• Nenhum resultado encontrado

Esporte-espetáculo: fenômeno da modernidade

No documento Download/Open (páginas 83-90)

II. ESPORTE E EDUCAÇÃO: uma união histórica

2.2 Esporte-espetáculo: fenômeno da modernidade

Não há dúvida que o esporte da era moderna tenha se tornado mais um objeto de real valor para a indústria cultural. Nos dias de hoje, como já citado em tópico anterior, ir a uma partida esportiva, seja ela de futebol, voleibol, futsal etc., já não é mesma coisa que há 20 ou 30 anos atrás. O esporte enquanto fenômeno de uma realidade “espetacular” está para a sociedade atual, assim como o teatro ou música, por exemplo, estavam para a antiga. Nesse contexto de mundo moderno e, de uma sociedade em constante evolução, se dá o chamado “esporte-espetáculo”. Segundo Valter Bracht (2005), em ‘Sociologia Crítica do Esporte: uma introdução’, o esporte pode ser considerado um dos maiores fenômenos da era moderna. O autor defende a ideia de que o esporte moderno está inserido, de alguma forma, na vida de praticamente todas as pessoas. Ele diz também que essa evolução do esporte como objeto cultural se deu tão rápido quanto o capitalismo, assim “[...] o esporte expandiu-se pelo mundo todo e tornou-se a expressão hegemônica da cultura corporal” (BRACHT, 2005, p.9).

Dentre as mais diversas definições para o termo ‘esporte-espetáculo’, a que nos parece mais completa e que nos propicia um primeiro entendimento sobre a questão é a do Professor

Dr. Marcelo Weishaupt Proni, em sua tese de doutorado, no ano de 1998, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). De acordo com Marcelo Weishaupt Proni (1998, p.85), o ‘esporte-espetáculo’ pode ser compreendido como:

[...] competições esportivas organizadas por ligas ou federações, que reúnem atletas submetidos a esquemas intensivos de treinamento (no caso de modalidades coletivas, a disputa envolve equipes formalmente constituídas); [...] tais competições esportivas tornaram-se espetáculos veiculados e reportados pelos meios de comunicação de massa e são apreciadas no tempo de lazer do espectador (ou seja, satisfazem a um público ávido por disputas ou proezas atléticas); [...] a espetacularização motivou a introdução de relações mercantis no campo esportivo, seja porque conduziu ao assalariamento dos atletas, seja em razão dos eventos esportivos apresentados como entretenimento de massa passarem a ser financiados (pelo menos em parte) através da comercialização do espetáculo.

Ainda que as definições apontadas por Proni (1998) tenham maior foco na área da educação física, não resta dúvida que o autor aponta outros caminhos para o entendimento da questão como, por exemplo, quando cita a evolução do ‘esporte-espetáculo’ devido ao aumento do interesse da mídia de massa e quando mostra, ainda que de forma breve, a nova relação mercantil dos clubes, atletas e a mídia.

Bracht (2005) utiliza uma linha conceitual semelhante à proposta por Proni (1998), porém, como seu estudo está focado na sociologia, há certas diferenças que são pertinentes, a título de compreensão do tema, em questão, (esporte-espetáculo). Bracht (2005) diz que, a expressão ‘esporte-espetáculo’ é complementar ao termo ‘esporte de alto rendimento’, assim, uma não ocorre sem a outra, não há espetáculo em esporte que não tenha o alto rendimento como foco (BRACHT, 2005).

Segundo Digel (apud BRACHT, 2005, p.17), os termos ‘esporte-espetáculo’ e ‘esporte de alto rendimento’ estão inseridos em um sistema:

[...] Que pode ser resumido nos seguintes pontos: - Possui um aparato para a procura de talentos normalmente financiado pelo Estado. Além disso, este aparato promove o desenvolvimento tecnológico, com o desenvolvimento de aparelhos para a utilização ótima do "material humano"; - possui um pequeno número de atletas que tem o esporte como principal ocupação; - possui uma massa consumidora que financia parte do esporte-espetáculo; - os meios de comunicação de massa são co-organizadores do esporte- espetáculo; - possui um sistema de gratificação que varia em função do sistema político-societal.

Como base na citação acima, pode-se crer que o esporte na forma de espetáculo só irá ocorrer quando houver uma estrutura comercial por trás, a qual buscará jovens talentos para a

prática esportiva, desenvolverá novas tecnologias para a modalidade, fomentará o esporte na forma de propaganda, e tentará buscar, sempre, novos públicos. Por fim, fará acordos comerciais com os meios de comunicação de massa a fim de transformar o esporte em uma mercadoria rentável.

