• Nenhum resultado encontrado

2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

3.5 Justiça Intergeracional eReconhecimento entre Gerações

3.5.5 Justiça (em si mesma) e Justiça Intergeraccional

Explicando-se que a justiça somente pode ser, e não existe a possibilidade dela repousar dentro do não-ser, surge o trato cotidiano de aproximá-la das formas lógicas de sua expressão. Portanto, a justiça distributiva, comutativa, dialogal, equitativa, e várias de suas modalidades, deságuam na imensa amplitude espaço-temporal da justiça intergerarcional. Esta, através do Princípio de Dignidade Humana e o Princípio de Responsabilidade, refere-se a Humanidade. Assim, a justiça intergeracional tem dentro de si todas aquelas formas de

justiça: deverá ser distributiva, comutativa, dialogal, equitativa e meio de comunicação jurídica, política, filosófica, econômica e social com gerações presentes e futuras.

Contudo, é neste fluxo temporal contínuo (que não coincide com a divisão do tempo em passado, presente e futuro), que os fatos jurídicos são interpretados sempre diferentemente. O Direito de cada período histórico traz consigo a pretensão de vencer o tempo, embora isto não seja possível. É sempre o tempo e o espaço de cada cultura que juntam as mãos para depositar frente aos juízes fatos tão novos quanto inusitados. Assim, a justiça intergeracional é tempo qualificado juridicamente para o Direito que pretende atingir várias gerações:é totalidade que sugere ausência e que se insinuou no mundo jurídico através dos problemas mundiais apresentados pelo Direito Ambiental, Direitos Humanos e o Direito Internacional. Esta situação dificulta pensar sobre as gerações presentes e a lógica de distribuição, conservação e consumo de bens entre relação às gerações futuras.

Usa-se imagem simplificadora. Se cada atleta que disputa corrida de revezamento representar determinado período geracional da humanidade, ele deve entregar para o próximo atleta o mesmo bastão, e assim até que o último atleta cruze a linha de chegada. Nesta imagem a justiça intergeracional é projeto jurídico-político da Humanidade: mas nada garante que os atletas participantes do esforço cooperativo a que se integrarammanter-se-ão concordes entre si. É possível surgirem desavenças entre os atletas participantes. Logo, a justiça intergeracional deve se universalizar como projeto do Direito capaz de eficácia para fazer fazer a conservação e preservação das riquezas naturais para as presentes e futuras gerações.215

Contudo, o bastão, que representa a constância axiologia e as riquezas naturais, sofre natural desgaste de uma para outra geração: não permanecerá imutável no curso do tempo. Apreciando esta dificuldade com a expressão de Bobbio – o fazer fazer prescritivo das normas jurídicas – a Ciência Jurídica deverá vencer as forças inerciais que sempre lhe tolheram a agilidade. Portanto, deverá ela aprender a saber como dar início a normas que fazem fazer o que não mais pode ser adiado.

Assim, a justiça intergeracional recepcionada nas normas jurídicas é o Direito vivenciado na facticidade das sociedades que tem atarefa de controlar o futuro a partir do presente. Mas a viscosidade do ser das sociedades está no fato de que estas vivem sobre grandes “placas tectônicas” recobertas pelo acaso, o imponderável, o risco ou absurdo daquilo que não poderia

215 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 6. ed. São Paulo: EDIPRO, 2016. p. 77: “[...] a função prescritiva, própria da linguagem normativa, consiste em dar comandos, conselhos, recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e modificá-lo, em suma, no fazer fazer.”

acontecer. Toca-se o problema mais agudo: o Direito deverá ser construído para solucionar problemas do presente enfermiço e construir a cura do futuro longínquo. O grau de comprometimento das gerações presentes em relação com as gerações futuras só dificilmente pode ser imaginado como possível e alcançável. Comprometimento deverá consolidar-se em direitos, condutas, ações sociais objetivas, economia ambiental fundamentada em princípios científicos sólidos que se torna permitido pensarque este panorama seja possível.

