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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

2.3 A Derrota da Vivência Estética da Humanidade

2.3.2 Natureza e Condição Humana

2.3.2.1 Primeira Antinomia: Natureza e Condição Humana são Desarmonicas

Kant defendeuque os homens vivem oantagonismo da “insociável sociabilidade”. Nesse caso, este conflito énatural e necessário, embora ele se constitua “ameaça constantemente para dissolver a sociedade”.75 Contudo, indispensável para qualquer possibilidade de desenvolvimento humano e social.

Paradoxalmente, se destruída a natureza o ser humano encontrar seu fim absoluto, é possível interrogar-sese o Princípio da Dignidade Humana, o Princípio da Responsabilidade, a justiça e a justiça intergerarcionalcontinuariam a ter validadeindependentemente do testemunho humano. A natureza (ou o Universo), como quis Pascal, pode armar-se contra o homem, este caniço pensante que sabe que vai morrer: mas não lhe poderá extinguir a razão que torna o cosmos conhecido. Rosen interpreta o pensamento de Pascal, mas sem argumentar que, no fim absoluto de tudo, a razão persistiria intacta com todos os seus princípios.76

Hobbes aproximou-se parcialmente de Kant quando tratou Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria.77Mas é desteantagonismo fundamental que tem origem o desenvolvimento humano, as ciências, o reconhecimento da justiça (e suas variadas modalidades) e a constituição do Direito.

75 KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Tradução de Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra. São Paulo: MartinsFontes, 2011.p. 10: “Eu entendo aqui por antagonismo a insociável sociabilidade dos homens, ou seja, sua tendência a entrar em sociedade que está ligada a uma oposição geral que ameaça constantemente dissolver a sociedade.”

76 ROSEN, Michael. Dignidade, sua história e significado. São Leopoldo: Unisinos, 2015. p. 37.

Assim, o Direito jamais poderá organizar a sociedade de modo absoluto, pois o antagonismo fundamental é sua fonte mais originária e índice da entropia social. Extinta aquela fonte, seria extinto o Direito e a validade, a existência e o conhecimento da justiça intergeracional. Portanto, não é possível manter os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: contribuiriam para o aumento da desordem social, incessantemente provocadapelo antagonismo fundamental. Contudo, ao fim e ao cabo Hobbes ou Kant não geram confiança no confronto do homem e natureza.

AAntropologia das Civilizações assinala que as diversas revoluções tecnológicas foram necessárias para progresso e sobrevivência da espécie humana.78 O antagonismo fundamental não permite harmonia: a subjugação da natureza, ocorrida em cada etapa da evolução sócio-cultural, foi necessária. Ribeiro escreveu:

A história das sociedades humanas nos últimos dez milênios pode ser explicada em termos de sucessão de revoluções tecnológicas e de processos civilizatórios através dos quais a maioria dos homens passa de uma condição generalizada de caçadores e coletores para diversos modos, mais uniformes do que diferenciados, de prover a subsistência, de organizar a vida social e de explicar suas próprias experiências.79

Isto significa que cada nova revolução tecnológica que produz diversos processos civilizatórios ocorrem com o necessário confronto entre condição humana e natureza. O contrato entre homem e natureza foi quebrado por força dacondição humana. Mais do que isto: o contratoprecisou ser quebradoem favor das etapas do desenvolvimento sócio-cultural. E o antagonismo dainsociável sociabilidade, de Kant, assemelha-se a artimanhada natureza para impulsionar o desenvolvimento racional, social e científico do ser humano.Pois a condição humana é impulsoprimário para a evolução da espécie humana que deve submeter a natureza.

Portanto, a ação jurígena não se opõe a este antagonismo, restando-lhe apenas refrear a irracionalidade humana. Heráclito afirmou que o Direito é conhecido pelos opostos.80 Assim, evolução e teleologiajurídicasão reaise decorrem doenigmaque a natureza oculta, –fato explicado com relativosucesso por Kant.

78 RIBEIRO, Darcy. O processo civilizatório: etapas da evolução sócio-cultural.8. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. (Estudos de Antropologia da Civilização). p. 65: Segundo Ribeiro, as etapas da evolução sócio-cultural foram as seguintes: revolução agrícola; revolução urbana; revolução do regadio; revolução metalúrgica; revolução pastoril; revolução mercantil; revolução industrial e revolução termonuclear.

