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O que é uma calculadora-relógio?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 160-163)

Os aprimoradíssimos códigos usados na rede dependem, na verdade, de uma invenção matemática concebida centenas de anos antes de alguém nem sequer sonhar com a internet: a calculadora-relógio. Na próxima seção veremos como as calculadoras-relógio são usadas nos códigos da internet, mas primeiro vamos dar uma olhada em como elas funcionam.

estamos familiarizados — sabemos que 4 horas depois das 9 será 1 hora. Isso é o mesmo que somar os números e descobrir o resto depois de dividir por 12, e escreve-se da seguinte maneira:

4 + 9 = 1 (módulo 12)

Escrevemos “módulo 12”, pois 12 é o módulo, o ponto a partir do qual os números recomeçam. Podemos fazer somas semelhantes com diferentes números de horas, em vez de nos atermos apenas ao 12. Por exemplo, num relógio de 10 horas:

4 + 9 = 3 (módulo 10)

Como multiplicar numa calculadora-relógio? A multiplicação consiste em fazer a adição certo número de vezes. Por exemplo, 4 × 9 significa somar 4 números 9. Então, onde vai parar o ponteiro num relógio de 12 horas depois de somarmos 4 números 9? 9 + 9 equivale a 6 horas. Cada vez que somamos um 9, o ponteiro do relógio recua 3 horas, até chegarmos a 12 horas. Como 0 é um número importante em matemática, nós denominamos essa posição de 0 hora numa calculadora-relógio. Assim, obtemos esse resultado de aparência esquisita:

4 × 9 = 0 (módulo 12)

E para elevar um número a alguma potência? Peguemos 94, que significa multiplicar 4 vezes o 9. Acabamos de aprender a fazer uma multiplicação modular, de maneira que deveríamos fazer isso com bastante facilidade. Como agora os números estão ficando muito grandes, será mais fácil pegar o resto depois de dividir por 12, em vez de ficar perseguindo números em volta do relógio. Comecemos por 9 × 9, que é 81. Qual o resto da divisão por 12 — em outras palavras, o que significa dizer que “são 81 horas”? Descobrimos que é, mais uma vez, 9. Por mais que multipliquemos 9 a outros 9, sempre acabaremos com 9:

9 × 9 = 9 × 9 × 9 = 9 × 9 × 9 × 9 = 94 = 9 (módulo 12)

O resultado numa calculadora-relógio é obtido calculando-se o resultado numa calculadora normal e pegando o resto após a divisão do número de horas naquele relógio específico. Mas a magia da calculadora-relógio é que muitas vezes não é preciso primeiro fazer o cálculo na calculadora convencional. Você consegue adivinhar quanto é 799 numa calculadora-relógio de 12 horas? Dica: faça primeiro 7 × 7, então multiplique o resultado de novo por 7. Você percebe algum padrão?

Fermat fez uma descoberta fundamental acerca de uma calculadora-relógio com número primo de horas, digamos, p. Ele descobriu que, se você pega um número nessa calculadora e o eleva à potência p, sempre obtém o número inicial. Agora isso é chamado de pequeno teorema de Fermat, para distingui-lo do famoso “último” teorema.

TABELA 4.13

À medida que o ponteiro vai mapeando as horas, emerge um padrão. Após p – 1 passos, temos a garantia de que no passo seguinte voltaremos ao ponto em que começamos, de modo que o padrão se repete a cada p – 1 passos. Às vezes o padrão se repete várias vezes durante

p – 1 passos. Num relógio de 13 horas, eis o que veremos ao percorrer as diversas potências

de 3, começando por 31, 32, e assim por diante, até 313:

3, 9, 1, 3, 9, 1, 3, 9, 1, 3, 9, 1, 3

O ponteiro não para em todas as horas do relógio, mas ainda há um padrão repetitivo que o traz de volta a 3 horas após multiplicar 13 vezes o 3.

Já vimos matemática semelhante em ação no Capítulo 3, nas embaralhadas perfeitas que podem ser usadas para trapacear no pôquer. Ali, variávamos o número de cartas no baralho e perguntávamos quantas embaralhadas perfeitas eram necessárias para fazer o baralho voltar à sequência original. Um baralho com 2n cartas pode às vezes exigir 2n – 2 embaralhadas, mas às vezes podem ser menos. Para um baralho de 52 cartas, bastam oito embaralhadas perfeitas a fim de voltar à sequência original, enquanto um baralho de 54 cartas precisa ser embaralhado 52 vezes.

