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Será que o sistema solar vai se esfacelar?

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 184-188)

Desde que Galileu investigou pela primeira vez a queda de objetos e a oscilação de pêndulos, os matemáticos formularam centenas de milhares de equações que predizem como a natureza se comporta. Essas equações são os alicerces da ciência moderna e conhecidas como leis da natureza. A matemática tem nos possibilitado criar o complexo mundo tecnológico em que vivemos. Engenheiros se baseiam em equações para garantir que as pontes não caiam e que os aviões permaneçam no ar. Você pensaria, com base na nossa história até aqui, que predizer o futuro sempre é fácil, mas nem sempre é tão simples — como descobriu o matemático francês Henri Poincaré.

Em 1885, o rei Oscar II da Suécia e Noruega ofereceu um prêmio de 2.500 coroas para quem conseguisse estabelecer matematicamente, de uma vez por todas, se o sistema solar continuaria a girar como um mecanismo de relógio, ou se era possível que, em algum momento, a Terra espiralasse para longe do Sol e mergulhasse no espaço. Poincaré achou que podia encontrar a resposta, e começou a investigar.

Uma das jogadas clássicas que os matemáticos fazem quando estão analisando problemas complicados é simplificar o cenário na esperança de que tudo fique mais fácil de se resolver. Em vez de começar com todos os planetas do sistema solar, Poincaré considerou um sistema de apenas dois corpos. Isaac Newton já havia provado que suas órbitas seriam estáveis: os dois corpos simplesmente percorrem órbitas elípticas um em torno do outro, prosseguindo para sempre e repetindo o padrão.

FIGURA 5.05

Tomando esse ponto de partida, Poincaré começou a cogitar o que acontece quando outro planeta é adicionado à equação. O problema é que tão logo se tenham três corpos num sistema, por exemplo, Terra, Lua e Sol, a questão de saber se suas órbitas são estáveis fica muito complicada — tanto que atordoou o grande Newton. O problema é que agora há dezoito ingredientes distintos para combinar na receita: as coordenadas exatas de cada corpo em cada uma das três dimensões e suas velocidades em cada dimensão. O próprio Newton escreveu: “Considerar simultaneamente todas as causas de movimento e definir esses movimentos por leis exatas admitindo cálculos fáceis excede, se não estou enganado, a força da mente humana.”

Poincaré não se intimidou. Fez avanços significativos, simplificando o problema por aproximações sucessivas das órbitas. Acreditava que, se arredondasse para cima ou para baixo as minúsculas diferenças que descobrira nas posições dos planetas, isso não afetaria tanto o resultado final. Embora não tivesse conseguido solucionar o problema na totalidade, suas ideias foram sofisticadas o bastante para lhe valer o prêmio do rei Oscar. No entanto, quando o artigo de Poincaré estava sendo preparado para publicação, um dos editores não conseguiu seguir a matemática envolvida e formulou uma questão. Será que Poincaré poderia

justificar por que fazer uma pequena alteração na posição dos planetas resultaria somente numa pequena alteração em suas órbitas previstas?

Enquanto Poincaré tentava justificar sua premissa, percebeu que havia cometido um erro. Ao contrário do que pensara, mesmo uma pequena alteração nas condições iniciais — as posições e velocidades de partida dos três corpos —, isso podia produzir órbitas extremamente diferentes. A simplificação não funcionava. Entrou em contato com os editores e tentou impedir a impressão do artigo, porque publicar um texto errado em honra ao rei causaria tremendo furor. O material já havia sido impresso, mas a maioria dos exemplares foi recolhida e destruída.

Tudo era um terrível constrangimento. Mas, como muitas vezes acontece em matemática, quando algo sai errado, o motivo do erro leva a descobertas interessantes. Poincaré escreveu um segundo artigo, ampliado, explicando que alterações muito pequenas podiam fazer com que um sistema aparentemente estável se desmanchasse. O que ele descobriu com seu erro levou a um dos mais importantes conceitos matemáticos do último século: a teoria do caos.

Poincaré descobrira que até no Universo de Newton, funcionando como um relógio, equações simples podem produzir resultados extraordinariamente complexos. Não se trata da matemática da aleatoriedade ou da probabilidade. Estamos lidando, aqui, com um sistema que os matemáticos chamam de determinístico: um sistema controlado por equações matemáticas estritas e no qual, para qualquer conjunto de condições iniciais, o resultado será sempre o mesmo. Um sistema caótico ainda é determinístico, mas uma ligeira mudança nas condições iniciais leva a um resultado diferente demais.