79 Ibid., p. 34.

80 BERGE, Damião. O Logos Heraclítico: introdução ao estudo dos fragmentos. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969. p. 247, fragmento 22: “Ignorariam até o nome de Dike, se não houvesse injustiças.”

Hugo, quiçá melhor que filósofos, assim pensou a natureza nas páginas finais de Trabalhadores do Mar:

A natureza é suspeita em todos os sentidos. Sua imensidão autoriza a suspeita. O que ela faz não é o que ela parece fazer; o que ela quer não é o que ela parece querer. Ela veste o visível com a máscara do invisível de modo que aquilo que nós não vemos nos faz falta e o que vemos nos engana. Daí os argumentos que a natureza não é nada franca. Ela se mostra ao homem apenas de perfil. É aparência. Felizmente, também é transparência. Quando a adivinhamos, nos afastamos menos dela do que quando a calculamos. Coisa estranha. Aristóteles vê mais longe do que Ptolomeu. Ao afirmar que o movimento de sucessão dos ventos segue o movimento aparente do Sol, o sonhador de Estagira quase pôs o dedo na descoberta de Galileu. Um matemático só é um sábio com a condição de sensato. A natureza escapa ao cálculo.81

Portanto, a justiça intergeracional é reconhecida através da própria condição humana e da emaranhada realidade entre volição e razão: ela é a sabedoriaque o homem busca proteger- se de si mesmo, tanto por egoísmo quanto por resquícios de altruísmo. Entretanto, este antagonismo não poderá ser domado, mesmo enquanto óbice para o desenvolvimento humano. E assim se seguirá até que as riquezas naturais sejam extintas juntamente com a espécie humana.

O antagonismo fundamental não haverá de absorver qualquer forma de desenvolvimento: simplesmente não existe desenvolvimento harmônico com as condições de perpetuação da espécie humana. Cada nova etapa do desenvolvimento tecnológico representa nova agressão à natureza. Portanto, os conceitos de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentáveis concorrem para mais acelerado desmantelo da natureza.

Assim, os conceitos de sustentabilidade ou de desenvolvimento sustentável aceleram as forças de entropia através de formulação simples:(natureza + condição humana + sustentabilidade + desenvolvimento sustentável = maior entropia). Daí resulta evidente que o Direito Ambiental atua com terminologia inadequada. Portanto, se esta terminologia conduz a resultado diverso do pretendido – conservação e preservação das riquezas naturais – deve ser eliminada por ausência de cientificidade.

Contudo, se houver espaço para esta possibilidade, é indispensável substituir o conceito de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável pela verdade da justiça intergeracional. Trata-sedo equilíbrio racional de orientação da conduta das sociedades que, periodicamente, sempre será abalado pelo antagonismo fundamental. Não há negar que o

81 HUGO, Victor. Os trabalhadores do mar. Tradução de Machado de Assis e Marília Garcia. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 686.

Direito é o mais árduo empreendimento humano, verdade observada por Kant na quinta e sexta proposição, que, unidas soam desta forma: a sociedade civil capaz de administrar universalmente o Direito é o mais difícil problema e o que será resolvido por último pela espécie humana.82

A rigor, Kant afirmou que a razão deverá superar a irracionalidade e o problema da justiça (em todas as suas modalidades) é o núcleo vital das sociedades. Nesse sentido, o Direito prende-se a questão da esperança e parece que não poderá ser vivenciado sem que esta palavra de pouca credibilidade científica brote da boa vontade.83 Se o homem é umbrae somnium homo, tal como Schopenhauer rememorou Píndaro,84 esta sombra deve alimentar-se de razão para afastar oabsurdo e alcançar dimensão teleológica para si ao lado do Direito. Portanto, se percebe o núcleo último da dificuldade que Kant referiu: a existência, racionalidade e efetivação da justiça intergeracional se esbate com todas as argumentaçõesdas possibilidades antes analisadas.

Entretanto, se topa novamente com a imperiosa necessidade de se abandonar os conceitos de sustentabilidade ou de desenvolvimento sustentável. Tratando-se do mais árduo e do último problema a ser solucionado pela humanidade, aqueles conceitos devem ser afastados; eles apenas dificultariam ainda mais a compreensão da justiça intergeracional.

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