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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

4.3 Comunidade Planetária e Justiça Intergeracional

4.3.1 Sustentabilidade é Estratégia de Controle Político

Considerando-se o que foi explanado no subitem 4.1.3.1 (segundo o pensamento de Barretto e a crítica da exposição teórica de Milaré), tem-se a seguinte lição.

A justiça intergeracional tem dois braços que se complementam na teoria e práxis jurídica. O primeiro funda-se na Ética: a justiça intergeracional éacolhida pelo Direito Natural como equidade na conservação, preservação e uso das riquezas naturais. O segundo funda-se no Direito Positivo: a justiça intergeracional está normatizadapelo Direito Constitucional (Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo 225, caput). Mas a sustentabilidade não pode ser absorvida racionalmente por nenhuma destas veredas que se unem em direçãoao cosmopolitismo: é anfractuosidade e estratégia de retórica jurídica ao invés de conceito fundamental do Direito.

342 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem, quando o Estado de direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

Como estratégia, “sustentabilidade” é sinônimo de “condicionalidade”: interpretação fundadana obra de Mattei e Nader.343 Sustentabilidade é nomedas condições mínimas de existência, conservação e predomínio de determinados Estados sobre outros: condiçõesgarantidoras que este mundo poderoso de imposições, “ajustes estruturais” e de “desenvolvimento abrangente” possa viver sob o “fio da navalha”, e nela poderá manter-se em equilíbrio. A justiça não deve ser feita: representa apenas o desequilíbrio do desequilíbrio já alcançado e satisfatório para as nações ricas. O Estado de Direito não será pensado através da justiça intergeracional, um dos pilares do Direito Internacional, do Direito do Ambiente e dos Direitos Humanos. As “instituições acadêmicas fortes”, dentro da tradição que veio da Alemanha para os Estados Unidos, são “círculos de controle profissional do processo político”.344

Milaré, que conferiu à sustentabilidade o honroso lugar de “eixo da questão ambiental”345 refere-se “a exploração desastrada do ecossistema terrestre”.346 Contudo, não considera que sustentabilidade é estratégia para manter sob controleriscos da exploração da natureza em favor de algumas nações. Falta a Milaré – que reconhece a ausência de uma Filosofia da Natureza para o Direito do Ambiente – leitura do mundo através da ótica de um Maquiavel, Hobbes ou Schopenhauer: tradição filosófica que encontraem Trasímaco uma de suas fontes.347 Estes pensadores descrevem a realidade árida do homem, sociedades e nações; – visão indispensável para dissolver os fetiches que envolvem o Direito e os direitos.

A tese de Mattei e Nader pressupõe que riquezas naturais é a metada pilhagem legalizada pratica à luz do Estado de Direito. Foi legal comprar escravos no Brasil – o que gerou direitos adquiridos do proprietário sobre o escravo –, de igual modoa apropriação e pilhagem da natureza pelas nações poderosas. Sem vacilar estes autores examinaram a história do Brasil da Era Vargas:

Um exemplo esclarecedor vem da história recente do Brasil, em que o presidente Getúlio Vargas ousou ameaçar os interesses da indústria

343 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem, quando o Estado de direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 98-107: “O empréstimo, tanto para fins de desenvolvimento quanto de pagamento do serviço da dívida, atualmente é oferecido dentro de um contexto de condicionalidade mais ou menos rigoroso. Embora o rigor das políticas impostas ao “ajuste estrutural” ou, como hoje se diz, “desenvolvimento abrangente”, possa apresentar variações significativas de um lugar para outro, dependendo de uma série de fatores políticos, sugerimos que alguns aspectos que em geral caracterizam as intervenções do Banco Mundial se encaixam, mais ou menos expressamente, na definição de pilhagem.”

344 Ibid., p. 113. 345 Ibid., p. 49.

346 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 65. 347 KURY, Francisco Ricardo Cichero. A incúria das sociedades e o direito de todos: direito ambiental e filosofia

siderúrgica dos Estados Unidos em 1954, comportando-se como um agente econômico racional que preferia vender o metal a preços muito mais altos para os governos da Polônia e da Checosloválquia, e não ao preço que as companhias norte-americanas queriam pagar. Ele foi quase literalmente levado ao suicídio, como se depreende de sua última carta, em que atribui sua trágica decisão às pressões internacionais que não lhe permitiram servir aos interesses de seu país. O principal beneficiário da morte de Vargas foi a mineradora norte-americana Hanna Mining, que pode continuar a exploração do Vale do Paraopeba, onde se encontravam as mais ricas reservas de ferro do planeta (algo em torno de 200 bilhões de dólares).348

O suicídio de Getúlio Vargas não deixou de ser um discurso assim como o é a greve de fome e certas formas de suicídio japonês: trata-se de uma espécie de discurso agonístico.349 Discurso que é “recurso de combate para quem é ao mesmo tempo vítima de uma injustiça e totalmente fraco é um discurso agonísticomas estruturado em torno dessa estrutura inigualitária.”350 Contudo, no caso indicado, o presidente brasileiro foi além disso: deixou ao país documento dentre os mais importantes (a Carta Testamento) e após matou-se. Tratava- sedo discurso do fraco perante o forte, a fala de uma nação perante outra que pilhou riquezas de outro país: “O discurso pelo qual o fraco, a despeito da sua fraqueza, assume o risco de criticar o forte pela injustiça que cometeu, esse discurso se chama precisamente parresía.”351 Pouco se compreende a Era Vargas que culminounos fatos de 24 de Agosto de 1954que estendem suas conseqüências até a atualidade.

Riqueza e pobreza das nações são resultadosda destruição da natureza, e a economia ganha conotação sócio-ambiental e aproxima-se da Ética. A justiça intergeracional assinala o confronto com ideologias variadas: espectro político de dois extremos. De um lado, teorias quenão tem interesse na divisão equânime das riquezas naturais; de outro, teorias que defendem ordem mundial racionalmente equilibrada pelos Direitos Humanos. Entre estes extremos, variedade de discursos e teses antagônicas. É o instante que a sustentabilidade mostra-se inútil para promover a justiça entre as nações e mostrarosto surpreendente: estratégia de poder no mimetismo do vocabulário jurídico. Entendida a bel-prazer – conforme o ditame das circunstâncias e interesses dúbios ou inconfessáveis – a sustentabilidade torce a verdade quantas vezes for necessária para justificar a destruição da natureza. Mas a parresía a desvenda como instabilidade e causa de enfraquecimento da segurança jurídica internacional.

348 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem, quando o Estado de direito é ilegal. São Paulo: MartinsFontes, 2013. p. 118.

349 FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2013.p. 125.

350 Ibid., p. 125. 351 Ibid., p. 125.

Justiça intergeracional e parresía: razão em curso para defender o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da responsabilidade, os Direitos Humanos e as filosofias da justiças alinhadas com a verdade e a ética.352 Neste terreno os argumentos em favor da sustentabilidadesão vencidos fragorosamente. A sustentabilidade não está dentro da razão da justiça intergeracional: vive fora dela e contra ela. Portanto, a sustentabilidade transmudada em racionalidade estratégica, é refratária à metodologia científica, afasta-se da Ética e é imprestável para o pensamento jurídico do Direito do Ambiente.

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