• Nenhum resultado encontrado

Por que um floco de neve tem seis pontas?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 65-68)

Uma das primeiras pessoas a tentar dar uma resposta matemática a essa pergunta foi um astrônomo e matemático do século XVII, Johannes Kepler. Ele tirou sua ideia de por que os flocos de neve têm seis pontas observando o interior de uma romã. As sementes da romã começam como esferas. Como qualquer quitandeiro sabe, a maneira mais eficiente de

preencher espaço com bolas esféricas é arrumá-las em camadas de hexágonos. As camadas se encaixam perfeitamente umas sobre as outras, e cada bola repousa sobre três outras da camada inferior. Juntas, as quatro bolas estão arrumadas de maneira que ficam nos vértices de um tetraedro.

Kepler conjecturou que esse seria o modo mais eficiente de “embrulhar” o espaço — em outras palavras, o arranjo no qual os espaços vazios entre as bolas ocupam o menor volume. Mas como podia ter certeza de que não havia algum outro arranjo complicado de bolas para melhorar esse empacotamento hexagonal? A conjectura de Kepler, como esta inocente afirmativa passou a ser conhecida, viria a obcecar gerações de matemáticos. Não surgiu prova até o fim do século XX, quando os matemáticos juntaram forças com a potência do computador.

Voltando à romã, à medida que a fruta cresce, as sementes começam a se espremer umas contra as outras, mudando a forma esférica para formatos que preencham completamente o espaço. Cada semente no núcleo de uma romã está em contato com doze outras, e, à medida que se apertam, vão se transformando em formas de doze faces. Você vai pensar que o dodecaedro com suas doze faces pentagonais é a forma adotada pelas sementes, mas é impossível juntar dodecaedros de maneira que se encaixem perfeitamente, preenchendo todo o espaço disponível. A única forma platônica que se encaixa perfeitamente para preencher o espaço é o cubo. Em vez disso, as doze faces da semente têm a forma de uma espécie de pipa. Chamado de dodecaedro rômbico, é um formato muitas vezes encontrado na natureza (Figura 2.19).

FIGURA 2.19

Cristais de granada têm doze faces parecendo pipas. A palavra em inglês para granada é

garnet, e o nome da romã é pomegranate. Ambas têm a mesma origem latina, porque as

sementes da fruta também formam minúsculos sólidos de doze faces que parecem pipas.

A análise das faces em forma de pipa da semente da romã inspirou Kepler a investigar todas as possíveis formas simétricas que podiam ser construídas a partir dessa face ligeiramente não simétrica. Platão havia considerado formas feitas de uma face perfeitamente simétrica; Arquimedes deu um passo além observando formas compostas de duas ou mais faces simétricas. As investigações de Kepler desencadearam toda uma produção dedicada a diferentes formas que ampliam as ideias de Platão e Arquimedes. Temos agora os sólidos de Catalan, os sólidos de Poinsot, os sólidos de Johnson, poliedros instáveis e zonoedros — e muitos outros objetos exóticos.

Kepler acreditava que os hexágonos no cerne da justaposição de bolas fossem responsáveis pelas seis pontas dos flocos de neve. Sua análise constitui tema de um livro que dedicou a um diplomata imperial chamado Matthäus Wackher como presente de ano-novo —

uma jogada astuta feita por um cientista que sempre estava em busca de financiamentos. Quando gotas de chuva esféricas se congelam nas nuvens, pensou Kepler, de alguma maneira estão se justapondo como sementes de romã. Uma bela ideia, mas estava errada. O motivo real para o floco de neve ter seis pontas está relacionado à estrutura molecular da água, algo que só seria revelado com a invenção da cristalografia de raios X em 1912.

Uma molécula de água é composta de um átomo de oxigênio e dois de hidrogênio. Quando moléculas de água se unem para formar cristais, cada átomo de oxigênio compartilha seus átomos de hidrogênio com os de oxigênio seus vizinhos, e por sua vez toma emprestados dois átomos de hidrogênio de outras moléculas de água. Assim, um cristal de gelo se forma com cada oxigênio ligado a quatro hidrogênios. Num modelo de bolas e varetas, quatro bolas representando átomos de hidrogênio são dispostas em volta de cada átomo de oxigênio numa forma que assegure que cada hidrogênio esteja o mais longe possível dos outros três. A solução matemática para tal exigência é posicionar cada hidrogênio no vértice de um tetraedro, a forma platônica composta de quatro triângulos equiláteros, com o átomo de oxigênio no centro (Figura 2.20).

A estrutura de cristal que surge daí tem algo em comum com laranjas empilhadas na quitanda; três laranjas numa camada têm uma quarta laranja colocada por cima para formar um tetraedro. Mas se, em vez disso, você olhar cada camada de laranjas, verá hexágonos por toda parte. Esses hexágonos que aparecem nos cristais de gelo são a chave para o formato do floco de neve. Logo, a intuição de Kepler estava correta — empilhar laranjas e as seis pontas do floco de neve são coisas inter-relacionadas, mas só quando observamos a estrutura atômica da neve conseguimos ver onde os hexágonos estavam ocultos. À medida que o floco de neve vai se formando, as moléculas de água se ligam aos seis vértices do hexágono, criando as seis pontas do floco de neve.

FIGURA 2.20

É nessa passagem da escala molecular para o floco de neve grande que a individualidade de cada floco se afirma. E, conquanto a simetria esteja no cerne da criação de um cristal de água, é outra importante forma matemática que controla a evolução de cada floco: o fractal.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 65-68)

Outline

Documentos relacionados