Ainda que os valores mercadológicos não fossem a força motriz, a impulsionar os esportes, nos Jogos Olímpicos da Grécia antiga, o espetáculo se fazia presente. Portanto, neste momento, estamos tratando o ‘esporte-espetáculo’ enquanto fruto de uma modernidade recente, onde o capital se faz tão presente e influente quanto o próprio espetáculo esportivo em questão. Pierre Bourdieu (1983) diz que o esporte moderno, tido como espetáculo, é fruto do esporte popular, ou seja, nasce da própria sociedade e volta para a mesma em forma de show, espetáculo, entretenimento. Para Pierre Bourdieu (1983, p.144) o esporte que nasce das camadas populares:

[...] Retorna ao povo, como folk music, sob a forma de espetáculos produzidos para o povo. O esporte espetáculo apareceria mais claramente como uma mercadoria de massa e a organização de espetáculos esportivos como um ramo entre outros do show business, se o valor coletivamente reconhecido à prática de esportes (principalmente depois que as competições esportivas se tornaram uma das medidas da força relativa das nações, ou seja, uma disputa política) não contribuísse para mascarar o divórcio entre a prática e o consumo e, ao mesmo tempo, as funções do simples consumo passivo.

Ainda que a citação de Bourdieu retrate outra época, a mesma pode ser aplicada ainda nos dias de hoje, ponto pacífico no texto de Bourdieu (1983) ressalta o interesse político na manutenção de competições esportivas como fim de direcionamento ou manipulação social. O investimento esportivo de alto rendimento dos EUA, por exemplo, mostra claramente o fato levantado por Bourdieu (1983), pois há algumas décadas a maior potência olímpica do planeta, os EUA, investem bilhões de dólares para manter-se como a maior força esportiva do mundo. Isso não se dá pelo simples fato dos EUA ser um grande apoiador esportivo, mas sim, para manter a imagem de uma força hegemônica através do esporte, força esta que simboliza mais que uma potência esportiva, retrata também toda uma superioridade política tanto para seu público interno, a sociedade norte-americana, quanto para o mundo.

Já o filósofo e diretor de cinema Guy Debord (1997), falecido em 1994, em sua célebre obra intitulada ‘A sociedade do espetáculo’, apresenta conceito semelhante ao proposto por Bourdieu (1983). Para Debord (1997), as sociedades atuais vivem sob a regência industrial, ou seja, sob a “batuta” da tecnologia e, ainda para o autor, não há nada de “espetacular” nessas sociedades. Para Guy Debord (1997, p.14), o espetáculo é a “[...] imagem da economia

reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra coisa senão a si próprio. O espetáculo é a principal produção da sociedade atual”.

Tendo em mente que as sociedades modernas vivem em meio ao contínuo espetáculo, não há como esperar algo diferente dos esportes de alto rendimento, pois esse “show esportivo” faz parte de todo um roteiro mercadológico que está engendrado também na cultura esportiva profissional. Essa estrutura de mercado exige que dirigentes esportivos, atletas, clubes e, todos os que estejam ligados aos esportes de alto rendimento, sejam cada dia mais profissionais, portanto para que o “show” possa continuar e o esporte evoluir como negócio não há mais espaço para o amadorismo. Segundo Valter Bracht (2005, p.18):

Num esforço de síntese, podemos dizer que o esporte de alto rendimento ou espetáculo, aquele imediatamente transformado em mercadoria, tende, a nosso ver, a assumir (como já acontece em maior escala em outros países, como nos EUA) as características dos empreendimentos do setor produtivo ou de prestação de serviços capitalistas, ou seja, empreendimentos com fins lucrativos, com proprietários e vendedores de força de trabalho, submetidos às leis do mercado. Isso se reflete nos apelos cada vez mais freqüentes à profissionalização dos dirigentes esportivos e na administração empresarial dos clubes (empresas) esportivos (esportivas).

Bracht (2005) cita claramente o país que melhor tem administrado os esportes como negócio. Os EUA gerenciam suas ‘ligas esportivas’ com tal profissionalismo que se tornam modelos de sucesso para todos os países do mundo que pretendem desenvolver seus esportes de forma empresarial. O negócio-espetáculo norte-americano tem dado tão certo naquele país, que a mídia investe também na transmissão de jogos colegiais e universitários, algo ainda muito longe da realidade brasileira, onde apenas os esportes profissionais têm espaço.

