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2.2 REPRESSÃO DA POLUIÇÃO NO MEIO AMBIENTE INDUSTRIAL

2.2.1 Dano e responsabilidade ambiental

2.2.1.4 Responsabilidade penal ambiental industrial

De início, vale colacionar a doutrina de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin363 sobre a responsabilidade ambiental penal:

Agredir ou pôr em risco essa base de sustentação planetária é, socialmente, conduta de máxima gravidade, fazendo companhia ao genocídio, à tortura, ao homicídio e ao tráfico de entorpecentes, ilícitos também associados à manutenção, de uma forma ou de outra, da vida em sua plenitude. Os crimes contra o meio ambiente são talvez os mais repugnantes de todos os delitos do colarinho-branco, sentimento que já vem apoiado em sucessivas pesquisas de opinião pública naqueles países que já acordaram para a gravidade e a irreparabilidade de muitas ofensas ambientais.

A responsabilidade ambiental penal está regulamentada no Brasil, pela Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, pautada nos preceitos constitucionais, com vetor preventivo – princípio do poluidor pagador – e repressivo às condutas praticadas contra a natureza.

As tutelas civil e administrativa calcadas em perdas e danos e multa dificilmente atingem os principais responsáveis pela degradação do meio ambiente, daí a importância da responsabilização criminal, com fundamento no princípio da pessoalidade, não admite a transferência da sanção penal para outra pessoa – o cerne da esfera criminal é atingir o verdadeiro responsável pela degradação ambiental. “Tem-se aí um ‘curioso’ (e perverso) fenômeno em que o cidadão é vitimado duas vezes. De um lado, como vítima difusa da degradação ambiental e de outro como devedor final do quantum reparatório ou sancionatório”.364

Ressalta-se que, pela internalização das externalidades negativas ambientais, o quantum reparatório ou sancionatório acaba “sobrando” para a sociedade, por intermédio do mercado de consumo, que, bem sabemos, repassa os custos no preço do produto poluente.365

363 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Crimes contra o meio ambiente: uma visão geral.

FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Direito em evolução. Curitiba: Juruá, 2005. v. II. p. 27.

364 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Crimes contra o meio ambiente: uma visão geral.

In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Direito em evolução. v. II. p. 29.

A responsabilidade penal tem importância fundamental para a tutela do meio ambiente, justamente por tratar-se de um bem jurídico essencial à sadia qualidade de vida e de relevante interesse social.

Para Clarissa Ferreira Macedo D’isep366, a tutela ambiental penal clama

ao direito penal um amadurecimento e modernização, ao mesmo tempo, suscita maneiras de coibir o crime ambiental de forma eficaz e adaptadas à seara ambiental.

Nas palavras de Vladimir Passos de Freitas367:

[...] o criminoso ambiental, em regra, foge ao padrão do delinquente comum, o que demandaria um estudo criminológico. Realmente, na maioria das vezes, os delitos ambientais são cometidos por pessoas que não oferecem nenhuma periculosidade social e cometeram a infração penal levadas por circunstâncias dos costumes do meio em que vivem ou – o que é pior – em razão de uma ambição desmedida. Isso faz com que esta espécie de delinquente conviva e seja normalmente aceita pela sociedade, resultando a sua punição, por vezes, em certa incompreensão do meio social.

E aduz Clarissa Ferreira Macedo D’Isep368:

O que difere o criminoso ambiental do delinquente comum, [...] é o simples fato de que, na realidade, antes de ele ser um criminoso penal, ele é um poluidor/degradador, o que é diferente. Não se tem os mesmos contornos no direito penal ambiental que no direito ambiental penal. Aliás, razão de ser da tendência, proveniente do ordenamento jurídico alemão, de subsistemas de leis. Essa dinâmica possibilita a criação de instrumentos adaptados às características do objeto que se regula sem sofrer influência ou restrição dos demais ramos [Grifo nosso].

2.2.1.4.1 A responsabilização penal da pessoa jurídica e sua eficácia

Com a certeza de que a indústria é um dos maiores poluentes do meio ambiente, seria inadmissível o não reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica, é o que afirma Luis Paulo Sirvinskas:369 E aduz:

366D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do

modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001, p. 110-111.

367 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crime contra a natureza. 6. ed. São

Paulo: RT, 2000. Apud D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO

14000: análise jurídica do modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001, p. 111.

368D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do

[…] Entende-se por pessoa juridica a que exerce uma atividade econômica. Trata-se de um ente fictício, cujos estatutos estão previamente arquivados na junta comercial local. As sanções penais aplicáveis à pessoa juridica são as penas de multa, as restritivas de direito, a prestação de serviços à comunidade (art. 21 da Lei nº 9.605/98), a desconsideração da personalidade jurídica (art. 4º da Lei nº 9.605/98) e a execução forçada (art. 24 da Lei nº 9.605/98). 370

A legislação brasileira avançou bastante na proteção do meio ambiente, com a instituição da Lei n. 9.605/1998, citada linhas atrás. Esta lei sistematizou a punição administrativa com severas sanções e com a tipificação orgânica dos crimes ecológicos, inclusive na forma culposa – com nítido resultado, de certa forma harmônico, da interseção entre o direito penal e o direito ambiental, interagindo os seus princípios basilares, ao lidar com a complexidade do objeto tutelado – “o bem ambiental”.371

Para Luis Paulo Sirvinskas372, não há dúvidas do quão tormentoso é

admitir a possibilidade da responsabização penal da pessoa jurídica diante dos princípios norteadores do direito penal, ainda que a Constituição Federal a tenha admitido no art. 225, § 3º.

