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Transmissão da mensagem

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 141-145)

Quer sua mensagem esteja codificada, quer não, você ainda precisa achar um jeito de transmiti-la de um lugar a outro. Muitas culturas antigas, dos chineses aos nativos americanos, usavam sinais de fumaça como meio de se comunicar a grandes distâncias. Diz-se que as fogueiras acesas na Grande Muralha da China podiam emitir uma mensagem por cerca de 500 quilômetros ao longo da muralha em questão de horas.

Códigos visuais baseados em bandeiras datam de 1684, quando Robert Hooke, um dos mais famosos cientistas do século XVII, sugeriu a ideia à Royal Society de Londres. A invenção do telescópio possibilitava comunicar sinais visuais a grandes distâncias, mas Hooke foi induzido por algo que provocou muitos avanços tecnológicos: a guerra. No ano anterior, a cidade de Viena quase fora capturada pelo exército turco sem que o restante da Europa soubesse. De repente, tornou-se questão de urgência descobrir algum modo de enviar mensagens céleres e a grandes distâncias.

Hooke propôs montar um sistema de torres pela Europa. Se uma torre mandasse uma mensagem, esta seria repetida por todas as outras dentro do campo visual — uma versão bidimensional da maneira como as mensagens eram transmitidas ao longo da Grande Muralha da China. O método de emitir as mensagens não era muito sofisticado: caracteres enormes eram içados por cordas. A proposta de Hooke acabou não sendo implantada, e passaram-se mais cem anos até que uma ideia parecida fosse posta em prática.

Em 1791, os irmãos Claude e Ignace Chappe construíram um sistema de torres para acelerar os comunicados do governo revolucionário francês (embora uma torre tenha sido atacada pelas turbas, pensando que transmitia mensagens monarquistas). A ideia proveio de um sistema que os irmãos haviam usado para enviar informações entre alojamentos no rígido internato que haviam frequentado quando crianças. Eles experimentaram uma porção de modos diferentes de mandar mensagens visuais, e por fim optaram por barras de madeira colocadas em diferentes ângulos, que o olho humano podia discernir com facilidade.

FIGURA 4.03: O código dos irmãos Chappe era transmitido via braços de madeira articulados.

Os irmãos desenvolveram um código baseado num sistema móvel de braços de madeira articulados representando diferentes letras ou palavras comuns. O braço transversal principal podia ser colocado em quatro ângulos distintos, enquanto dois braços menores, presos às extremidades do transversal, tinham sete posições diversas, possibilitando comunicar um total de 7 × 7 × 4 = 196 símbolos diferentes. Embora parte do código fosse usada para comunicação pública, 92 dos símbolos, combinados em pares, eram empregados pelos irmãos para um código secreto, representando 92 × 92 = 8.464 diferentes palavras ou frases.

No primeiro teste, em 2 de março de 1791, os irmãos Chappe enviaram com êxito a mensagem “Se você tiver êxito, em breve desfrutará a glória” a uma distância de 15 quilômetros. O governo ficou suficientemente impressionado com a proposta dos irmãos, a ponto de, em quatro anos, construir-se um sistema de torres e bandeiras que se estendia por toda a França. Em 1794, uma linha de torres, cobrindo uma distância de quase 230 quilômetros, comunicou com êxito a notícia de que a França havia capturado a cidade de Condé-sur-l’Escault dos austríacos menos de uma hora depois da vitória. Infelizmente, o êxito não conduziu à glória que a primeira mensagem predissera. Claude Chappe ficou tão deprimido ao ser acusado de plagiar antigos projetos de telégrafo que acabou se afogando num poço.

FIGURA 4.04: Letras e números tais como foram transmitidos pelo sistema de comunicação dos irmãos Chappe.

Não demorou muito para que bandeiras começassem a substituir os braços de madeira no alto das torres, e também foram adotadas por marinheiros para comunicar-se no mar. Pois tudo que precisavam fazer era agitá-las numa posição visível aos outros navios. Talvez a mensagem em código mais famosa enviada entre navios por bandeiras tenha sido a da Figura 4.05, enviada às 11h45 de 2 de outubro de 1805.

Foi a mensagem que Horatio Nelson içou em sua nau capitânia HMS Victory momentos antes de a Marinha britânica engajar-se no choque decisivo que levou à vitória na Batalha de Trafalgar. A Marinha usava um código secreto desenvolvido por outro almirante, sir Home Popham. Manuais do código foram distribuídos a cada um dos navios da Marinha, e eram amarrados a chumbo, de modo que, se o navio fosse tomado, o manual podia ser lançado ao mar para impedir que o inimigo capturasse a cifra secreta.

FIGURA 4.05: A famosa mensagem do almirante Nelson.

O código funcionava usando combinações de dez diferentes bandeiras, em que cada bandeira representava um numeral diferente de 0 a 9. As bandeiras seriam hasteadas no mastro

de um navio, três de cada vez, indicando um número de 000 a 999. O receptor da mensagem consultaria então o manual do código para ver que palavra estava codificada por aquele número. “England” — Inglaterra — estava codificada pelo número 253, e a palavra “man” — homem —, pela 471. Algumas palavras, como “duty” — dever —, não estavam no manual, e precisaram ser soletradas pelas bandeiras reservadas para letras individuais. Originalmente, Nelson quis mandar a mensagem “A Inglaterra acredita que cada homem cumprirá o seu dever”, no sentido de que a Inglaterra tinha confiança, mas o oficial encarregado da sinalização, tenente John Pasco, não conseguiu achar a palavra “acredita” no manual. Em vez de soletrá-la, educadamente sugeriu a Nelson que “espera” (que estava no manual) era melhor.

O uso de bandeiras foi sobrepujado pela evolução das telecomunicações, mas o sistema moderno, segurando uma bandeira em cada mão, é aprendido até hoje pelos marinheiros, sendo conhecido como semáfora. Há oito posições diferentes para cada braço, formando 8 × 8 = 64 diferentes símbolos possíveis.

FIGURA 4.06: Semáfora.

Para ver como uma mensagem é traduzida em semáfora, confira http://bit.ly/Scoutse maphore ou escaneie o código com seu smartphone.

NUJV!

Na capa do álbum Help!, os Beatles aparentemente usam a semáfora para anunciar o título. Porém, apesar de fazerem sinais de semáfora, quando se decodifica a mensagem ela não significa help, e sim NUJV. Robert Freeman, que teve a ideia de usar a semáfora na capa, explicou: “Quando fomos tirar a foto, o arranjo dos braços com aquelas letras não tinha uma composição visual muito boa. Então resolvemos improvisar, e adotamos o melhor posicionamento gráfico dos

braços.” Eles deveriam estar fazendo isso:

FIGURA 4.07

FIGURA 4.08

Os Beatles não foram a única banda a usar códigos incorretamente numa capa de disco, como veremos adiante.

FIGURA 4.09: Você sabia que o símbolo da paz usado pela Campanha do Desarmamento Nuclear é, na verdade, uma semáfora? Ele representa as letras N e D combinadas num único símbolo.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 141-145)

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