Provavelmente, um dos maiores casos de esporte gerenciado como espetáculo seja o da Liga Norte Americana de Basquete, a NBA. Com base em artigo publicado por Marcelo Weishaupt Proni (1998), na Revista Científica Conexões, da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, a Liga NBA surge no ano de 1946, mas demorou muitos anos até se tornar um modelo de sucesso, pois durante quase 30 anos o basquetebol norte-americano viveu à margem do futebol americano, ainda segundo Proni (1998), a NBA ascende como Liga somente a partir da década de 70, graças, principalmente, aos jovens e talentosos atletas Larry Bird e Magic Johnson e, na década de 80, com Michael Jordan. Proni (1998) diz também, que o grande trunfo da NBA, ainda nas décadas de 70 e 80, foi perceber que seu modelo podia ser mudado, tendo, enfim, copiado o modelo da Liga Norte-Americana de Futebol Americano, a NFL, este que prezava por cumprimento rígido de datas e horários dos jogos, dava maior

atenção à mídia e entretinha seus públicos antes, durante e depois das partidas (PRONI, 1998). Segundo Proni (1998, p.87), a Liga Norte-Americana de Basquete é:

[...] Uma sociedade comercial constituída pelos donos das equipes e gerenciada por um executivo contratado. Atualmente, a Liga conta com 29 equipes, sendo que uma franquia (ou seja, uma licença para um time fazer parte do campeonato) está avaliada em mais de US$ 125 milhões. Os lucros são repartidos em quotas iguais entre os sócios, embora cada equipe tenha orçamento e rentabilidade diferenciados. Para garantir a competitividade do torneio estipulou-se um ranqueamento de jogadores e tetos salariais, o que impede uma equipe de monopolizar os melhores atletas, enquanto o sistema de recrutamento de novos jogadores universitários é feito por sorteio, excluindo-se as equipes que chegam às finais de conferência.

Com base no modelo de negócios que nos é apresentado por Proni (1998), fica evidente boa parte do sucesso do produto NBA, pois há uma real e clara igualdade entre as equipes, seja na forma de recrutamento de novos talentos ou, até mesmo, na remuneração de atletas e divisão dos lucros. O esporte como espetáculo exige que seus gestores trabalhem baseados em uma palavra-chave, ‘igualdade’, se todos têm igual condição o produto cresce e, por conseguinte, todos ganham.

Ainda que haja um modelo de sucesso na gestão de um determinado esporte, seja nos EUA ou no Brasil, por exemplo, considera-se que o esporte enquanto obra de um espetáculo, precisa dos meios de comunicação, para que possa ser propagado. Outro ponto pacífico pode ser cunhado, ou seja, sem a parceria da mídia não ocorrerá esporte-espetáculo. Segundo Giovani De Lorenzi Pires, em tese de doutorado intitulada ‘A Educação Física e o Discurso Midiático: abordagem crítico-emancipatória em pesquisa-ação no ensino de graduação. Subsídios para a Saúde?’, publicada pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, em 2000, o esporte moderno teve certo período de adaptação frente aos novos padrões de transmissão televisiva. Assim, após a fase inicial, esse novo modelo de “esporte enlatado” para a mídia se tornou padrão mundo afora, pois com a espetacularização do mesmo quem financia tem grande poder de decisão. De acordo com Pires (2000, p.53):

[...] O esporte, torna-se agora a mercadoria a ser negociada, seja, principalmente, os direitos de transmissão, seja ainda o conjunto de oportunidades de comercialização de outros bens e serviços, criado pela magnitude das cifras envolvidas. Todavia, para que possam obter a audiência necessária, capaz de tornar rentáveis os investimentos realizados em marketing, extrapolam-se os limites possíveis de presença nos estádios e ginásios, e seu consumo torna-se predominantemente viabilizado pela indústria midiática, o que implica submeter-se, cada vez mais, à sua lógica e códigos de produção/veiculação.

A influência de televisão nos esportes de rendimento se tornou tão grande que, muitas regras, foram mudadas para melhor atender aos interesses das grandes corporações televisivas. O voleibol, por exemplo, deixou de ter a ‘vantagem’ e os pontos passaram a ser diretos, ou seja, quando a bola bate no chão é ponto, os sets também passaram a ser de 25 pontos; o handebol, recentemente, em transmissão televisiva, teve redução de tempo de 40 minutos para 30. Não há dúvida que como a maior financiadora dos esportes profissionais, a televisão tem sido a principal articuladora na transformação de muitos esportes em produtos de mídia. A televisão (entenda-se como as grandes corporações de mídia televisivas do mundo) espera que os esportes, tidos como espetáculos, atendam a seus interesses comerciais. Nesse sentido, muitos esportes acabam por se render aos interesses do capital, haja vista que, sem o dinheiro da televisão muitos acabariam por desaparecer.

