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Por que Wayne Rooney resolve uma equação de segundo grau toda vez que chuta de primeira para o gol?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 176-180)

“Beckham cobra a falta, Rooney entra na área, chuta de primeira… Goool!!!”

Mas como Rooney fez isso? Talvez você nem pense nisso, mas Rooney tem de ser muito bom em matemática para conseguir marcar um gol desses. Toda vez que ele se posiciona para receber uma cobrança de falta de Beckham, resolve subconscientemente outra das equações concebidas por Galileu para poder prever onde a bola vai cair.

Equações são como receitas. Pegue os ingredientes, misture de uma determinada maneira e a equação cospe o resultado. Para construir a equação que Rooney terá de resolver, Galileu precisa dos seguintes ingredientes: a velocidade horizontal da bola que vem chegando (u), a velocidade vertical (v) que a bola adquiriu ao deixar o pé de Beckham e o efeito da gravidade, sintetizado no número g, que diz a Rooney como a velocidade vertical da bola varia em cada segundo. O valor de g depende do planeta em que se joga futebol; na Terra, a gravidade faz aumentar a velocidade em, aproximadamente, 9,8 metros por segundo a cada segundo. A equação de Galileu então diz a Rooney a altura da bola em qualquer ponto em relação ao lugar de onde foi cobrada a falta. Por exemplo, se a bola está a uma distância horizontal de x metros de onde Beckham cobrou a falta, a altura acima do chão será de y metros, onde y é dado pela equação:

A receita é o conjunto de instruções matemáticas sobre o que fazer com todos esses números; o resultado é a altura da bola em certo ponto de sua trajetória.

Para Rooney resolver a que distância se colocar da cobrança da falta para chutar de primeira ou cabecear a bola para o fundo da rede, ele precisa desfazer a equação e trabalhar de trás para diante. Primeiro, decide que quer cabecear. Rooney tem, aproximadamente, 1,80 metro de altura, então a bola precisa estar a uma altura de 1,80 metro se ele quiser cabecear (sem pular). Ele conhece os valores de u, v e g. Vamos escolher alguns números aproximados:

u = 20, v = 10, g = 10

(Se você está preocupado com unidades, as velocidades u e v são em metros por segundo, e g é em metros/segundo2.)

A única coisa que Rooney não sabe é a que distância de Beckham se colocar para interceptar a bola da maneira correta. Mas a equação possui essa informação codificada em seu conteúdo, só que não é aparente. A equação diz que Rooney deve ficar a x metros de Beckham, onde x é o número que torna a equação

verdadeira. Fazendo as simplificações e rearrumando a equação, teremos

x2 – 40x + 144 = 0

Esse tipo de equação parece familiar — é uma equação que todos aprendemos a resolver na escola, e chama-se equação de segundo grau. Pense nela como uma dica crítica de um jogo de palavras cruzadas, escondendo o verdadeiro valor de x.

Surpreendentemente, o primeiro povo a começar a resolver equações desse tipo foram os antigos babilônios. Suas equações de segundo grau, ou quadráticas, não descreviam trajetórias de bolas de futebol, mas apareciam quando faziam levantamentos topográficos em torno do rio Eufrates. Uma equação quadrática surge toda vez que se tenta calcular uma grandeza multiplicada por si mesma. Nós chamamos esse valor de “quadrado” porque ele nos dá a área de um quadrado, e foi no contexto do cálculo da área de um terreno que as equações quadráticas foram formuladas pela primeira vez.

Eis um problema típico: se um campo retangular tem uma área de 55 unidades quadradas e um lado é 6 unidades mais curto que o outro, qual o comprimento do lado maior? Se chamarmos o lado maior de x, então o problema nos diz que x × (x – 6) = 55, ou, simplificando,

x2 – 6x + 55 = 0

Mas como se faz para desvendar essa pista matemática críptica?

Os babilônios inventaram um método elegante: desmanchavam o retângulo e rearranjavam os pedaços de modo a formar um quadrado, forma mais fácil de lidar. Podemos dividir em pedaços o nosso campo exatamente como os escribas babilônios teriam feito milhares de anos atrás (Figura 5.02).

