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O termo “função” exprime a ideia de realizar algo, uma atividade dirigida a um fim que, aplicado à concepção jurídica, projeta-se de forma a designar a finalidade jurídica de um instituto ou, ainda, uma série de atos unificados em razão do mesmo objetivo legal. Assim, por exemplo, a função social regulamentada em lei, portanto, dotada da concepção jurídica, é aquela que deve ser desempenhada em benefício da coletividade.391

A expressão “função social” tem como fundamento o novo valor da “socialidade”, que surgiu com a evolução geral do direito brasileiro. Diferentemente do valor do individualismo – em que o direito gira em torno do indivíduo, enquanto titular de direito subjetivo 392 –, socialidade caracteriza o bem-estar que as relações

econômicas devem gerar para a sociedade em geral. A função social deve permear o agir, o empreender, de forma a não violar os direitos de outrem.

391 D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001, p. 152-153.

392 ALVIM, Arruda. Do direito das coisas. Função social da propriedade – referências históricas

precedentes In: ARRUDA ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Comentários ao

Código civil brasileiro. Livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil. Rio de Janeiro: Forense,

A função social da atividade industrial tem sua base na função social da empresa, esta, por sua vez, uma evolução da função social da propriedade, que abrange uso, gozo e fruição, na sua concepção social.393

Para León Duguit394:

Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade um papel em função direta do lugar em que nela ocupa. Assim, o possuidor de riqueza, pela mesma razão pela qual possui a riqueza, pode fazer um trabalho que só ele pode executar. Só ele pode aumentar a riqueza geral fazendo valer o capital que possui. Está, pois, socialmente obrigado a executar essa tarefa e não será socialmente protegido além do que ele realiza e na medida em que realiza. A propriedade não é, portanto, o direito subjetivo do proprietário: é a função social do detentor da riqueza. [Tradução nossa].

Na linha de raciocínio de Clarissa Ferreira Macedo D’Isep395:

A concretização da função social da propriedade que permeia todo o ordenamento jurídico estabelece pontos de conexão com as demais disposições, que acabam por desaguar em diversos ramos do direito, a exemplo do direito econômico, ambiental e do consumidor, fazendo com que ganhe diferentes contornos.

Assim, ao impor a necessidade de a propriedade atender a sua função social, a Constituição Federal, em seus artigos 5º, incisos XXII e XXIII, 170, inciso III, 182, § 2º, 186, incisos I, II, III e IV396, alarga o conceito de função social da

393D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do

modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001, p. 156.

394 DUGUIT, Leon. Las Transformaciones Generales del Derecho Privado desde el Código de Napoleón. 2. ed., Madrid, Francisco Beltran, 1920, p. 178. Apud ALVIM, Arruda. Do direito das coisas.

Função social da propriedade – referências históricas precedentes In: ARRUDA ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alvim; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Comentários ao Código civil brasileiro. Livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil, p. 283. No original: “Todo individuo tiene la obligación de cumplir en la sociedad una certa función en razón directa del lugar que en ella ocupa. Ahora bien, el poseedor de la riqueza, por lo mismo que posee la riqueza, puede realizar un cierto trabajo que sólo él puede realizar. Sólo él puede aumentar la riqueza general haciendo valer el capital que posee. Está, pués, obligado socialmente a realizar esta tarea, y no será protegido socialmente más que si la cumple y en la medida que la cumpla. La propriedad no es, pues, el derecho subjetivo del proprietário; es la función social del tenedor de la riqueza”.

395D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do

modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001, p. 156.

396 CF, art. 5º: “[...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua

função social; [...]”.

CF, art. 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] III – função social da propriedade”.

CF, art. 182: “[...] § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano director; [...]”.

CF, art. 186. “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende. simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I -

propriedade somadas das funções ambiental e econômica, corroborando, assim, valores fundamentais como o da dignidade humana.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, sobre a dignidade humana, dissertam:

Dignidade da pessoa humana. Os valores fundamentais, encartados na estrutura polÍtico-jurídica, da Carta Magna, refletem-se em princípios gerais de direito quando informam seus elementos e privilegiam a realidade fundamental do fenômeno jurídico, que é a consideração primordial e fundamental de que o homem é sujeito de direito e, nunca, objeto de direito. Esse reconhecimento principiológico se alicerça em valor fundamental para o exercício de qualquer elaboração juridical; está no cerne daquilo que a Ciência do Direito experimentou de mais especial; está naquilo que o conhecimento jusfilosófico buscou com mais entusiasmo e vitalidade: é a mais importante consideração jus-filosófica do conhecimento científico do Direito. É o fundamento axiológico do Direito; é a razão de ser da proteção fundamental do valor da pessoa e, por conseguinte, da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro (João Paulo II. Evangelium Vitae, SP: Edições Paulinas, 1995, p. 22). 397

O direito de propriedade obriga seu proprietário a utilizar adequadamente a coisa, em relação ao bem comum. Extensivamente, o empreendedor da atividade industrial é convocado a exercer a atividade econômica financeira, não apenas em benefício próprio, mas também “em prol do bem coletivo”, da segurança, do bem- estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental.398

Com efeito, a função social compreende a atividade econômica e ambiental, com seus valores impregnados. Em decorrência, deve obediência a seus princípios, revelando um movimento cíclico, partes de um mesmo todo. 399

Nesse contexto, a atividade industrial, fonte geradora de riquezas – bens e serviços –, que antes visava ao lucro sem se importar com a finitude dos recursos

aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

397 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p. 151.

398 ALVIM, Arruda. Do direito das coisas. Função social da propriedade – referências históricas

precedentes. In: ARRUDA ALVIM, Thereza; CLÁPIS, Alexandre Laizo (Coord.). Comentários ao

Código civil brasileiro. Livro introdutório ao direito das coisas e o direito civil, p. 263.

399D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito ambiental econômico e a ISO 14000: análise jurídica do

naturais, após o movimento da ecologização parece alinhar-se com o novo paradigma do desenvolvimento econômico sustentável.