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Como a matemática salvou Tintim?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 171-174)

Na história em quadrinhos de Hergé O Templo do Sol, o jovem repórter belga Tintim é feito prisioneiro de uma tribo inca depois de se perder dentro do Templo do Deus Sol. Os incas condenam Tintim e seus amigos, capitão Haddock e professor Girassol, a serem queimados na fogueira. O fogo deve ser aceso por uma lente de aumento que concentra os raios de sol numa pilha de lenha. Tintim, no entanto, tem permissão de escolher a hora da morte. Mas poderá usar esse benefício para salvar a si mesmo e a seus amigos?

Tintim faz os cálculos matemáticos e descobre que um eclipse solar atingirá a área em alguns dias, então escolhe a hora da morte de modo a coincidir com o eclipse. (Na verdade, uma outra pessoa fez os cálculos; ele lera a previsão num recorte de jornal.) Pouco antes da hora marcada para o eclipse, Tintim proclama: “O Deus Sol não ouvirá vossas preces! Ó

magnífico Sol, se é tua vontade que vivamos, dá-nos um sinal!” Exatamente como a matemática previra, o Sol desaparece, e a tribo, aterrorizada, liberta Tintim e seus amigos.

A matemática é a ciência de discernir padrões, e é assim que ela nos dá o poder de enxergar o futuro. Os primeiros astrônomos que observaram o céu noturno perceberam que os movimentos da Lua, do Sol e dos planetas se repetiam. Muitas culturas usam padrões celestes como meio de acompanhar a passagem do tempo. Diversos calendários diferentes são possíveis porque o Sol e a Lua dançam conforme um ritmo maluco, sincopado, ao percorrer seu caminho pelo céu; mas uma coisa que todos esses calendários têm em comum é o papel da matemática em dar sentido aos ciclos da Lua e do Sol para marcar o tempo. Curioso é o papel do número 19 para determinar a data em que são celebrados os feriados móveis, como a Páscoa.

A unidade básica de tempo comum a todos os calendários é o dia de 24 horas. Isso não corresponde ao tempo que a Terra leva para dar uma volta em torno de seu eixo, que, na verdade, é um pouco menos, 23 horas 56 minutos e 4 segundos. Se fôssemos usar esse período ligeiramente menor como duração do dia, nosso relógio e a Terra em rotação ficariam cada vez mais fora de sintonia, à medida que esses 3 minutos e 56 segundos fossem se acumulando, até o meio-dia no relógio ocorrer à meia-noite. Assim, para o propósito de medir o tempo, definimos um dia — ou, para usar o termo correto, um dia solar — como o tempo que o Sol leva para retornar à mesma posição no céu em um determinado ponto da superfície terrestre. Após uma rotação completa, a Terra terá se movido na sua órbita cerca de de uma revolução completa, de modo que são cerca de de rotação, ou de um dia — cerca de 3 minutos e 56 segundos — para o Sol voltar ao mesmo ponto no céu.

Para ser mais preciso, a Terra leva 365,2422 desses dias solares para dar uma volta em torno do Sol. O calendário gregoriano, adotado na maioria dos países, baseia-se numa aproximação bastante razoável desse ciclo. A fração 0,2422 é quase ¼, ou 0,25; então, somando um dia extra ao calendário a cada quatro anos, o calendário gregoriano mantém-se num compasso bastante bom com a Terra se movendo em torno do Sol. São necessários alguns ajustes, porque 0,2422 não é exatamente 0,25; a cada cem anos damos um salto e deixamos de ter o ano bissexto, e a cada quatrocentos anos abandonamos o salto e mantemos o ano bissexto.

O calendário islâmico usa o ciclo da Lua em vez do ciclo solar. Aqui a unidade básica é o mês lunar, e 12 desses meses formam um ano lunar. O mês lunar, cujo início é determinado pela visão da lua nova em Meca, tem mais ou menos 29,53 dias, tornando o ano lunar 11 dias mais curto que o ano solar. Divide-se 365 por 11, o que é aproximadamente 33, de modo que são precisos 33 anos para o mês do Ramadã dar a volta toda pelo ano solar, e é por isso que o Ramadã vai deslizando pelo ano estabelecido pelo calendário gregoriano.

Os calendários judaico e chinês fazem misturas e ajustes, usando o ciclo da órbita da Terra em torno do Sol e o ciclo da órbita da Lua em torno da Terra. Eles adicionam um mês bissexto, aproximadamente, em cada terceiro ano, e a chave para os cálculos é o número mágico 19. Dezenove anos solares (= 19.365,2422 dias) equivalem quase exatamente a 235 meses lunares (= 235 × 29,53 dias). O ano chinês tem sete anos bissextos a cada ciclo de dezenove anos para manter em sincronia os calendários lunar e solar.

