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Como dobrar a trajetória como Beckham ou fazer curvas como Roberto Carlos

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 196-200)

David Beckham e Roberto Carlos fizeram algumas cobranças extraordinárias de falta em suas carreiras futebolísticas, chutes que pareciam desafiar as leis da física. Talvez a mais impressionante tenha sido aquela que Roberto Carlos bateu para o Brasil contra a França, em 1997. O tiro livre foi marcado a 30 metros do gol. A maioria dos jogadores teria simplesmente tocado a bola para um companheiro de time e feito o jogo voltar a correr. Roberto Carlos, não. Colocou a bola no gramado e recuou, pronto para chutar.

O goleiro francês, Fabien Barthez, posicionou uma barreira, embora não acreditasse que Roberto Carlos fosse chutar direto contra o gol. Quando Roberto Carlos correu e bateu na bola, ela parecia estar se dirigindo para bem longe do alvo. Torcedores de um dos lados do gol começaram a baixar a cabeça, achando que a bola iria voar para o meio do público. Então, de repente, no último instante, a bola desviou-se para a esquerda e voou para o fundo da rede francesa. Barthez não conseguia acreditar no que acabara de ver. Ele não se movera um centímetro. “Como foi que esse raio de bola fez isso?” — dava para vê-lo pensar.

O chute de Roberto Carlos, longe de desafiar a física, tirou proveito da ciência das bolas em movimento. O efeito do giro numa bola de futebol pode provocar algumas coisas muito loucas. Chute a bola sem dar nenhum efeito, e ela viajará como se estivesse se movendo por uma folha de papel plana, bidimensional, traçando uma parábola. Mas ponha algum efeito na bola, e subitamente a matemática do movimento torna-se tridimensional. Além de se mover para cima e para baixo, ela também pode virar para a esquerda ou para a direita.

Você pode ver a cena da cobrança de falta de Roberto Carlos em http://bit.ly/Fre e kick ou usar o smartphone para escanear o código.

Então, o que puxa a bola para a esquerda ou para a direita enquanto ela voa pelo ar? É uma força chamada efeito Magnus, batizada em homenagem ao matemático alemão Heinrich Magnus, que, em 1852, foi o primeiro a explicar o efeito de giro numa bola. (Os alemães sempre foram bons de futebol.) A coisa funciona da mesma forma como se cria a sustentação de uma asa de avião. Como expliquei na p.253, as diferentes velocidades do ar fluindo por cima e por baixo da asa provocam uma diminuição da pressão acima da asa e um aumento do lado de baixo, gerando uma força que empurra a asa para cima.

Para fazer a bola se desviar da direita para a esquerda, Roberto Carlos a chutou de tal maneira que o lado esquerdo girasse na sua direção (em torno de um eixo vertical passando pelo centro da bola). O giro da bola estava então ajudando, efetivamente, a empurrar o ar, fazendo-o passar mais rápido do lado esquerdo. Assim, com o ar passando mais depressa do lado esquerdo, houve um decréscimo de pressão — o mesmo que acontece na parte de cima da asa do avião. A pressão do lado direito da bola aumenta porque a velocidade do ar diminui à medida que a superfície da bola gira no sentido contrário ao do ar que vem passando. Esse aumento de pressão se traduz numa força que empurra a bola da direita para a esquerda, o que acaba levando-a para o fundo da rede.

O mesmo princípio é utilizado para fazer uma bola de golfe voar mais longe que a distância prevista pelas equações formuladas por Galileu. Nesse caso, o eixo de rotação é horizontal e perpendicular ao movimento da bola. Quando uma bola recebe uma tacada na posição inicial, o tee, a cabeça do taco faz a bola girar de maneira tal que a parte inferior gire no sentido do voo. Isso reduz a velocidade do fluxo de ar; e, pelo efeito de Bernoulli, aumenta a pressão na parte inferior, criando uma força de baixo para cima que se contrapõe à

gravidade. Na verdade, a bola quase não tem peso ao voar pelo ar, como se o giro lhe desse uma ajuda para carregá-la o mais longe possível no freeway.

Há um ingrediente extra que não incluímos, e que explica por que a cobrança de tiro livre de Roberto Carlos desviou-se para a esquerda tão tarde: o arrasto da bola. Da mesma forma que ocorre com os altos e baixos da população de lemingues, o segredo da curva mágica de Roberto Carlos é uma transição de comportamento caótico para regular. O fluxo de ar por trás de uma bola de futebol pode ser ou caótico ou regular. O fluxo caótico é chamado turbulência, e ocorre quando a bola viaja muito depressa. O fluxo de ar regular é chamado laminar, e ocorre em velocidades menores. A passagem de um tipo de fluxo para o outro depende do tipo de bola.

É possível ver com bastante facilidade diferentes tipos de fluxos de ar causados por diferentes velocidades do vento. Caminhe em linha reta segurando uma bandeira (ou uma pedaço de pano) de modo que ela fique atrás de você, e perceba como ela vai flutuando. Agora faça a mesma coisa numa velocidade muito maior, seja segurando a bandeira pela janela de um carro ou correndo o mais rápido que puder contra um vento forte. A bandeira irá se agitar com violência. A razão é que o ar em torno de um objeto do tipo de uma bandeira comporta-se de maneira diferente em velocidades diferentes. Em velocidades mais baixas, o fluxo de ar é facilmente previsível, mas em velocidades mais altas ele é muito mais caótico.

