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FERNANDES, Luís José Seixas

No documento Dicionário (páginas 103-107)

Baía, 1859 – Paris, 1922

Luís Fernandes (Fig. 1) nasceu na Baía em 30 de novembro de 1859. Formou -se no Institu- to Comercial e Industrial, em Lisboa, cidade na qual fixou residência por volta dos 20 anos. Nessa época, por falecimento de seu pai, herdou vasta fortuna.

Profissionalmente, exerceu atividades ligadas à hotelaria e ao turismo: foi um dos primeiros sócios da Sociedade Propaganda de Portugal, mentor do programa do primeiro “Curso de Hotelaria” lecionado em Portugal e relator no Congresso Internacional de Turismo de 1911. Contudo, apesar do importante currículo nesta área profissional, viria a ser recordado princi- palmente pelas ações desenvolvidas enquanto presidente do Grupo de Amigos do Museu Nacio- nal de Arte Antiga (GAMNAA) e “apaixonado amador de quadros e ilustrado coleccionador de objectos artísticos” (In memoriam… 1923, 19).

Luís Fernandes assume a presidência do GAM- NAA quando este é constituído, em 1912. O con- vite para o cargo foi feito por José de Figueiredo (1871 -1937), diretor do Museu, que reconheceu em Fernandes várias qualidades: era um homem culto, apaixonado pela arte, colecionador, cos- mopolita e, principalmente, muito rico. Para além disso, parte da sua atividade profissional relacionava -se com a propaganda turística, fer- ramenta muito útil nesta fase de (re)estruturação e consolidação da imagem do Museu Nacional de Arte Antiga (Baião, 2012, 23 e seg.).

Na primeira reunião da Assembleia Geral do GAMNAA, em 27 de abril de 1912, foram eleitos

os corpos gerentes e aprovados os seus Estatutos. Bastante esclarecedores da missão e objetivos do novo organismo, os dois artigos iniciais dos Estatutos revelam as três grandes prioridades do GAMNAA: fomentar o incremento das coleções do museu; melhorar as condições de instalação e exposição das mesmas e promover a divulgação e comunicação com o público (Estatutos…, 1916, 3 -4).

As incorporações promovidas pelo GAMNAA durante a presidência de Luís Fernandes visaram colmatar a incapacidade do museu em promover uma política de aquisições através da sua dota- ção orçamental regular e tinham como principal objetivo “preencher as lacunas nas colecções e, acima de tudo, beneficiá -las com escolas e autores que, a exemplo do que acontecia lá fora, figuravam, ou tendiam a figurar, nas respectivas

FIG. 1 José Luís Fernandes, 1859 ‑1922. Imagem publicada em Ilustração Portuguesa, 12 de abril de 1920.

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peças para a suspensão dos quadros) ou mesmo do pagamento direto das intervenções feitas em algumas salas (v. 2012, 36 -37).

O GAMNAA de Luís Fernandes desempe- nhou ainda um relevante papel no processo de afirmação e internacionalização do museu, nomeadamente através da edição de postais, da organização de encontros e conferências e da publicação de livros.

Para além destas ações, o grupo fomentou neste período a aquisição de livros, ação fulcral para a formação da biblioteca do museu, projeto iniciado por José de Figueiredo e acolhido com especial ânimo por Luís Fernandes, “bibliófilo na ampla acepção da palavra, amando o livro pelo que ele continha e pela arte com que era apresen- tado” (In memoriam…, 1923, 9).

colecções nacionais, dotando, dessa forma, o País com um museu nacional de categoria inter‑ nacional” (Bastos, 2012, 73). O GAMNAA de Luís Fernandes viria a ser responsável por importan- tes incorporações de objetos de pintura, escul- tura, mobiliário e artes decorativas (v. idem, 69 e seg.), efetuadas através de “doações de obras de Arte ou pecuniarias” e da promoção de “depo- sitos de obras de Arte a prazo determinado ou indeterminado” (Estatutos…, 1916, 3).

