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LACERDA, Abel de Tondela, 1921 – Águeda,

No documento Dicionário (páginas 171-174)

Tal como seu irmão, sobrinha e sobrinhos netos, Abel de Lacerda foi profundamente marcado pela vida e obra de seu pai, Jerónimo de Lacerda, fun- dador, no Caramulo, de uma importante estância sanatorial, destinada a doentes de tuberculose. Quando, durante a sua infância, a descoberta da cura para aquela doença começou a generalizar- -se, iniciaram -se alguns processos de reconver- são dos imensos bens que a família ali detinha. O contributo de Abel de Lacerda será decisivo e

o seu ponto de partida foi a sua paixão pela arte que colecionou desde a juventude.

Homem culto e cosmopolita, membro natural da alta -roda da sociedade portuguesa, Abel de Lacerda foi um vulto ilustre do mecenático artís- tico que se afirma nos anos da segunda guerra mundial, protagonizado, em Lisboa, também por Ricardo Espírito Santo Silva, António de Medei- ros e Almeida (1895 -1986) ou João Gonçalo do Amaral Cabral. Interessa referir ainda a sua pro- ximidade a Oliveira Salazar que, por convite de Jerónimo de Lacerda, no início da sua vida polí- tica, frequentara a Estância do Caramulo, como documenta o seu primeiro retrato oficial, pinta- do, em 1933, por Eduardo Malta (1900 -1967), outro amigo da família Lacerda. Talvez por esses laços, mas também pelo seu empenho no serviço público, Abel de Lacerda foi Presidente da Câma- ra Municipal de Tondela, Presidente da Junta de Turismo do Caramulo e deputado à Assembleia Nacional (1949 -1957).

Como colecionador, Abel de Lacerda integra- -se plenamente no gosto das elites da sociedade portuguesa, marcado quer pelo culto de alguns aspetos das artes clássicas europeias, quer, especialmente, pelos valores de um arreigado patriotismo que se exprime nos “Primitivos por- tugueses” e nas práticas relacionadas com as trocas culturais com o Oriente (v. Quilhó, 1959). No entanto, este gosto tradicional e conservador conhecerá uma excepcional abertura que é a sua marca exclusiva.

Articulando criativamente os interesses fami- liares no Caramulo e a paixão do colecionismo artístico, Abel de Lacerda decidiu, em 1953, fundar um museu, projetado de raiz, num diá- logo profícuo com o arquiteto Alberto Cruz. Antes do Museu Calouste Gulbenkian, este belo museu foi um dos raros construídos de origem em Portugal, com uma organização interna de grande modernidade, desde logo anunciado na ampla fachada com um geometrismo austero. Mas o aspeto mais original do projeto do Museu FIG. 1 Abel de Lacerda, s.d. Imagem disponível em

https://geneall.net/pt/familia ‑nomes/495/lacerda ‑la‑ ‑cerda/a/ ©

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Abel de Lacerda foi mais longe, com uma meto- dologia que parece ter sido uma ideia própria: o acervo do Museu do Caramulo é exclusivamente constituído por obras doadas por colecionado- res, quase na totalidade em nome próprio. Era, como ele dizia, “um museu de particulares” (A.A. V.V., 2003). Dois outros traços deste originalíssi- mo projeto devem ser relevados: Abel de Lacerda e a sua família (sempre em nome próprio) foram os primeiros doadores do museu; por outro lado, quer as doações do próprio, quer os da família e amigos são, em geral, de elevadíssima qualidade, no que respeita à relevância histórica e artística das peças que vão da Antiguidade à Contempo- raneidade, cruzando pintura, escultura, mobiliá- rio, e todas as tipologias das artes decorativas. Ao mesmo tempo que ia conseguindo doações dos seus familiares e amigos (percorrendo toda a alta sociedade portuguesa), Abel de Lacerda iniciou uma série de contactos específicos com artistas estrangeiros em atividade. O caso mais célebre ocorreu com Picasso: conseguiu ser por ele recebido e saiu de sua casa com uma bela Natureza morta, de 1947, a primeira pintura do reputado artista a integrar uma coleção em Por- tugal (Fig. 2). Não sendo possível, na economia deste artigo, descrever e caracterizar as coleções do Museu do Caramulo, é indispensável referir as quatro tapeçarias quinhentistas Portugueses na do Caramulo reside na rápida constituição de

