, e fornecê-la ao Polo, maior consumidor de água potável da região.

[...]

O projeto é inovador e sustentável, sendo capaz de produzir água para fins industriais. Este é um dos dez maiores empreendimentos do gênero no mundo, e inédito no Brasil.

[...]

O consumo destes clientes impactava na utilização de água do Tamanduateí e de fontes complementares num total de 380 L/s, além de água potável da Sabesp, num volume 191 L/s.

Com o Projeto, as indústrias do Polo não dependem do Rio Tamanduateí e da água potável proveniente da Sabesp. Além do benefício para a imagem do Cliente, em termos de sustentabilidade, a água industrial produzida pela Aquapolo tem vantagem econômica (30 a 40% menor que a água potável) e garantia de fornecimento contínuo, independente de estiagem.

[...]

Resultados obtidos Como ganhos ambientais e econômicos do Projeto podem ser citados: [...] para o cliente: independência de renovação de outorga, como acontece tipicamente nos sistemas de captação e adução; [...] redução no consumo anual de água potável de cerca de 6,02 bilhões de litros, se levado em consideração todos os clientes do Polo Petroquímico; [...] economia estimada em cerca de R$ 1,86 milhões anuais, relativo à manutenção de trocadores de calor (redução de limpeza e substituição de feixes). Isto devido à melhor qualidade da água de reuso em relação à utilizada anteriormente; [...] Para a Bacia e População: aumento da disponibilidade hídrica na região do ABC, um dos locais mais críticos da Grande São Paulo (130 m³/hab.ano, sendo a recomendação da OMS de 2.500 m³/hab.ano), com o fornecimento inicial de 650 L/s de água de reúso, podendo chegar a 1000 L/s. Esta vazão de água é equivalente ao abastecimento da cidade de Santos (com 500 mil habitantes); minimização dos poluentes lançados no corpo receptor Córrego dos Meninos e Tietê, com a retirada de mais de 584 kg/ano de amônia e 31390 kg/ano de fósforo, adicionando o nível terciário ao tratamento de esgotos do sistema ABC; integração da prática de reúso ao Plano de Recursos Hídricos, de acordo com ações de saneamento ambiental e industrial dos Comitês de Bacias; Promoção de economia e sustentabilidade ambiental com incentivo a novos projetos de reúso para melhor utilização dos recursos hídricos; uso racional e eficiente da água, contribuindo com a minimização de perdas de água potável, já que cada litro de água potável que deixa de ser consumido é economizado 1,26L de água potável produzida na Região Metropolitana de São Paulo; geração de emprego: o Projeto Aquapolo Ambiental gerou cerca de 800 postos de trabalho durante as obras e deverá gerar outros 50

durante a operação. Além disso, o Aquapolo assegura o crescimento e a perpetuidade dos Clientes, gerando, por consequência, a manutenção dos postos de trabalho vigentes e a criação de novos; Na cidade de Santo André, além de realizar a recuperação ambiental da área afetada pela obra, em torno de 27,5 mil m2, a

Aquapolo Ambiental, em acordo com a Administração, recapeou e fresou um total de 77,3 mil m2 da Avenida do Estado, ou seja,

área três vezes maior que a interferência da obra na avenida, e ainda há a construção de um Centro de Referência do Idoso (CRAS), do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) no Conjunto Alzira Franco II, totalizando uma área de 1.003,64 m², em contrapartida pela realização das obras do Projeto nas vias públicas da Cidade; outro importante benefício para o Município de Santo André foi a arrecadação de R$ 2,5 milhões em ISS (Imposto Sobre Serviços) somente pela obra da Aquapolo; na Cidade de São Caetano do Sul, em contrapartida pela execução das obras do Projeto, a Aquapolo foi responsável pela reforma do Centro de Oncologia e Hemoterapia Luiz Rodrigues Neves, que incluiu refazer as partes hidráulicas e elétricas do prédio. Principais medidas: instalação de um gerador próprio, revisão do sistema de ar comprimido e de gases, adaptação de toda a infraestrutura para o padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) voltadas aos deficientes físicos, além de nova pintura, piso, paisagismo e revisão da cobertura e do sistema de drenagem de águas pluviais.

Vale ressaltar que o Projeto “Aquapolo Ambiental” avaliou o impacto de dez empresas do polo petroquímico, que têm um consumo importante de água oriunda do Rio Tamanduateí e de fontes complementares, em um total de 380 L/s, além de água potável da Sabesp, em um volume de 191 L/2. Com o projeto, as indústrias do Polo passam a não depender mais daquele rio, nem da água potável proveniente da Sabesp.

Os benefícios da água industrial produzida pela Aquapolo se refletem na imagem das empresas perante os clientes, em termos de sustentabilidade e, como corolário, a vantagem econômica (30 a 40% menor do que a água potável) e a garantia de fornecimento contínuo, independente de estiagem.

Como se vê, muitos foram os ganhos ambientais e econômicos que o Projeto Aquapolo proporcionou ao meio ambiente.

Em suma, percebe-se que as práticas adotadas nesses projetos dão uma boa dimensão da capacidade da indústria de atuar com a consciência do desenvolvimento sustentável.