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O Campeonato Europeu de futebol de 1968 foi disputado antes de se resolver que a cobrança de pênaltis seria o meio de definir um jogo empatado. Então, como Itália e União Soviética não tinham marcado nenhum gol depois da prorrogação da semifinal, lançou-se uma moeda para decidir qual dos dois times passaria à final. Desde os tempos dos romanos antigos se reconhece que a moeda é um modo justo de decidir uma disputa. Afinal, enquanto ela gira no ar, é impossível dizer como vai cair. Ou não é?

Teoricamente, se soubéssemos a posição da moeda enquanto ela girava e quando chegaria ao chão, seria possível calcular como ela cairia. Mas, assim como o clima, uma diferença mínima em qualquer um desses fatores não provocaria um resultado completamente diferente? Persi Diaconis, matemático da Universidade de Stanford, na Califórnia, resolveu testar se o lançamento de uma moeda é imprevisível como pensamos. Se as condições forem idênticas, toda vez que se lançar uma moeda, então a matemática sempre provocará o mesmo resultado. Mas estará a assinatura do caos oculta dentro do lançamento de uma moeda? E se mudarmos

essas condições iniciais muito de leve — será que as mudanças se amplificam, de tal modo que, quando a moeda cair, será impossível saber se dará cara ou coroa?

Com o auxílio de amigos engenheiros, Diaconis construiu uma máquina de lançamento mecânico de moedas, capaz de reproduzir as condições do lançamento repetidas e repetidas vezes. Claro, haveria diferenças mínimas entre um lançamento e outro, mas será que essas diferenças provocariam resultados distintos, como o pêndulo oscilando entre os três imãs? Diaconis descobriu que, toda vez que repetia o experimento com a lançadora de moedas mecânica, a moeda caía sempre do mesmo lado. Então fez um treinamento para conseguir lançar a moeda de maneira idêntica toda vez que obtivesse dez caras seguidas. Tome cuidado para não apostar em lançamento de moedas com pessoas como Persi Diaconis.

Mas, e quanto à média dos lançadores de moedas humanos, que mudam o jeito de jogar a moeda de um lançamento para outro? Diaconis indagou se ainda haveria algum viés. Para começar sua análise matemática, ele precisava de um perito em objetos giratórios. Soube que tinha o homem necessário quando conheceu Richard Montgomery, cuja corrida para a fama baseava-se em provar o teorema do gato — que explica por que um gato lançado de qualquer ângulo sempre cai de pé. Ele e a estatística Susan Holmes demonstraram que uma moeda girando, lançada com um peteleco do polegar, tende a cair com um lado específico para cima.

Para converter a teoria em números de verdade, precisaram fazer uma análise meticulosa de como uma moeda girando se move no ar. Com o auxílio de uma câmera digital de alta velocidade, capaz de registrar 10 mil quadros por segundo, captaram o movimento de uma moeda e alimentaram de dados seu modelo teórico. O que descobriram talvez surpreenda: de fato, há um viés no lançamento de uma moeda. É um viés pequeno: 51% das vezes a moeda tendia a cair com a mesma face que estava para cima quando foi lançada no ar. A razão parece estar relacionada à física do bumerangue ou do giroscópio. Parece que a moeda girando também sofre precessão, como um giroscópio, e, assim, passa ligeiramente mais tempo no ar com a face que de início estava virada para cima. A diferença é insignificante para um lançamento, mas, a longo prazo, pode se tornar muito significativa.

O cassino é uma empresa que se preocupa com o longo prazo. O lucro depende de probabilidades no decorrer do tempo. Para cada lançamento de dados ou giro da roleta, o cassino depende de você errar a previsão de quanto sairá nos dados ou de onde cairá a bolinha. Contudo, da mesma maneira como no lançamento da moeda, se você souber, de forma precisa, as posições iniciais da roleta e da bolinha, e suas velocidades iniciais, teoricamente pode aplicar a física newtoniana para determinar onde a bolinha cairá. Faça a roleta começar a girar da mesma posição e com a mesma velocidade, e o crupiê lançar a bolinha exatamente da mesma forma, todas as vezes, e a bola cairá sempre no mesmo lugar. O problema é o mesmo que Poincaré descobriu: até uma pequena mudança nas posições e velocidades iniciais da roleta e da bolinha pode ter efeito drástico sobre o lugar onde ela cairá. O mesmo acontece com os dados.

Mas isso não significa que a matemática não o ajuda a estreitar a faixa onde a bolinha cairá. Você pode observá-la girando em volta da roleta algumas vezes antes de fazer sua aposta, de modo que tenha chance de analisar a trajetória e predizer o destino final. Três pessoas da Europa Oriental — uma mulher húngara descrita como “linda e chique” e dois “elegantes” homens sérvios — fizeram exatamente isso. Usaram matemática para provocar uma catástrofe na roleta do cassino do London Ritz, em março de 2004.

Usando um escâner a laser escondido dentro de um telefone celular conectado a um computador, gravaram o giro da roleta em relação à bolinha durante duas rotações. O computador calculou uma região de seis números dentro da qual previa que a bolinha iria cair. No terceiro giro da roleta, os jogadores posicionaram suas apostas. Tendo aumentado suas chances de ganhar, de 37:1 para 6:1, o trio colocou as apostas nos seis números da seção onde o computador predisse que a bolinha cairia. Na primeira noite, eles embolsaram £ 100 mil. Na segunda noite, ganharam estonteantes £ 1 milhão e 200 mil. Apesar de serem presos e mantidos sob fiança policial durante nove meses, foram liberados com a permissão de ficar com os ganhos. Equipes de peritos concluíram que eles não tinham feito nada para manipular a roleta.

Os jogadores perceberam que, embora haja caos na roleta, uma pequena mudança nas posições iniciais da bolinha e da roleta nem sempre provoca alterações enormes nos resultados. É nisso que os meteorologistas se apoiam quando fazem previsões do tempo. Às vezes, quando rodam seus modelos computadorizados, descobrem que as mudanças de condições do tempo hoje não têm efeitos drásticos sobre a previsão. O computador dos jogadores fez a mesma coisa, percorrendo milhares de cenários diferentes para ver onde a bolinha poderia cair. Ele não conseguiu identificar a posição exata, mas uma região de seis números bastava para aumentar as chances em favor dos jogadores.

Você pode pensar, com base no que leu até agora, que a natureza se divide em problemas simples e previsíveis — como uma bola caindo do alto da Torre de Pisa — e problemas caóticos e difíceis de prever — como o clima. Mas as coisas não são definidas com tamanha nitidez. Às vezes, o que começa como algo facilmente previsível se torna caótico quando se altera uma pequena fração de alguma coisa.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 189-191)

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