O número 19 foi importante nos cálculos de Tintim porque a sequência de eclipses do Sol e da Lua também se repete a cada dezenove anos. O episódio de O Templo do Sol baseia-se

num famoso momento histórico, quando o explorador Cristóvão Colombo usou um eclipse lunar, em vez de solar, para salvar sua tripulação quando encalharam na Jamaica, em 1503. Os habitantes locais foram amistosos no princípio, mas tornaram-se hostis e recusaram-se a abastecer Colombo e sua tripulação com provisões. Com o risco de morrer de fome, Colombo divisou um plano astucioso. Consultou seu almanaque — um livro com previsões de marés, ciclos lunares e posições de astros usado por marinheiros para navegação — e descobriu que havia um eclipse lunar previsto para 29 de fevereiro de 1504. Colombo convocou os habitantes locais três dias antes do eclipse e os ameaçou: se não lhe dessem mantimentos, ele faria a Lua desaparecer.

Os mantimentos não vieram — os habitantes locais não acreditaram que Colombo tivesse o poder de fazer a Lua desaparecer. Mas, na noite de 29 de fevereiro, quando a Lua se ergueu acima do horizonte, puderam ver que um pedacinho já havia sido mordido e arrancado. Segundo o filho de Colombo, Fernando, à medida que a Lua ia sumindo no céu noturno, os nativos foram ficando aterrorizados, e “com grandes uivos e lamentos vieram correndo de todas as direções para os navios, carregados de provisões, rogando ao almirante que intercedesse com seu deus em nome deles”. Por meio de cálculos precisos, Colombo programou a hora de seu perdão aos nativos de modo a coincidir com o reaparecimento gradual da Lua. Esta talvez seja uma história apócrifa ou exagerada pelos espanhóis para comparar os espertos conquistadores europeus aos nativos ignorantes. Porém, em seu cerne, ela mostra o poder da matemática.

Quando se rá o próximo e clipse ?

Se você souber a hora de um eclipse, poderá usar uma equação matemática para calcular a hora de outro. Os cálculos dependem de dois números importantes.

O primeiro é o mês sinódico (S) de 29,5306 dias. Ele é o tempo médio que a Lua leva para dar uma volta em torno da Terra e voltar à mesma posição relativa ao Sol, o tempo médio entre duas luas novas.

O outro é o mês draconiano (D) de 27,2122 dias. A órbita da Lua em torno da Terra é ligeiramente inclinada em relação à órbita da Terra em torno do Sol. As duas órbitas se cruzam em dois lugares, chamados nódulos da órbita lunar, como mostrado na Figura 5.01. O mês draconiano é o tempo médio que a Lua leva, a partir de um nódulo, para passar pelo nódulo oposto e retornar ao primeiro.

FIGURA 5.01: A órbita da Lua intercepta a órbita da Terra em dois lugares, chamados nódulo ascendente e nódulo descendente.

Para todo par de números inteiros A e B, você pode achar aqueles que tornam A × S muito próximo de B × D, e terá a data de um eclipse A × S ≈ B × D dias após o último eclipse observado. E haverá outro eclipse após A × S ≈ B × D dias. A sequência de eclipses continuará por algum tempo, mas, pelo fato de a equação não ser exata, os eclipses ficarão cada vez menos precisos, até que Sol, Lua e Terra não estejam mais alinhados. Este será o fim desse particular ciclo de eclipses.

Eis um exemplo:

A = 223 meses sinódicos é muito próximo de B = 242 meses draconianos, de modo que a cada 223 × 29,5306 ≈ 242 ×

27,2122 dias após um eclipse haverá outro, quase idêntico. Esse é um período de aproximadamente 6.585 dias, ou cerca de 18 anos, 11 dias e 8 horas. A variação de 8 horas significa que os próximos dois eclipses desses serão vistos de locais diferentes sobre a superfície da Terra. No entanto, o terceiro atingirá o mesmo ponto, de modo que a cada 3 vezes 18 anos 11 dias e 8 horas, ou aproximadamente 19.756 dias inteiros, haverá uma repetição do eclipse.

Por exemplo, um eclipse lunar total visível na América do Norte em 21 de dezembro de 2010 é uma repetição do eclipse de 9 de dezembro de 1992 vista na Europa. Ele foi visto pela última vez na América do Norte em 18 de novembro de 1956. Houve outros eclipses entre as datas, mas são parte de outros ciclos que correm paralelamente a este. A matemática ajuda você a calcular a data do próximo eclipse em cada ciclo.

O poder da matemática de predizer acontecimentos no céu noturno reside em identificar padrões que se repetem. Mas como podemos predizer algo novo? A história de como usar as equações da matemática para vasculhar o futuro começa com a predição do comportamento de objetos simples, como uma bola de futebol.

Se eu deixar cair uma pluma e uma bola de futebol, qual das duas chegará

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 171-174)

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