Ainda que, nos dias de hoje, a mídia não seja mais a total financiadora dos esportes, há que se acreditar na grande influência sobre o espetáculo esportivo. Tendo como base o Campeonato Brasileiro de Futebol, pode-se perceber que as atuais ações de comunicação e marketing têm obtido grandes resultados financeiros. As novas arenas esportivas, como, por exemplo, as do Corinthians, do Palmeiras, do Grêmio e do Internacional têm sido lucrativas aos clubes e seus parceiros. O espetáculo do esporte é engendrado no torcedor participante, aquele que vai ao estádio, de forma que ele gasta bem mais com o clube nos dias de jogos, comprando não mais apenas o ingresso da partida, mas também, produtos e comida nas modernas arenas e/ou praças esportivas.

Segundo matéria escrita por Rodrigo Capelo32, postada no site do telejornal esportivo

Globo Esporte, em 09/02/2015, a Sociedade Esportiva Palmeiras tem obtido grande retorno financeiro após a construção de sua nova praça esportiva. Segundo Capelo (2015), o clube alviverde precisou de apenas duas partidas em seu novo estádio para obter mais lucro do que teve em todo o campeonato estadual do ano anterior. Isso se deu na partida realizada contra seu arquirrival, o Corinthians, ainda no mês de janeiro deste ano, em jogo válido pelo ‘Paulistão 2015’. Segundo Capelo (2015), o gasto médio de cada torcedor no jogo foi de R$ 91,69, a receita bruta da partida ficou na casa dos 1,74 milhão de reais, soma-se a esse valor R$ 1,08 milhão de reais, ganho pelo Palmeiras no jogo anterior, frente à Ponte Preta; assim o clube da capital paulista obteve em duas partidas um montante de 2,8 milhões. Capelo (2015) diz também que, em relação ao Campeonato Paulista de 2014, o gasto médio do torcedor

32 CAPELO, Rodrigo. Em dois jogos, Palmeiras lucra mais do que no Estadual de 2014 inteiro. Site

palmeirense no estádio do Pacaembu, onde o Palmeiras mandava seus jogos durante a construção da nova arena, foi de R$ 37,94. Já em 2015, na nova arena, em partida contra o Corinthians, o gasto médio por torcedor foi de R$ 91,69 e, contra a Ponte Preta, de 71,50 (CAPELO, 2015).

Outro a citar o sucesso da nova arena do Palmeiras é o jornalista esportivo Cosme Rímoli, em matéria postada no portal de notícias R7.com, em 02/03/2015, Rímoli (2015) mostra outros dados que ratificam a posição da Sociedade Esportiva Palmeiras como a nova força do futebol nacional. Segundo Cosme Rímoli (2015), o lucro obtido pelo Palmeiras, no Paulistão 2015, superou as expectativas da direção do clube, e isso ocorreu, também, graças ao formato do acordo comercial que o clube fez com a construtora WTorre. Rímoli (2015) cita o ganho nos primeiros jogos do Campeonato Paulista de 2015 e, também o formato do contrato com a WTorre:

[...] Os cinco jogos renderam R$ 9,7 milhões. Isso tendo compartilhado a arrecadação do primeiro jogo do torneio, com o Audax. Os números são espetaculares. [...] A WTorre vai explorar o estádio por 30 anos. Toda a arrecadação dos jogos de futebol fica com o clube de Palestra Itália. A construtora tem o naming rights e shows. Ao Palmeiras, apenas uma pequena porcentagem33.

O espetáculo do esporte de alto rendimento como ferramenta de entretenimento moderno não pode parar, com base nas palavras de Debord (1997), vivemos em meio à ‘sociedade do espetáculo’. Assim, este pesquisador acredita que a evolução do esporte como negócio passa, indubitavelmente, por sua profissionalização. Esportes de menor expressão, que optarem por não crescer, tendem a desaparecer ou serem tão pequenos que passarão à margem do conhecimento social. Este pesquisador também aceita a ideia de que, nem todos os esportes atendem às necessidades da mídia e, por isso, nunca terão espaço na sociedade midiática do espetáculo. Que fique claro – defendemos a profissionalização dos esportes, não sua espetacularização – pois o esporte, quando gerenciado de forma profissional, faz bem não apenas a seus praticantes, mas também, a todos os seus admiradores.

33 RÍMOLI, Cosme. Novo estádio faz o Palmeiras o clube que mais arrecada no Brasil. Sozinho, lucra mais que os campeonatos Carioca, Gaúcho e Mineiro. Com tanto dinheiro, cresce a chance de Valdivia ficar…

No documento Download/Open (páginas 83-90)