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Como trapacear no pôquer e fazer mágica usando o problema de US$ 1 milhão dos números primos

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 101-103)

Jogadores trapaceiros e mágicos não embaralham as cartas do mesmo jeito que nós. Com horas de prática, é possível aprender como fazer algo chamado embaralhada perfeita. Nessa embaralhada, o monte de cartas é cortado exatamente em dois, e aí as cartas são entremeadas uma de cada vez em dois montes. Se você estiver jogando pôquer, essa embaralhada é muito perigosa.

Imaginemos quatro pessoas sentadas a uma mesa de pôquer formada pela banca, seu cúmplice e dois jogadores inocentes, prestes a serem tungados. A banca põe quatro ases em cima do baralho. Após uma embaralhada perfeita, os ases estão separados por duas cartas. Após outra embaralhada perfeita, os ases estão separados por quatro cartas — perfeitamente dispostos para a banca acertar com o cúmplice uma mão de quatro ases.

interessante propriedade que ela tem. Se você pegar um baralho de 52 cartas e fizer a embaralhada perfeita oito vezes, então, surpreendentemente, todas as cartas retornam à posição original no baralho. Para o espectador, o ato de embaralhar parece ter deixado o baralho totalmente aleatório. Afinal, oito embaralhadas feitas por um jogador normal é mais do que a maioria faz no começo do jogo. Na verdade, os matemáticos provaram que bastam apenas sete embaralhadas de um jogador de cartas normal para o baralho perder toda sua estrutura original e se tornar aleatório. Mas a embaralhada perfeita não é uma embaralhada comum. Pense no baralho como algo parecido a uma moeda de oito faces, e a embaralhada perfeita é como girar a moeda ⅛ de volta. Depois de oito rotações, a moeda volta à posição de partida.

Quantas vezes você teria de dar uma embaralhada perfeita num baralho com mais de 52 cartas para elas retornarem às posições originais? Se você adicionar dois coringas e der a embaralhada perfeita num baralho de 54 cartas, serão necessárias 52 embaralhadas para completar o ciclo todo. Mas se você adicionar outras dez cartas e completar 64, bastam agora seis para recolocar o baralho em sua sequência original. Então, qual a matemática que diz quantas vezes dar uma embaralhada perfeita num baralho de 2n cartas (precisa ser um número par) para que todas as cartas voltem às posições iniciais?

Numere as cartas 0, 1, 2, e assim por diante, até 2n – 1, e você verá que a cada embaralhada perfeita a posição de uma carta dobra. A carta 1 (que, na verdade, é a segunda) torna-se a carta 2. Após outra embaralhada a carta 2 torna-se a carta 4, depois a 8. A matemática fica mais fácil se dermos à primeira carta o número zero.

Para onde vão as cartas que estão mais para o fim do baralho? A maneira de descobrir a localização de cada carta é pensar num relógio marcando 2n – 1 horas, de modo que um baralho de 52 cartas é como um relógio com horas de 1 a 51. Se você quer saber para onde foi a carta 32, duplique 32, o que você faz começando na hora 32 e contando 32 horas para diante, o que leva você à hora 13. Para descobrir quantas vezes dar a embaralhada perfeita para trazer todas as cartas de volta à posição inicial, preciso descobrir quantas vezes tenho de duplicar os números nesse relógio para retornar à posição original. Efetivamente, basta olhar o número 1 e descobrir quantas vezes preciso dobrá-lo para voltar a 1. Num relógio de 51 horas, eis aonde eu chego dobrando repetidamente o 1:

1 → 2 → 4 → 8 → 16 → 32 → 13 → 26 → 1

O que vale para o 1 funciona para todos os outros números, porque, essencialmente, dar oito embaralhadas perfeitas é o mesmo que multiplicar a posição das cartas por 28, que é o mesmo que multiplicar por 1 — isto é, a carta fica onde está.

Qual o número máximo de vezes que você teria de embaralhar um baralho para voltar à ordem inicial? Pierre de Fermat provou que se 2n – 1 for primo, e você continuar duplicando num relógio 2n – 1, então, após 2n – 2 duplicações você decididamente estará de volta ao ponto em que começou. Se for um baralho de 54 cartas, uma vez que 54 – 1 = 53 é primo, 52 embaralhadas perfeitas com certeza serão suficientes.

Precisamos de uma fórmula ligeiramente mais complicada para calcular o número máximo de embaralhadas perfeitas se 2n – 1 não for primo. Se 2n – 1 = p × q, onde p e q são primos, então (p – 1) × (q – 1) embaralhadas perfeitas é o máximo necessário para devolver o baralho

à sua ordem original. Se for um baralho de 52 cartas, 52 – 1 = 51 = 3 × 17, e assim (3 – 1) × (17 – 1) = 2 × 16 = 32 embaralhadas perfeitas certamente serão o suficiente — mas, na verdade, você pode conseguir com apenas oito. (No próximo capítulo provarei o bocadinho de mágica de Fermat e explicarei como o mesmo bocadinho de matemática está na essência dos códigos usados para proteger nossos segredos na internet.)

Dica de pôque r

Existe uma versão popular de pôquer chamada Texas Hold’em: cada jogador é servido com duas cartas viradas com a face para baixo. A pessoa que serve coloca então na mesa cinco cartas com a face para cima. Você escolhe as cinco melhores cartas combinando as duas que tem na mão e três das cinco que estão na mesa, para tentar ganhar da mão dos adversários. Se você receber duas cartas consecutivas (digamos, um sete de paus e um oito de espadas), começa a se empolgar com a possibilidade de uma sequência (cinco cartas consecutivas de qualquer naipe, como 6, 7, 8, 9, 10).

Uma sequência é uma mão forte porque as chances de tirá-la são bem reduzidas, então você pode achar que duas cartas consecutivas valem uma boa aposta, pois está com a promessa de uma sequência. Bem, agora é a hora de você se lembrar da dica da loteria. Dois números consecutivos aparecem com bastante frequência na loteria, e o mesmo vale no pôquer. Você sabia que mais de 15% das mãos iniciais servidas no Texas Hold’em têm duas cartas consecutivas? Mas um pouco menos de delas se transforma numa sequência completa na hora em que forem colocadas as cinco cartas sobre a mesa.

Uma questão matemática que vigora há duzentos anos, até o trabalho de Gauss, é a seguinte: existem infinitos números n com a propriedade de que um baralho de 2n cartas efetivamente precise o número completo de embaralhadas perfeitas? Esse problema está relacionado à hipótese de Riemann, a pergunta de US$ 1 milhão sobre os números primos que encerrou o Capítulo 1. Se os primos estão distribuídos conforme prediz a hipótese de Riemann, então haverá um número infinito de baralhos que precisam de um número máximo de embaralhadas. O Círculo Mágicod e os jogadores ao redor do mundo provavelmente não aguardam sem fôlego a resposta, mas os matemáticos estão curiosos em saber como os primos podem se relacionar à questão de embaralhar as cartas. Não seria surpresa se houvesse uma relação, porque os primos são tão fundamentais para a matemática que acabam pipocando nos mais estranhos lugares.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 101-103)

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