Nesse caso, alegar que a justiça (em si mesma) e a justiça intergeracional não é objeto de cognição era o maior logro de que os juristas foram vítimas. O Direito está impregnado por inteiro destes vocábulos, e por isso nunca deixou de ser a instância de conhecimento científico humano em que a “justiça poderia ser dita”:a condição daqueles que podiam “dizer a justiça” foi atacada impiedosamente pelo falso argumento que admitia a subjetivação absoluta de tudo o que era possível dizer sobre a justiça. Esta postura imperial da surdez sobre a possibilidade de conhecimento da justiça, inclusive pelo Direito Positivado, cumpriu a missão longa e, talvez, planificada de ocultar que ao Direito cabia missão de desvendar e separar o lícito do ilícito, o justo do injusto, o digno do ignóbil, a verdade da falsidade.216 E do interior dessa densa e obscura história, a natureza foi lançada para as margens do Direito através de sua fragmentação para dar lugar ao abuso de institutos jurídicos como a propriedade, a posse, a apropriação porcompra-e- venda dos “frutos da terra”. Isto é, com a conseqüente mercancia de uma totalidade orgânica viva a sofrer depleção que hoje se entrega combalida para as gerações incipientes.

Inspirando-se em Pontes de Miranda, pensa-se ser possível que à humanidade apenas lhe coube a tença sobre os frutos da Terra.217 O conceito de propriedade ainda esconde enigma não solucionado: este conceito tem algo de ilusão que distorce a relação entre homem e natureza. A pesquisa pontiana chega a admitir que o termo patrimonium, com origem em pater, revela a “tara econômica e psicanalítica”. Pois propriedade é mais do que posse; mastença nem posse é.218 Oestudo da propriedade que comumente se pensa exaurido devido à ampla bibliografia existente, ainda revela o inesperado:

216 BARRETO, Tobias. Estudos de direito. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000.p. 157: “Há realmente um Cosmos do direito; mas este, não menos do que o Cosmos físico, é um produto da lei do fieri, da lei do desenvolvimento contínuo; e assim como no mundo material é presumível que exista apenas uma pequena parte, em que a matéria já chegou ao seu estado de equilíbrio, assim também no Cosmos do direito só há uma parte diminuta, em que as forças se acham equilibradas e não tem mais necessidade de lutar.”

217 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970. t. 1, p. 29.

218 Ibid., p. 29: “Propriedade é tudo que se tem como próprio. O que achou o anel de outrem, perdido na rua, ainda durante o tempo em que o pôs no dedo, ou no bolso, não o tem como próprio: e sim, apenas, a tença, que não é, sequer, a posse.”

O direito à substância não é mais do que relação entre o dono e a sociedade, cujo conteúdo é dado pelo princípio ‘Se desaparecerem todas as limitações e restrições ao direito do dono, ele, e não outrem, recupera os direitos, pretensões e ações que não tinha, devido a essas limitações e restrições’.219 Gerações futuras poderão pensar como foi possível que seus antecessores puderam se considerar proprietários sobre a substância e a corporeidade sobre tão grande número e variedades de bens. Pontes de Miranda pensa a emaranhada história de propriedade e domínio. Segundo ele houveram várias categorias jurídicas antigas que precederam aquelas duas: reguengos, jugaria, coutos e honras, morgados, Lei das sesmarias e Lei da avoenga. 220

Propriedade e domínio apresentam a face do uso equivocado das palavras. Argumentar, a título de exemplo, em defesa do aborto, que mulheres são proprietárias do próprio corpo sem perguntar-se sobre esta possibilidade em que a linguagem natural possa falsificar a realidade. Tal como a sustentabilidade ocultou a justiça intergeracional. O Direito do futuro poderá renovar a pergunta pelo sentido último da propriedade e do domínio, e pensar se a as riquezas naturais podem pertencer a alguém como o Estado, a pessoas jurídicas ou pessoas físicas. Concluindo que o conceito de propriedade foi hipertrofiado e artificialmente valorizado até o esvaziamento de seu sentido.

Documentos relacionados