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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

5.6 Reflexão comJohn Rawls

5.6.1 Kant e Rawls

No veil of ignorance as pessoas não escolhem princípios com o objetivo de favorecerem a si mesmas. Este experimento mental não tem cunho antropológico, histórico ou psicológico, é pressuposto teórico para explicar racionalmente o porquê da escolha de

444 Tradução de Carlos Pinto Correa.

445 HEIDEGGER, Martin. Ser y tiempo. Traducción, prólogo y notas de Jorge Eduardo Rivera C. Madrid: Trotta, 2009. p. 25: “La consideración de los prejuicios nos há hecho ver que no solo falta la respuesta a la pregunta por el ser, sino que incluso la pregunta misma es oscura e carece de dirección. Por consiguinte, repetir la pregunta por el ser significa: elaborar de una vez por todas en forma suficiente el planteamiento mismo de la pregunta.”

princípios da justiça que será realizada.446 Entretanto, na engenhosa elaboração de Rawls, que alcança o ser da justiça, é possível refletir sobre o modo como os sujeitos possam influenciar uns aos outros e que o direito de isegoria está pressuposto. A rigor, este direito que está apenas pressuposto sob o véu imaginado por Rawls também continua a existir como pressuposto e condição de possibilidade de discussão pública da justiça. Sociedades democráticas reverenciam este direito, ainda que não percebido em todas as circunstâncias da vida de convivência e de esforço cooperativo. E assim acolherem ao lado do direito de isegoria o direito de isonomia para que deliberações possam ser construídas com o uso da palavra.

Examinando-se a possibilidade de ampliação da teoria de Rawls – exigência da justiça intergeraciconal – é indispensável pensar que a ausência do direito de isegoria não é apenas impedimento para a formulação do veil of ignorance, mas sua própria impossibilidade. Os vocábulos isegoria / isonomia senão encontrados no interior do experimento mental de Rawls, deverão ser descobertos posteriormente e mantidos com o conhecimento de que justice as fairness. Trata-se de ordenar o discurso democrático a partir de si próprio, discurso que pretende ser conhecido como decorrência natural da democracia e que deve ser realizado perante a apreciação pública. “Justice is the virtue of social institutions, as truth of systems of thought.”: esta a afirmação lapidar de Rawls, que, sozinha, equivale a um aforismo. Elaexpõeproporção que satisfaria exigência aristotélica; justiça e verdade comometas do discurso racional pressupõem o direito isonomia e o direito de isegoria. Assim, a teoria de Rawls está assentada em bases que levam a explicar como a linguagem de ser usada para revelar justiça como virtude das instituições sociais e a verdade como virtude dos sistemas de pensamento. Aqui se encontram Rawls e Kant. O primeiro, virtuosamente indicando possibilidades de ampliação de sua própria teoria em vista da justiça intergeracional; o segundo, por ter topado com o problema da justiça intergeracional e o problema dodesenvolvimento. O pensamento de Kant surpreende pela atualidade:

O que permanece estranho aqui é que as gerações passadas parecem cumprir suas penosas tarefas somente em nome das gerações vindouras, preparando para estas um degrau a partir do qual elas possam elevar mais o edifício que a natureza tem como propósito, e que somente as gerações posteriores devam ter a felicidade de habitar a obra de uma longa linhagem de antepassados (certamente sem esse propósito) edificou, sem mesmo poder participar da felicidade que preparou. E por enigmático que isto seja, é, entretanto, também necessário, quando se aceita que uma espécie animal

446 BARRETTO, Vicente de Paulo; BRAGATO, Fernanda Frizzo. Leituras da filosofia do direito. Curitiba: Juruá, 2013. p. 223.

deve ser dotada de razão e, como classe de seres racionais, todos mortais, mas cuja espécie é imortal, deve todavia atingir a plenitude do

desenvolvimento de suas disposições. (grifo do autor).447

As expressões assinaladas são essenciais pela importância que assumem no presente texto: a. Kant assinalou o aspecto enigmático que há entre as gerações passadas e as gerações vindouras; b. Kant manifestou-se sobre a plenitude do desenvolvimento que deve ser atingido pela espécie humana; c. Kant afirma que se o indivíduo humano é mortal, a espécie humana é imortal; d. Kant indica que este enigma está oculto na natureza, termo que ocupa lugar central da Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita.

Kant apresenta possibilidades de ampliação da teoria de Rawls, nelassendo possível incluir os direitos de isegoria eisonomia. Pensa-se com correção:as gerações passadas e as gerações vindouras buscam a plenitude do desenvolvimento, fato que a natureza resolve (não deixando de ser enigmática) usando os indivíduos mortais para tornar imortal a espécie humana. Lado a lado estão os problemas da plenitude do desenvolvimento e da justiça intergeracional (esta apenas pressuposta). Naquelas breves linhas do filósofo de Königsbergse encontra todas as palavras-chave deste texto e reforço para a confirmação da hipótese lançada:o pensamento de Kant e Rawls admite apenas a justiça intergeracional e não existe vocábulo ou expressão que a possa substituir.

O enigma a que Kant se referiu está no porquê das gerações passadas se sacrificarem pelas gerações vindouras. Neste problema se topa com a reflexão sobre a Natureza, precipitadamente removida do Direito pela linguagem espúria gerada pela noção de sustentabilidade. Rousseau, Schopenhauer, Hugo, Gray ou Heidegger (aqui já analisados), não evitaram pensar a Natureza e sequer simplificaram este problema; – a Natureza deverá retornar para o pensamento jurídico, condição para a compreensão da justiça intergeracional. A Natureza fundamenta a correta idéia de desenvolvimento pleno da espécie humana e da Humanidade que coincide com a perfectibilidade da justiça em si mesma considerada e também assinalada na justiça intergeracional. Pertencendo ao Iluminismo, Kant traz para a contemporaneidade a teleologia de perfectibilidade da qual a Humanidade não pode se afastar. Mas, considerando-se a sustentabilidade em si mesma (reflexão que, a rigor, é impossível), sabe-se o quando ela se afasta das luzes da razão.

447 KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Tradução de Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra. São Paulo: MartinsFontes, 2011. p. 6-8, Cf.: Terceira Proposição.

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