O GAMNAA assumiu também um importan- te papel no apoio às intervenções nas salas do museu, cumprindo assim a missão de estimu- lar “a instalação modelar das suas colecções” (idem, 3) através, por exemplo, da compra de tecidos para forrar as paredes, da aquisição de equipamento museográfico (como vitrinas ou

FIG. 2 Notícia relativa à inauguração das novas salas do Museu Nacional de Arte Antiga remodeladas, com exposição de objetos doados pelo GAMNAA. Ilustração Portuguesa, 12 de abril de 1920.

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Para além da cerâmica, o ímpeto colecionista de Luís Fernandes manifestou -se ainda na reu- nião de uma “importante colecção de libretos de óperas representadas em Portugal, ou tratando de assuntos portugueses” (idem, 44) e na organi- zação da secção portuguesa da Biblioteca -Museu da Guerra (BMG), em Paris (v. Baião, 2014, 463 -466).

Luís Fernandes faleceu precocemente em Paris, em 1922. Das várias disposições contem- pladas no seu testamento, destaque -se o legado feito o Museu Nacional de Arte Antiga: a sua coleção de xícaras “com as vitrines e armarios que as contem e todas as peças de ceramica artís- tica que estão na minha residencia em Lisbôa e que forem dignas de serem expostas naquel- le Museu”. A condição para a efetivação deste legado seria a sua exposição integral no MNAA, “numa sala ou salas que se denominarão ‘Maria Emília’, em memória de minha mãe” (Testamen- to de José Luís Fernandes, 1914). Aceite o lega- do, José de Figueiredo ordenou imediatamente a organização de uma das salas do MNAA para receber a coleção (Fig. 3). Neste espaço, inau- gurado em janeiro de 1924, expuseram -se nove vitrinas repletas de peças, tendo o seu “arranjo” sido complementado com objetos pertencen- tes às coleções do museu. Encontrava -se ainda A atividade desenvolvida pelo GAMNAA

durante a presidência de Luís Fernandes foi fun- damental para o processo de (re)organização daquela instituição e está ligada à construção e consolidação da sua imagem como o museu de arte de referência nacional (Fig. 2). Reynaldo dos Santos chamaria a este período “a década de Luís Fernandes” (Diário de Notícias, 10 -05 -1923), homenageando assim o seu antecessor na presi- dência desta agremiação.

Para além da ação no GAMNAA, Luís Fer- nandes foi colecionador de arte, musicófilo e bibliófilo.

No campo dos objetos artísticos, e apesar de ter adquirido alguma pintura, a tipologia que mais o apaixonou foi a cerâmica, principalmente as xícaras, que colecionou impulsivamente. “Cera- molatra” convicto – assim o apelidou Manuel de Sousa Pinto (idem, 50) – Fernandes desenvolveu o interesse por esta área através do estudo e da troca de impressões com especialistas, como, por exemplo, José Queirós (1856 -1920), con- servador do MNAA desde 1911 e responsável pela organização das suas coleções de cerâmica durante a década de 1910, ou Georges Papillon (1849 -1918), conservador das porcelanas e das artes do fogo no Museu do Louvre no final do século XIX e, mais tarde, das coleções do Museu Cerâmico de Sèvres (idem, 41 -42).

No seu palacete de Lisboa – sito na antiga tra- vessa de S. Marçal, hoje rua Luís Fernandes – o colecionador expunha as suas obras de forma ordenada. Os quadros, em vez de suspensos nas paredes, eram “comodamente expostos (…) em pequenos cavalêtes, sobre os bufêtes dourados do salão” (idem, 44). As coleções de cerâmica ora eram instaladas em vitrinas encomendadas em França para esse fim, nas quais se exibiam as peças de excepcional beleza “ostensivamente, ainda que algumas com luxuosos resguardos”, ora eram distribuídas pela casa como elementos decorativos, ocupando assim “os lugares para que pareciam naturalmente destinadas” (idem, 44).

FIG. 3 Sala Maria Emília, com a exposição da coleção de cerâmica de José Luís Fernandes, nas suas vitrinas originais, 1922. Arquivo Fotográfico MNAA, 4.2.5.1, Gaveta 12, N.º 1086.