uma notável e ecléctica coleção. Certamente influenciado pelo empenho da sociedade norte- -americana na criação e manutenção de museus,

FIG. 3 Inauguração do Museu do Caramulo em 1959. Imagem disponível em http://www.museu ‑caramulo.net/pt/ content/1 ‑o ‑museu/9 ‑histria ©

FIG. 2 Abel Lacerda no atelier de Pablo Picasso, no momento em que assina a obra que doou ao Museu no Caramulo, 1957. Fonte: A.A.V.V. 2003. Colecção

da Fundação Abel Lacerda. Caramulo: Fundação Abel

Lacerda/Museu do Caramulo, p. 2.

Dicionário Quem é Quem na Museologia Portuguesa LACERDA, Abel de

RAQUEL  HENRIQUES  DA  SILVA Professora Associada na

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/NOVA), Departamento de História da Arte. Leciona os seminários do Mestrado em História da Arte do século  XIX e é coordenadora científica do Mestrado em Museologia. Autora de estudos de investigação e divulgação nas áreas do Urbanismo e arquitetura (século  XIX ‑XX), Artes Plásticas e Museologia. Comissária de exposições de arte. Coordena outros doutoramentos na área da História da Arte Portuguesa, séculos XIX ‑XX. Integrou (2008 ‑2009; 2011) os pai‑ néis de avaliação FCT para a atribuição de bolsas de douto‑ ramento e pós ‑doutoramento, na área de História – História da Arte e Estudos Artísticos. Foi diretora do Museu do Chia‑ do  –  Museu Nacional de Arte Contemporânea (1994 ‑97); do Instituto Português de Museus (1997 ‑2002); e do Instituto de História da Arte da FCSH/NOVA (2010 ‑2017). Atualmente, é diretora científica do Museu do Neo rrealismo de Vila Franca de Xira.

Índia, verdadeiros tesouros nacionais que cele- bram a chegada dos portugueses à Índia, com- prados por Abel de Lacerda em Inglaterra e nos Estados Unidos e generosamente oferecidos ao museu.

Falecido prematuramente em 1957, num desastre de automóvel, Abel de Lacerda não viu concluído o seu museu, que estava então em fase final de edificação. O seu irmão, João Lacerda, apoiado pela família e muitos amigos, decidiu levar o projeto à sua conclusão, solenemen- te inaugurado em 1959 (Fig. 3). Fundamentais foram também os apoios do Estado e da Funda- ção Calouste Gulbenkian. João Lacerda, grande apaixonado por automóveis antigos, enriquece- ria as coleções de arte de seu irmão com uma portentosa coleção de automóveis, determinan- do assim outro traço da originalidade do Museu do Caramulo que, na atualidade, continua a ser gerido pelos seus descendentes, empenhados na valorização de uma extraordinária herança.

BIBLIOGRAFIA

A.A.V.V. 2003. Colecção da Fundação Abel Lacerda. Caramulo: Fundação Abel Lacerda/Museu do Caramulo.

QUILHÓ, Irene. 1959. “A colecção de arte de Abel de Lacerda”. Colóquio. Revista de Artes e Letras. N.º 4 (julho: 20 -25). Disponível em: http://coloquio.gulbenkian.pt/al/ sirius.exe/artigo?91

Relação de Obras de Arte oferecidas em 1956 ‑1957. Caramulo: Museu do Caramulo, 1957.

[R.H.S.]

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LARCHER, Tito

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