Qual o efeito dessa mudança de turbulência para fluxo laminar sobre um tiro livre? Acontece que a turbulência caótica provoca muito menos arrasto sobre a bola. Então, quando a bola se move depressa, o giro não tem um efeito tão grande na direção do movimento, e a força do giro se distribui sobre grande parte da trajetória. Quando a bola diminui a velocidade e passa pelo ponto de transição, a turbulência dá lugar ao fluxo laminar, que causa muito mais arrasto. É como alguém pisando com força o freio. Nesse momento de transição, a resistência do ar aumenta 150%. Agora o efeito do giro pode se manifestar, e a bola de repente se desvia de forma drástica. O arrasto adicional também aumenta a sustentação, fazendo o efeito Magnus aumentar, empurrando a bola ainda com mais força para o lado.

FIGURA 5.13: A turbulência caótica provoca menos arrasto que o fluxo laminar, “regular”.

Roberto Carlos precisava de uma cobrança de tiro livre suficientemente longe do gol para bater com força suficiente, produzir turbulência caótica e ainda haver tempo para a bola reduzir a velocidade e curvar a trajetória antes de se perder pela linha de fundo. Quando a bola é chutada a cerca de 110 quilômetros por hora, o fluxo em volta é caótico, mas a meio caminho do alvo, a velocidade diminui, e a turbulência se altera. Os freios são acionados, o efeito do giro assume o comando, e Barthez é batido.

Não só os jogos de futebol são afetados por essa matemática. A maneira como viajamos também é afetada pelo caos, particularmente no ar. A maioria das pessoas associa a palavra “turbulência” com a ordem de apertar cintos e ser jogado de lá para cá por correntes de ar caóticas. Aviões viajam muito mais depressa que bolas de futebol, e o fluxo de ar caótico sobre as asas — o fluxo turbulento — aumenta a resistência do ar ao voo, significando que é preciso queimar mais combustível, com um custo mais elevado.

Uma pesquisa concluiu que uma redução de 10% no arrasto turbulento pode aumentar a margem de lucro de uma empresa aérea em 40%. Engenheiros aeronáuticos estão sempre à procura de formas de mudar a textura da superfície de uma asa para tornar o fluxo de ar menos caótico. Uma ideia é introduzir uma fila de diminutas ranhuras paralelas ao longo da asa, com espaçamento bem próximo, semelhante a um disco de vinil. Outra é cobrir a superfície da asa

com minúsculas estruturas em forma de dentes, chamadas dentículos. Interessante notar que a pele de um tubarão é coberta de dentículos naturais, mostrando que a natureza descobriu como superar a resistência do fluido muito antes dos engenheiros.

Embora venha sendo estudada intensamente, a turbulência por trás de uma bola de futebol ou da asa de um avião ainda é um dos grandes mistérios da matemática. Há, porém, uma boa notícia: já conseguimos formular as equações que descrevem o comportamento do ar ou de um fluido. A má notícia é que ninguém sabe como resolvê-las! Essas equações não são importantes apenas para pessoas como Beckham e Roberto Carlos. Os meteorologistas precisam resolvê-las para prever correntes de ar na atmosfera; os médicos, para entender o fluxo sanguíneo pelo corpo; os astrofísicos, para descobrir como as estrelas se movem pelas galáxias. Todas essas coisas são controladas pela mesma matemática. No momento, meteorologistas, projetistas e outros usam apenas aproximações; contudo, como o caos se esconde por trás dessas equações, um pequeno erro tem um efeito enorme no resultado — de modo que as previsões podem acabar completamente erradas.

Essas equações são chamadas equações de Navier-Stokes, em honra aos dois matemáticos do século XIX que as formularam. Elas não são simples. Uma representação comum é:

Se você não entende alguns dos símbolos nessas equações, não se preocupe — quase ninguém entende! Para aqueles que conhecem a linguagem da matemática, porém, essas equações encerram a chave para predizer o futuro. São tão importantes que há um prêmio de US$ 1 milhão para a primeira pessoa que resolvê-las.

O grande físico alemão Werner Heisenberg, um dos criadores da física quântica, certa vez disse: “Quando eu me encontrar com Deus, vou lhe fazer duas perguntas: ‘Por que relatividade? Por que turbulência?’ Sinceramente, acredito que Ele tenha uma resposta para a primeira.” Quando perguntaram a Roberto Carlos como ele havia descoberto o segredo de dobrar trajetórias de chutes de forma tão drástica, ele respondeu: “Venho praticando a precisão das minhas cobranças de falta desde criança. Eu costumava ficar, pelo menos, uma hora depois de cada treino e praticar cobranças. Isso é como todas as coisas: quanto mais dor e suor, melhor o resultado.”

Creio que isso se aplica também à matemática. Quanto mais difícil o problema, mais satisfação você tem em resolvê-lo. Então, se a matemática ficar difícil, simplesmente lembre- se das palavras de Roberto Carlos: “Quanto mais dor e suor, melhor o resultado.” E quando você afinal decifrar um dos grandes enigmas matemáticos de todos os tempos, estará pensando no que Barthez pensou enquanto via a bola no fundo da rede: “Como foi que esse raio de bola fez isso?”

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 196-200)

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