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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

3.8 Barreiras para o Estado Sócioambiental Democrático de Direito

3.8.1 Sociedade Civil e Indiferença

Sociedade civil transformada em massa, e que assim se deixa arder em inútil holocausto, é entedesconcertante habitado pelo nada.247 Este fenômeno deverá ter fim, caso houver real interesse de todos reunirem-se em torno à profundidade das idéias necessárias para construir realidade política e jurídica novas. Entretanto, parece estar longe da atualidade a robustez intelectual dos povos. E se a doutrina marxista denominou isto de alienação, Erasmo escreveu sobre a stultitiae laus. Logo, para salvar o planeta será necessário que o povo desperte do sono em que se encontra. Situação que contraria a idéia de civilização, que somente pode viver com a concepção de Paidéia.

Intelecto esclarecido e elevado faz viver o Direito e os direitos: é a verdadeira ossatura do Estado politicamente hígido. Problema angustiante enquanto se observa o caminhar tortuoso das grandes massas ignaras em busca de espectros de felicidade que possam justificar suas sórdidas existências. Não saber apreciar Las Niñas é tão grave quanto desconhecer as leis, fato que foi demonstrado por Foucault.248 E orgulhar-se de desconhecer o ser e o fundamento da justiça intergeracional é grande muralha para alcançar soluções viáveis dos problemas da relação humana com a Natura. As verdadeiras fendas sociais insanáveis que se refletem dentro do Direito e do Estado é a ausência de inteligência comprometida com a Ética. Mas deve-se observar que a atual população mundial de 7,2 mil milhões (ou 7,2 bilhões de habitantes do planeta Terra) aumentará. Conforme Relatório das Nações Unidas atingir-se- á em 2050 o total de 9,6 mil milhões de habitantes sobre a Terra (ou 9,6 bilhões de habitantes).249 Observando-se que raríssimas pessoas são conscientes da origem e fatores das mazelas e horrores que haverão de enfrentar.

A democracia que hoje se faz necessária deveria ser impulsionada pela civilidade solidamente apoiada pela cultura jurídica de povos e nações. O direito ao desenvolvimento econômico, social, cultural e político, direitos havidos como inalienáveis em declaração aprovada pela resolução n. 41/128, da Assembléia das Nações Unidas, Paris, em 4.12.1986, Artigo 1º, depende de inteligência e vontade de indivíduos e sociedades para que estes

247 BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 9: “Todo o confuso amontoado do social se move em torno desse referente esponjoso, dessa realidade ao mesmo tempo opaca e translúcida, desse nada: as massas.”

248 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.São Paulo: Martins Fontes, 1981. p. 19-31.

249 LOVELOCK, James. Gaia: alerta final.Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010. p. 18-19: “Não se trata meramente de dióxido de carbono em excesso no ar nem da perda da biodiversidade à medida que florestas são derrubadas; a causa central é o excesso de pessoas, seus animais de estimação e gado – mais do que a Terra consegue suportar.”

mesmos direitos possam fazer parte da vida humana cotidiana. Sugerindo clareza meridiana, o exemplo do artigo referido está imerso em obscuridades, cada item nele indicado precisa ser compreendido em seu valor semântico e pragmático. Esta exigência da Ciência Jurídica, que a direciona para a intelecção de todos os povos e nações, é sua proteção e eficácia. Ost, que estudou o sentido da promessa como forma de comprometer o futuro, numa simples observação adianta que a sabedoria aguçada é indispensável para que o Direito possa alçar alto vôo: a promessa pressupõe, antes do mais, clara consciência do futuro, idéia que só muito tardiamente surgiu na história das mentalidades. 250A consonância com o tema ora desenvolvido é nítida: grandes massas lançadas ou não em miséria extrema desconhecem a própria existência,251 ou dela querem se evadir. É correto pensar que a maioria das pessoas desconhecem o mundo do Direito: com isso desconhecem que a promessa do futuro se embasa na justiça intergeracional.