Comecemos cortando um pequeno retângulo medindo 3 × (x – 6) unidades na extremidade do retângulo; em seguida o viramos na horizontal e, nessa posição, o encaixamos na base do retângulo. A área total não mudou, apenas o formato. O novo formato agora é quase um quadrado com um lado que mede x – 3 unidades. Falta, porém, um pequeno quadrado de 3 × 3 no canto. Se acrescentarmos esse pequeno quadrado, aumentaremos a área original em 9 unidades. Portanto, a área desse novo quadrado grande é 55 + 9 = 64 unidades. Agora temos a

tarefa simples de tirar a raiz quadrada de 64 para descobrir o comprimento do lado, que deve ser 8. Mas o lado desse quadrado grande tinha 3 unidades a menos que o lado maior do retângulo, portanto x – 3. Então, x – 3 = 8 e x = 11. Embora estivéssemos apenas embaralhando pedaços imaginários de terreno, isso estabelece um método geral para resolver essas quadráticas crípticas.

FIGURA 5.02: Como resolver uma equação quadrática completando um quadrado.

Uma vez criada a álgebra, no século IX, no atual Iraque, foi possível escrever uma fórmula que captava o método babilônico. A álgebra foi desenvolvida pelo diretor da Casa do Saber em Bagdá, um homem chamado Muhammad ibn-Musa al-Khwarizmi. A Casa do Saber era o principal centro intelectual da época, atraindo eruditos do mundo inteiro para estudar astronomia, medicina, química, zoologia, geografia, alquimia, astrologia e matemática. Os estudiosos muçulmanos coletaram e traduziram muitos textos antigos, salvando-os para a posteridade — sem a intervenção deles, talvez nunca tivéssemos conhecimento das culturas antigas de Grécia, Egito, Babilônia e Índia. No entanto, os estudiosos da Casa do Saber não se contentaram em traduzir a matemática de outros povos. Queriam criar uma matemática própria para fazer o tema progredir.

A curiosidade intelectual era ativamente incentivada nos primeiros séculos do Império Islâmico. O Corão ensinava que o conhecimento do mundo aproximava as pessoas do conhecimento sagrado. Na verdade, o islã exigia habilidades matemáticas, porque o muçulmano devoto tinha de calcular os horários das preces e precisava saber a direção de Meca, pois devia estar voltado para aquela direção nas orações.

A álgebra de Al-Khwarizmi revolucionou a matemática. Álgebra é uma linguagem que explica os padrões subjacentes ao comportamento dos números, e sua gramática está por trás do modo como os números interagem. Um pouquinho semelhante a um código para rodar um programa de computador, ela trabalha com os números que você usa para alimentar o programa. Embora os babilônios antigos tivessem divisado um método astuto de resolver equações quadráticas específicas, foi a formulação algébrica de Al-Khwarizmi que, em última análise, levou a uma fórmula que podia ser usada para resolver qualquer equação de segundo grau.

Sempre que se tem uma equação quadrática do tipo ax2 + bx + c = 0, onde a, b e c são números, então o jogo de montar geométrico pode ser traduzido numa fórmula com x de um lado e uma receita combinando a, b e c do outro:

É essa fórmula que permite a Rooney desfazer a equação controlando o voo da bola para deduzir onde deve se colocar. Nós o deixamos quando sabia que precisava se situar a x metros da posição de cobrança da falta, onde

x2 – 40x + 144 = 0

Usando a álgebra, ele pode deduzir que deve se posicionar a 36 metros de Beckham para interceptar a bola com a cabeça.

Como foi que ele fez isso? Bem, na equação de segundo grau que controla o chute de Beckham, a = 1, b = –40 e c = 144. Então, a fórmula para desfazer a equação nos diz que a distância que Rooney deve se posicionar de Beckham é

Interessante notar que, como –32 também é raiz quadrada de 1.024, obtemos outra solução:

x = 4 metros. Este é o ponto em que a bola está a 1,80 metro subindo na sua trajetória; Rooney

vai esperar até que a bola comece a cair. Como sempre existe uma raiz quadrada negativa, além da positiva, temos sempre duas soluções para a fórmula. Para indicar isso, às vezes a equação vem com o sinal ± em vez de + na frente do símbolo de raiz quadrada.

Claro que Rooney usa uma abordagem muito mais intuitiva, que não exige dele cálculos matemáticos mentais durante 90 minutos. Mas isso mostra como o cérebro humano é praticamente programado pela evolução para ser bom em previsões.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 176-180)

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