Em nível infraconstitucional, a Lei n. 9.605/1998 disciplinou a responsabilidade penal da pessoa jurídica, em seu art. 3º, in verbis:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Diferentemente da responsabilização civil e administrativa, na esfera penal não se admite a teoria objetiva. É que no sistema penal brasileiro a responsabilização criminal está calcada na culpa do agente, como elemento subjetivo – princípio da culpabilidade: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”.373

369 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental, p. 842.

370 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental, p. 842.

371 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crime contra a natureza. 6. ed. São Paulo: RT, 2000. Apud D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO

14000: análise jurídica do modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001, p. 111

372 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental, p. 843.

373D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do

Contudo, é um tema conflituoso, pois pelo fato de imperar no direito penal, o princípio da culpabilidade, surge o questionamento de como seria possível punir penalmente um ente fictício com pena de multa, restritiva de direitos ou pretação de serviços à comunidade, por exemplo. 374

A aferição do elemento subjetivo deve recair sobre a conduta do ser humano que tomou a decisão, sem que isso represente a negação da existência da pessoa jurídica – por óbvio, tudo isso com vistas a evitar que a pessoa jurídica seja um instrumento ardilosamente utilizado para que as pessoas físicas pratiquem crimes, imunizadas pelo véu ou manto desses entes coletivos.

Como afirma Marcelo Abelha Rodrigues375:

[...] deve-se apurar os elementos objetivos e subjetivos da responsabilidade penal da pessoa jurídica no fato típico praticado pelo seu órgão colegiado ou seu representante legal ou contratual, somando-se a isso o aspeto do benefício e do interesse mencionado alhures.

Também, há jurisprudência nesse sentido:

A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.376

Neste ponto, vale indagar: será que a penalização da pessoa jurídica pode ser eficaz para tutelar o meio ambiente?

Com efeito, se concebermos que a pessoa jurídica é apta a ter direitos e receber benefícios, a consequência natural é que deva ser responsabilizada penalmente pelos danos ambientais que produzir, não fosse assim, haveria flagrante violação a preceitos constitucionais que visam sobretudo a tutela do direito coletivo ao meio ambiente equilibrado.

Corrobora essa assertiva a ementa do seguinte julgado:

Penal. Processual Penal. Crime Ambiental. Art. 54, da Lei nº 9.605/98. Competência da Justiça Federal. Legitimidade passiva da pessoa jurídica. [...]. Havendo indícios de que os réus, pessoas físicas, praticaram crime ambiental, a fim de trazer algum proveito à pessoa jurídica da qual são representantes legais ou contratuais, é

374 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental, p. 843.

375 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental esquematizado, p. 346.

376 Inteligência do seguinte Acórdão. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 564.960/SC. 5ª

cabível também a responsabilização penal da referida pessoa jurídica, nos termos art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 3º da Lei nº 9.605, de 1998 [Grifo nosso]. 377

No que tange à conduta do sujeito ativo, para que seja penalmente relevante, deve ser voluntária e consciente e, em regra, condicionada à existência do dolo, valendo lembrar que só punível a conduta culposa, quando a prática do delito se der por inobservância de um dever de cuidado objetivo, que torne o resultado ao menos previsível, agindo o autor com negligência, imprudência ou imperícia.378

As penas previstas na citada Lei n. 9.605/1998 são ferramentas que podem impulsionar a preservação do meio ambiente jurídico, mostrando-se eficazes para conter as práticas das condutas lesivas ao meio ambiente. Entretanto, a sanção a ser aplicada deve ser sopesada, a fim de não atingir terceiros que dependam da respectiva atividade econômica, caso contrário estaria ultrapassando a pessoa do condenado, além de mitigar a sua função educativa.

Anote-se que, embora a passos lentos, a indústria tem respondido de maneira bem positiva à nova realidade socioeconômica e ambiental, na medida em que, ajustando a ótica de suas escolhas, torna-se mais sustentável para não sofrer penalizações, até porque custa bem menos. Esse comportamento demonstra a eficácia da responsabilização criminal ambiental da pessoa jurídica, como tutela do meio ambiente.

Em suma, lidar com a complexidade da pessoa jurídica é missão árdua, haja vista ter sido ela o pivô do poderoso fenômeno da globalização, por meio dos intemináveis mecanismos de associação, não raro, criando um verdadeiro emaranhado, que o aplicador do direito pacientemente precisa desembaraçá-lo; uma missão imperiosa na tutela do meio ambiente.379

377 BRASIL. Tribunal Regional Federal. 4ª Região. 7200 SC 0013157-10.2009.404.7200, Sétima

Turma. Relator Luiz Carlos Canalli. Porto Alegre, RS. Julgado em 01.03.2011. Publicado em D.E. 11.03.2011. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12551>. Acesso em: 5 jun. 2014.

378 CLAUDINO, Cleyce Marby Dias. Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes

ambientais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12551>. Acesso em: 25 jun. 2014.

379D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do