Eis um exemplo em pequena escala que serve como modelo do sistema solar. Colocamos três ímãs no chão, um preto, um cinzento e um branco. Acima dos ímãs pomos um pêndulo magnético livre para oscilar em qualquer direção. O pêndulo será atraído pelos três ímãs, e oscilará entre eles antes de assumir uma posição estável. Na extremidade do pêndulo há um cartucho que vai deixando uma trilha de pingos de tinta. Colocamos o pêndulo para oscilar, e os pingos de tinta traçam a sua trajetória. O que tentamos, na verdade, simular é um asteroide zunindo por um sistema solar com três planetas o atraindo: no fim, o asteroide acaba atingindo um dos planetas.

O extraordinário é que é quase impossível repetir o experimento e obter a mesma trilha de tinta. Por mais que se tente soltar o pêndulo na mesma posição e na mesma direção, descobre- se que a tinta traça uma trajetória completamente diferente, e o pêndulo acaba atraído por um ímã diferente a cada vez. A Figura 5.06 mostra três trajetórias distintas que começam aproximadamente da mesma maneira, mas terminam em ímãs diferentes.

diferente entre os três ímãs (mostrados como pequenos círculos: branco, cinzento e preto).

As equações que controlam a trajetória do ímã são caóticas, e uma simples e mínima mudança na localização inicial tem efeito drástico no resultado. Essa é a assinatura do caos.

Podemos levar um computador a gerar uma imagem de qual ímã atrairá o pêndulo. Os ímãs estão localizados no centro de três grandes blocos coloridos, em forma de vaso. Se você solta o pêndulo numa região preta, ele acabará se instalando no ímã preto. Da mesma maneira, se soltar o pêndulo na região branca ou cinzenta, ele acabará no ímã branco ou cinzento. Você pode ver regiões dessa figura nas quais mudar um bocadinho a posição inicial do pêndulo não afeta drasticamente o resultado. Por exemplo, se você começa perto do ímã preto, o pêndulo provavelmente terminará a viagem no ímã preto. Mas há outras regiões onde as cores mudam depressa em pequenas distâncias.

FIGURA 5.07: Esta imagem gerada pelo computador ilustra o comportamento do pêndulo se movendo pelos ímãs.

Esse é o exemplo de uma forma da qual a natureza gosta muito — o fractal. Fractais são a geometria do caos, e se você fizer “zooms” sucessivos em algumas regiões da figura, verá o mesmo nível de complexidade que observamos na p.98. É essa complexidade que torna o movimento do pêndulo tão difícil de predizer, embora as equações que o descrevam sejam bastante simples.

E se não estiver em jogo apenas o resultado de um pêndulo oscilatório, e sim o futuro do sistema solar? Talvez a leve perturbação de um asteroide errante provoque uma mudança pequena, mas suficiente para fazer o sistema solar se esfacelar por inteiro. Parece que foi isso que aconteceu num sistema solar próximo de nós, o Upsilon Andromedae. Os astrônomos acreditam que o comportamento estranho dos planetas ali existentes evidencia uma catástrofe na qual um dos planetas originais orbitando em torno da estrela foi ejetado após algo ter perturbado órbitas antes estáveis. Será que a mesma coisa pode acontecer com o nosso

planeta?

Simplesmente para se assegurar, os cientistas recentemente usaram supercomputadores para tentar responder à pergunta que acabou derrotando Poincaré: será que a Terra está realmente em perigo de se perder no espaço? Eles rodaram as orbitais reais dos planetas para a frente e para trás no tempo. Felizmente, os cálculos mostraram que, com 99% de probabilidade, os planetas continuarão a percorrer suavemente suas órbitas por outros 5 bilhões de anos (época em que o Sol terá se tornado uma estrela gigante vermelha e engolido a parte interna do sistema solar). Mas isso ainda deixa a chance de 1% de um resultado ligeiramente mais interessante — pelo menos do ponto de vista matemático.

Descobriu-se que os planetas rochosos internos — Mercúrio, Vênus, Terra e Marte — têm órbitas menos estáveis que os gigantes gasosos — Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Abandonados à própria sorte, esses planetas grandes teriam um futuro notavelmente estável. É o diminuto Mercúrio que representa potencial para causar um desmantelamento catastrófico do sistema solar.

As simulações de computador revelam que uma estranha ressonância entre Mercúrio e Júpiter poderia evoluir de modo a fazer a órbita de Mercúrio começar a cruzar a órbita de seu vizinho mais próximo, Vênus. Isso prepararia o cenário de uma poderosíssima colisão entre Vênus e Mercúrio que provavelmente estraçalharia o sistema solar. Mas será que vai realmente ocorrer? Não sabemos. O caos torna muito difícil predizer o futuro.

No documento Os Misterios Dos Numeros - Marcus Du Sautoy (páginas 184-188)

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