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BAIÃO, Joana. 2015. Museus, arte e património em Portugal. José de Figueiredo (1871 ‑1937). Casal de Cambra: Calei- doscópio.

BASTOS, Celina e Carvalho, Marta Barreira. 2012. Por amor à Arte. O Grupo dos Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga. 100 anos 1912 ‑2012. Lisboa: Amigos do Museu. S.A. 1916. Estatutos do «Grupo dos Amigos do Museu

Nacional de Arte Antiga de Lisboa» aprovados em ses- são de Assembleia Geral de 27 de abril de 1912. Lisboa: Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga.

TESTAMENTO de Luís José Fernandes [18 de dezembro de 1914; cópia; Lisboa, 4 de março de 1922]. Gabinete de Estudos Olisiponenses, MS -MÇ 1416 CMLEO.

[J.B.]

JOANA  BAIÃO Membro integrado do Instituto de História

da Arte da Universidade Nova de Lisboa. Licenciada em Artes Plásticas  –  Escultura (2005), mestre em Museologia (2009) e doutora em História da Arte, especialização em Museologia e Património Artístico (2014). Atualmente é bolseira de Pós‑ ‑Doutoramento financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com o projeto de investigação Study trips and artis‑

tic emigration: Portuguese artists in Paris, 1929 ‑1976. Foi bolsei‑

ra da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (2009 ‑2010) e integrou a equipa de investigação do projeto Fontes para a História dos Museus de Arte em Portugal (2010 ‑2013). Tem colaborado com diversas instituições em projetos relacionados com História da Arte e da cultura, entre as quais o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado e a Fundação Arpad Szenes ‑Vieira da Silva.

exposto nesta sala o retrato de Luís Fernandes, desenhado por Columbano Bordalo Pinheiro e doado pelo GAMNAA em 1923 (v. Baião 2015).

Luís Fernandes determinou também a con- cessão de direito de preferência ao Estado, aquando da venda em hasta pública do seu pala- cete. O imóvel veio a ser adquirido em 1925 por Artur Alves dos Reis – o famoso falsificador de notas – e, mais tarde, foi vendido ao British Coun‑ cil, atualmente lá instalado.

Em 1923, Luís Fernandes foi alvo de homena- gem por parte da Câmara Municipal de Lisboa, que em edital de 6 de fevereiro determinou que a antiga travessa de S. Marçal passasse a designar- -se Rua Luís Fernandes. Em 30 de novembro desse ano foi organizada uma cerimónia, cele- brando a nova toponímia, na qual foi descerrada uma placa de bronze desenhada por Raul Lino e modelada e fundida sob a direção de Teixeira Lopes. Colocada no pilar direito do portão do palacete que pertencera a Fernandes, a placa ainda lá está, homenageando a memória “do benemerito brasileiro (…) a quem Portugal ficou devendo tantas provas de carinho e interesse.” (Ilustração Portuguesa, 8 -12 -1923).

Este artigo é uma adaptação do texto “O amigo brasileiro: Luís Fernandes (1859 -1922)”, publicado pela autora em NETO, Maria João e MALTA, Marize (eds.). 2014. Coleções de Arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX. Perfis e Trânsitos. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 455 -469.

BIBLIOGRAFIA

AAVV. 1922. In memoriam Luiz Fernandes. Lisboa: Grupo dos Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga. BAIÃO, Joana. 2012. “O Grupo dos Amigos do Museu

Nacional de Arte Antiga. Fundação e primeiros anos”. De Amiticiae. 100 Anos do Grupo dos Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga. Lisboa: MNAA / IMC.

BAIÃO, Joana. 2014. “O amigo brasileiro: Luís Fernandes (1859 -1922)”. Coleções de Arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX. Perfis e Trânsitos, ed. Maria João Neto e

Dicionário Quem é Quem na Museologia Portuguesa FERNANDO II, rei‑consorte de Portugal

FERNANDO II,

rei‑consorte de Portugal

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