A indiferença perante o Direito, os direitos e os outros provoca profundas rupturas no esforço de organização jurídica do mundo, frinchas invisíveis ou não que são agravadas pelo amorfismo social que acaba por produzir a essência na dificadora da degradação do nexo entre homem, sociedade e mundo. São formas de morbidade espiritual e pauperismo individual e social; – enfermidade que torna quase todos os esforços vivificadores da Ciência Jurídica inócuos quando dirigidos por hologastros incultos ao invés de pessoas.252 A indiferença é a maior força da derrocada humana sentida na corrosão que desatrela ser humano do mundo jurídico. A civilidade que poderia ser alcançada a partir do presente e projetada para o futuro, observando-se ditames da justiça intergeracional e seu fundamento, está comprometida. E assim também morrem a letra das leis mais importantes e até daquelas hierarquicamente mais singelas. Da mesma forma se desfazem os tratados e as nações vislumbram que suas existências não são duradouras e – tal como afirmou Hobbes – “a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, selvagem e curta.” 253

250 OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 207.

251 Este fato foi abordado por Luiz Alberto Warat em palestra pronunciada na Faculdade da Serra Gaúcha. 252 KANT, Immanuel. Antropologia de um ponto de vista pragmático. São Paulo: Iluminuras, 2006. p. 27: “Que o

ser humano possa ter o eu em sua representação, eleva-o infinitamente acima de todos os demais seres que vivem na terra. É por isso que ele é uma pessoa, e uma e mesma pessoa em virtude da unidade de consciência em todas as modificações que lhe possam suceder, ou seja, ele é, por sua posição e dignidade, um ser totalmente distinto das coisas, tais como os animais irracionais, aos quais se pode mandar à vontade, porque sempre tem o eu no pensamento, mesmo quando ainda não possa expressá-lo, assim como todas as línguas têm de pensá-lo quando falam na primeira pessoa, ainda que não exprimam esse eu por meio de uma palavra especial. Pois essa faculdade (a saber, a de pensar) é o entendimento.” Isto é, o ser humano deve tornar-se uma pessoa, pois ele não alcança esta dignidade apenas pelo nascimento e pela existência. (grifo do autor).

253 HOBBES, Thomas. Leviathan. Introduction by C. B. Macpherson. London: Penguin Books, 1985. pt. 1, cap. 13, p. 186: “[…] And the life of man, solitary, poore, nasty, brutish, and short.”

A indiferença não atinge apenas os destinatários do Direito, que é o povo. Também parece ter se amalgamado à alma moribunda de juristas, mesmo no espírito daquele de grande expressão. Hoje se aceita, como moeda corrente e verdadeira, que o risco e imprevisibilidade são características marcante e até natural do Direito e das sociedades. Este fato, apesar de guardar verdade, não pode macular decisões judiciais e ser admitido como a segunda pele do Direito. Todo conhecimento humano ou atividade humana traz consigo algum ideal de perfeição embora este possa ser até inalcançável. Não soubesse violinista se está mais ou menos próximo da perfeição, não seria capaz de avaliar o resultado de seus esforços. Assim ocorre com a justiça intergeracional em relação do Direito: por isso foi expulsa da linguagem humana e cessou de ser procurada, dentro ou fora do Direito.

Ora, abdicar da justiça intergerracional e deixar de nela encontrar razão e racionalidade resulta desistência de perfectibilidade, alvo para o qual a Humanidade e o Direito deveriam estar voltados e em eterna expectativa de compreendê-la. O Direito admite o status naturalis que prepara o ser humano para a perfeição. E argumentando-se que isto caracteriza utopia, responde-se que a justiça intergeracional – ainda que não alcançável em determinados momentos específicos – sempre detém validade. Estas razões também explicam a Estética do Direito, que expressa a justiça que se reflete na arquitetura de tribunais, na austeridade de magistrados ou no estilo ciceroniano da linguagem forense.254 Nesse caso, a indiferença de juristas e povo é acapitulação da civilização.255

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