Fermat nunca explicou totalmente sua descoberta, deixando como desafio para as gerações futuras de matemáticos justificá-la e mostrar por que ela sempre dá certo com relógios de números primos. Foi Leonhard Euler quem acabou encontrando uma prova para o funcionamento da magia nesses tipos de relógio.

O pe que no te ore ma de Fe rmat

Aqui está uma explicação para o pequeno teorema de Fermat. O teorema afirma que, num relógio com um número primo

p de horas,

A prova é difícil, mas não técnica: basta se concentrar para acompanhá-la.

Comecemos com um caso fácil. Se A = 0, o teorema é verdadeiro, porque, por mais vezes que multipliquemos 0 por ele mesmo, sempre obtemos 0. Então, suponhamos que A não seja 0. Vamos nos propor a demonstrar que multiplicando A por si mesmo p – 1 vezes nesse relógio, chegamos a 1 hora. Isso bastará para provar o teorema, pois se multiplicarmos novamente por A isso nos trará de volta a A.

Primeiro, fazemos uma lista de todas as horas do relógio, excluindo 0. Elas são em número de p – 1:

1, 2, …, p – 1

Agora multiplicamos cada número da lista por A na nossa calculadora-relógio, e obtemos:

A × 1, A × 2, …, A × (p – 1) (módulo p)

Agora quero mostrar por que as horas nessa lista devem ser as mesmas que na lista original, 1, 2, …, p – 1, mas em ordem diferente. Se não fosse o caso, então, um dos resultados é 0, ou há dois resultados iguais. Não há lugar para acontecer nada diferente disso, porque o relógio tem apenas p horas.

Suponhamos que A × n e A × n marquem a mesma hora no relógio de p horas, onde n e m ficam entre 1 e p – 1. (Vou mostrar por que isso significa que n = m.) Então A × n – A × m = A × (n – m) = 0 na calculadora-relógio, ou seja, A × (n –

m) na nossa calculadora comum é divisível por p.

A chave para o próximo passo da prova é usar o fato de p ser um número primo. Assim como uma molécula química, o número A × (n – m) é composto multiplicando-se os átomos de números primos que compõem A e os átomos de números primos que compõem n – m. Agora, p é primo — um dos átomos da aritmética que não pode ser decomposto. Como p divide A × (n – m) sem resto, precisa ser um dos átomos usados para compor A × (n – m), pois só existe um jeito de formar um número multiplicando primos. Mas p não divide A sem resto, então deve estar na lista de átomos usados para formar n – m. Em outras palavras, n – m é divisível por p. Mas o que significa isso? Significa que n e m são a mesma hora no nosso relógio de p horas. Pode-se usar argumento similar para mostrar que A × n não pode ser 0 hora se nem A nem n são 0 hora.

Note que é muito importante que o relógio tenha um número primo de horas — já vimos que 4 × 9 é 0 num relógio de 12 horas, mesmo que nem 4 nem 9 sejam 0.

Temos agora duas listas: 1, 2, …, p – 1 e A × 1, A × 2, …, A × (p – 1). Ambas têm os mesmos números, mas em ordem diferente. Aqui podemos usar um belo truque, um truque que o próprio Fermat provavelmente descobriu. Se multiplicarmos entre si todos os números de cada lista, chegamos ao mesmo resultado, porque não importa a ordem de uma multiplicação. A primeira lista nos dá 1 × 2 × … × (p – 1), que podemos escrever como (p – 1)! A segunda lista consiste em A multiplicado por si mesmo p – 1 vezes, e novamente a multiplicação de 1 a p – 1. Depois de arrumar um pouco as coisas, obtemos (p – 1)! × Ap – 1. E isso nos dá o mesmo resultado na calculadora-relógio:

(p – 1)! = (p – 1)! × Ap– 1 (módulo p)

Isso quer dizer que (p – 1)! × (1 – Ap – 1) é divisível por p, e usamos o mesmo recurso que antes. Nenhum dos números 1, 2, …, p – 1 é divisível por p, logo (p – 1)! não pode ser divisível por p. A outra possibilidade é que 1 – Ap– 1 seja divisível por p. E isso significa que o cálculo Ap–1 na calculadora-relógio sempre dá resultado 1 — exatamente o que Fermat desafiou os matemáticos a provar.

Há diversos ingredientes interessantes nesse argumento. Com certeza é importante que, se A × B for divisível por um primo p, então A ou B precisa ser divisível por esse primo, algo que provém da propriedade especial dos primos. Mas o momento mais bonito para mim surge ao ver a mesma coisa, a lista de números 1, 2, …, p – 1, de duas maneiras diferentes. Isso é o pensamento paralelo na sua melhor forma.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 160-163)

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