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Qual o comprimento do litoral da Grã-Bretanha?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 68-72)

O litoral da Grã-Bretanha tem 18 mil quilômetros de comprimento? Ou 36 mil quilômetros? Ou é maior ainda? Por mais surpreendente que seja, a resposta está longe de ser óbvia e se relaciona a uma forma matemática que não fora descoberta até a metade do século XX.

Claro que, com as marés subindo e descendo duas vezes por dia, o comprimento do litoral da Grã-Bretanha varia constantemente. Mas mesmo que fixemos o nível da maré, ainda assim não fica claro qual o comprimento do litoral. A sutileza surge da questão de quão meticulosamente medimos o comprimento da costa. Poderíamos começar encostando réguas na ponta uma da outra e contar quantas réguas são necessárias para circum-navegar o país; porém, o uso de réguas rígidas fará com que percamos uma porção de detalhes em escalas menores.

FIGURA 2.21: A medida do litoral da Grã-Bretanha.

Se usarmos um longo pedaço de corda em lugar de réguas rígidas, seria possível seguir mais do intricado formato de uma linha costeira. Ao esticar a corda para fazer a medida, o comprimento do litoral seria consideravelmente maior que a medida obtida com réguas rígidas. Mas há um limite para a flexibilidade da corda, que não consegue captar os complicados detalhes dos contornos da linha costeira em escala de centímetros. Se utilizássemos uma linha fina, poderíamos captar melhor esses detalhes, e então nossa estimativa do comprimento do litoral seria maior.

O Ordnance Survey — Levantamento Topográfico Militar — dá o comprimento do litoral da Grã-Bretanha de 17.819,88 quilômetros. Mas meça a costa em detalhes, e você obterá o dobro dessa medida. Um exemplo de como é difícil estabelecer com precisão comprimentos geográficos: em 1961, Portugal alegou que sua fronteira com a Espanha tinha 1.220 quilômetros, enquanto a Espanha dizia que era de somente 990 quilômetros. O mesmo nível de discrepância foi encontrado entre as fronteiras de Holanda e Bélgica. Em geral, é sempre o país menor que calcula a fronteira mais longa.

Assim, existe algum limite para esse processo? Possivelmente, quanto mais detalhistas formos, maior se tornará o comprimento da costa. Para mostrar como isso é possível, vamos construir um pedaço de linha costeira matemática. Para fazer um litoral, você precisa de um

rolo de barbante. Puxe um metro de barbante do rolo e coloque-o no chão:

FIGURA 2.22

Isso está reto demais para ser um litoral de verdade, então, vamos fazer uma pequena enseada nesse pedaço reto de costa. Puxe um pouco mais de barbante de modo que o terço do meio do barbante seja substituído por dois segmentos de mesmo comprimento, entrando e saindo:

FIGURA 2.23

Quanto barbante a mais você teve de puxar para criar a enseada? A primeira linha era formada por três pedaços de corda de comprimento de de metro, enquanto essa nova costa consiste em quatro pedaços de de metro. Logo, o novo comprimento é vezes o primeiro comprimento, ou seja, de metro.

A nova costa ainda não é muito rebuscada. Assim, mais uma vez, vamos dividir cada uma das linhas menores em três, e substituir o terço médio de cada linha por dois segmentos de mesmo comprimento. Agora temos a seguinte linha costeira:

FIGURA 2.24

Qual é o comprimento desse litoral? Bem, cada um dos quatro segmentos aumentou novamente de um fator de . Logo, o comprimento do litoral é agora × = ( )2 de metro.

Você provavelmente já adivinhou o que faremos a seguir. Fique repetindo esse procedimento, dividindo os segmentos retos em três e substituindo a seção do meio por dois segmentos de mesmo tamanho. Cada vez que fazemos isso, o comprimento cresce num fator de

. Se repetirmos cem vezes, o comprimento do nosso litoral terá aumentado num fator de ( )100, o que perfaz pouco mais de 3 bilhões de quilômetros. Em linha reta, um barbante desse comprimento iria daqui da Terra ao planeta Saturno.

Se continuássemos infinitamente com esse procedimento obteríamos um litoral de comprimento infinito. Claro que a física nos impede de dividir as coisas além de certo limite, determinado por aquilo que se chama constante de Planck. Isso ocorre porque, segundo os físicos, é efetivamente impossível medir uma distância menor que 10–34 metros sem criar um buraco negro que engoliria todo o aparelho de medição. Quando fazemos nosso truque de adicionar repetidamente enseadas cada vez menores à linha costeira, quando chegarmos ao 72º passo, o comprimento dos segmentos já será menor do que 10–34 metros. Mas os matemáticos não são os físicos — nós vivemos num mundo em que se pode dividir um segmento infinitamente sem desaparecer num buraco negro.

FIGURA 2.25: Amplie a seção menor de A para B, multiplicando-a por 3, e você obterá um fractal maior. Mas o fractal maior também pode ser feito juntando quatro cópias da seção menor.

Outra maneira de ver por que um litoral tem comprimento infinito é considerar um trecho de costa entre os pontos A e B na Figura 2.25. Vamos supor que ele tenha comprimento L. Se ampliarmos esse trecho de litoral três vezes, o resultado é uma cópia exata de toda a linha costeira de A até E. Logo, o litoral todo tem comprimento 3L. De outro lado, se pegarmos quatro cópias do trecho menor, podemos montá-las uma na ponta da outra e cobrir o litoral todo: A para B, B para C, C para D e D para E. Desse ponto de vista, o comprimento do litoral todo será 4L, porque necessitamos de quatro cópias do trecho menor para construí-lo. Mas eles têm o mesmo comprimento, qualquer que seja o método de medição. Então, como é possível 4L = 3L? A única solução para essa equação é se L for comprimento zero ou comprimento infinito.

A linha costeira infinita que construímos é, de fato, o lado de uma forma chamada floco de neve de Koch, em homenagem a seu inventor, o matemático sueco Helge von Koch, que o bolou no início do século XX (Figura 2.26).

FIGURA 2.26

Essa forma matemática tem simetria demais para parecer um litoral de verdade, e não possui uma aparência particularmente natural ou orgânica; mas se você, aleatoriamente, inserir linhas que penetrem na costa ou saiam para o mar, as coisas começam a parecer bem mais convincentes. Aqui estão imagens (Figura 2.27) feitas com o mesmo procedimento, exceto que lançamos uma moeda a cada vez para resolver se as linhas seriam acrescentadas acima ou abaixo da linha a ser removida.

FIGURA 2.27

Se você juntar várias dessas linhas costeiras, obterá algo muito parecido com um mapa medieval da Grã-Bretanha:

FIGURA 2.28

pode escolher a resposta que quiser. Não é esse o tipo de pergunta matemática com que todo mundo sonha na escola?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 68-72)

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