• Nenhum resultado encontrado

2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

3.5 Justiça Intergeracional eReconhecimento entre Gerações

3.5.2 Necessidade Metafísica da Justiça (Considerada em si mesma)

A proposição – a justiça é – indica que a justiça é e não pode não ser. Neste caso “é” caracteriza existencial necessário. Se a justiça estivesse no interior do não- ser, não poderia ser objeto de pensamento ou de narrativa que visa esclarecer se determinada conduta humana é racional ou irracional. Contudo, a experiência indica que é possível pensar a justiça e narrar o que se considera justo ou injusto. Portanto, a justiça existe como cognição racional humana por pertencer ao ser; fosse ao contrário disto, a justiça sequer seria objeto passível de pensamento. 204

Outros fatos notáveis ocorrem se a justiça não fosse realidade que se dá a conhecer ao intelecto humano. Mesmo que considerada a cultura de determinada sociedade, seus costumes, sua história, as leis não poderiam ser indigitadas como justas e injustas. Entretanto,

203 JHERING, Rudolf Von. Sobre el nacimiento del sentimiento jurídico. Edición de Federico Fernández- Crehuet. Madrid: Trotta, 2008. p. 39.

204 SERRES, Michel. Narrativas do humanismo. Tradução de Caio Meira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015. p. 82: “Então aparece o outro simultaneamente a mim. Pois minha língua permaneceria um idioleto para autista se uma primeira comunicação nada me retornasse, som, sentido, sintaxe, uma língua já comum. Desde o útero e o seio, minha mãe já devia ocupar esse papel instituidor.”

isto ocorre e é fato de discussão e polêmicas jurídicas acirradas diariamente em vários Tribunais do mundo. Do contrário, o ser humano tornar-se-ia ética e juridicamente cego para todas as questões que se lhe colocassem para apreciação jurídica. A justiça, em si mesma, torna possível o conhecimento da Ética, do Direito e da justiça intergeracional: mas a sustentabilidade não gera conhecimento seguro enquanto não pode ocupar o lugar da justiça ou da justiça intergeracional.

Nesse sentido, a Hermenêutica Jurídica, com alguma freqüência, ignora o realmente proporciona conhecimento jurídico e a interpretação de textos de lei. Exemplo desta afirmação encontra-se em Silva e sua Teoria do Conhecimento Constitucional:

‘A dificuldade está aí, porque quando o pensamento se volta para um objeto que se quer conhecer é porque algo já sabe dele. A problematização é uma inquietação do espírito suscitada pela necessidade de atingir a essência do objeto a conhecer, pela necessidade de distinguir o objeto dos outros objetos’.

‘Ao cuidar do conhecimento constitucional – conhecimento que tem por objeto a constituição –, o sujeito cognoscente já sabe, ao menos, que tal objeto existe, e dele tem uma idéia. Até por intuição conhece-se algum elemento da constituição do Estado onde se vive (sabe-se que há governo, instituições governamentais etc.), porque ‘o ato de conhecer já implica o problema do valor daquilo que se conhece’. (grifo do autor).205

No caso da justiça intergeracional sabe-se que a necessidade de sua consciência e obediência se forma durante o convívio sócio-afetivo das entidades familiares: mas a justiça, em si, não pode estar ausente destas experiências humanas. A família, um dos primeiros institutos jurídicos sensível ao Princípio da Responsabilidade, realidade primária da justiça intergeracional, somente pode conhecer esta modalidade de justiça enquanto o homem é aberto ao conhecimento da justiça em si mesma. Aristóteles, que, não raro, parece sempre ter se antecipado a tudo e todos, pressupõe a justiça, a justiça intergeracional e o uso da palavra para se distinguir o bem do mal, assim como a importância da existência do discernimento entre o justo do injusto para a vida humana prática. Este exemplo notável é extraído da Política:

A razão pela qual o homem, mais do que uma abelha ou um animal gregário, é um ser vivo político em sentido pleno, é óbvia. A natureza, conforme dizemos, não faz nada ao desbarato, e só o homem, de entre todos os seres vivos, possui a palavra. Assim, enquanto a voz indica prazer ou sofrimento, e nesse sentido é também atributo de outros animais (cuja natureza também atinge sensações de dor e prazer e é capaz de as indicar) o discurso, por

outro lado, serve para tornar claro o útil e o prejudicial e, por conseguinte, o justo e o injusto. É que, perante os outros seres vivos, o homem tem as suas peculiaridades: só ele sente o bem e o mal, o justo e o injusto; é a comunidade destes sentimentos que produz a família e a cidade.206

Lendo-se o trecho transcrito com toda a atenção, vislumbra-se que o homem é ser que habita o mundo ideal e o mundo empírico onde fervilham fatos sociais ou de alta abstração. Isto ocorre no uso da linguagem e do ato de falar; – o Direito obriga o homem a usar de todas as suas potencialidades de forma onímoda a um só tempo. Ainda atento ao que foi transcrito, o homem e a vida da cidade não tem existência aleatória, e quando esta passa a existir, a voz humana comunica o que visa afastar aquilo que causa dor, desprazer ou sofrimento. A isto se pode acrescentar que a mais lancinante das dores é aquela causa pela ausência de quem possa enunciar o justo ou o injusto. Esta atividade, a que nenhum Estado, indivíduo, povo, nação ou cultura deixou de lançar-se destaca que pereceriam as cidades se tais esforços não pudessem ser desencadeados.

É verdade que a Metafísica – e sua parte especial, a Ontologia, – pode causar espécie a inúmeros juristas. Contudo, nada disso poderá afastar o fato definitivo de que o Direito e quase todas as questões que lhe são fundamentais são com ela compartilhadas. Esta vizinhança, ao contrário do que se pode pensar, somente tem aumentado, e as questões impostas pelo Direito Ambiental, Direitos Humanos e o Direito Internacional afirmam que a justiça intergeracional está a relacioná-los com o estreitamento crescente de problemas comuns enlaçados na perpetuação da vida.

McMahan, fundado em Schopenhauer e Tolstói, dá ao leitor a face da metafísica da morte ao interrogar-se pelo próprio ser da morte. O texto de que autor faz uso para expressar problema é o clássico que narra a A Morte de Ivan Ilych. Sabendo-se que a Humanidade convive diuturnamente com a morte, a justiça intergeracional não representa apenas o desaguadouro do problema da simples conservação da vida. A justiça intergeracional tem o problema de dizer novamente à Humanidade sobre o porquê do valor da existência humana deve ser perpetuado.

Documentos relacionados