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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

2.3 A Derrota da Vivência Estética da Humanidade

2.3.1 Terminologia Inadequada para a Compreensão da Justiça Intergeracional

A humanidade abandonou as pretensões de elevação e fruição da vida que poderia levar a compreensão da Humanitas Asthetica ou Homo Astheticus. Trata-se de expressões mortas dirigidas a massas humanas que simplesmenteaindaestão vivendo.

Machado, jurista experimentado nas questões de Direito Ambiental, indica com precisão que o Direito declina rapidamente de seu status científico.64 Este doutrinador (seguindoo raciocínio de Stark,65 pesquisadora que compreende que o conceito de sustentabilidade e desenvolvimento como oximoro, e, por isso, como indisfarçável paradoxo) escreveu:

O antagonismo dos termos – desenvolvimento e sustentabilidade – aparece muitas vezes, e não pode ser escondido e nem objeto de silêncio por parte dos especialistas que atuem no exame de programas, planos e projetos de empreendimentos. De longa data, os aspectos ambientais foram desatendidos nos processos de decisões, dando-se um peso muito maior aos aspectos econômicos. A harmonização de interesses em jogo não pode ser feita ao preço da desvalorização do meio ambiente ou da desconsideração de fatores que possibilitam o equilíbrio ambiental.66

Oxímoro, paradoxo e antagonismo são marcas de declínio presentes no Direito contemporâneo: as idéias de desenvolvimento, sustentabilidade e meio ambiente natural nãopodem ser unidas harmonicamente. Além de ser possível discutir o que se deve compreender por desenvolvimento (econômico, tecnológico, humano, cultural ou cientifico) não há negar que estes equívocos brotam de um mundo mergulhado em incertezas, e que com elas parece ter se habituado a viver

Incertezas que avançam sobre a questão da durabilidade do mundo67 e que deverão ser discutida perante a presença e ausênciadas gerações futuras. Neste acervo moribundo de termos jurídicos insolúveismeio ambiente natural é outro pseudo-conceito jurídico queencobriu o sentido filosófico e moral intrínseco ao vocábulo natureza.68

Portanto, a Ciência Jurídica – pois é assim que juristas desejam denominar o Direito – ao abordar o meio ambiente estáenleada em vocábulos pouco nítidos, e torna-se manipulável

64 MACHADO, Paulo AffonsoLeme.Direito ambiental brasileiro. 24. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 61-66.

65 STARK, Barbara. Sustainable development and postmodern internacional law: greener globalization? Wm. &

Mary Envtl. L. & Pol'y Rev. [S.l.], v. 17, n. 1, p. 137-192, 2002.

66 MACHADO, op. cit., p. 61-66.

67 ARENDT, Hannah. A condição humana. 6. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 149-151. 68 LENOBLE, Robert. História da ideia de natureza. Lisboa: Edições 70, 2002. p. 29: “Talvez pareça demasiado

ambicioso compreender no mesmo estudo estes dois aspectos “científico” e “moral” da idéia de Natureza. O único objectivo do presente trabalho que, guardando talvez desenvolvimentos mais amplos, pretende simplesmente fornecer um esquema, é o de mostrar que estes dois aspectos são inseparáveis.”

por interesses que se voltam contra a proteção da vitalidade natural do planeta.69 Isto impede que o Direito efetive, do presente em relação ao futuro próximo e remoto, a própria essência da justiça intergeracional. Contudo, este é seu problema central, seu foco e objetivo iniludível que haverá de se ocupar o Estado Sócioambiental Democrático de Direito.

O Direito, em si, pouco poder teve sobre a cura dos mais variados males humanos.70 Assim, o Direito Ambiental tem como seu maior adversário o próprio tempo, principalmente se assentido que a noção de fim já ingressou na vida humana cotidiana, tornando-a deserta de boas e saudáveis perspectivas. São finitos os recursos naturais e as possibilidades para protegê-los; – mas a justiça intergeracional exige mais compreensão do limitado alcance do sentido combalido e gasto encontrado nos vocábulos “humanidade” e “homem”. É paradoxalmente certo que fim ou nadificação antecipou a compreensão de uma justiça que pudesse sobrevoarvárias gerações para lhes oferecer chance de continuidade na vida que já se extingue.71 O silêncio faz pensar que o meio ambiente já se encontra condenado; e o sinal desta certeza é a existência de direitos que se deseja atribuir à natureza e a gerações que sequer existem.

O uso de terminologia inadequada faz crer que a justiça intergeracional não deve ser apreciada e a história jurídica não é evolutiva.72 Assim, não haveria uma história da justiça intergeracional e nem ela poderia constar dentro de uma narrativa filosófica sobreas várias concepções de justiça. A justiça intergeracionalocuparia a destacada categoria da última

69 Isto exemplifica o conceito de “parresia” que foi estudado por Michel Foucault; ou seja, este texto tem o intuito de investigar o que ainda está cercado de silêncio em relação a tudo o que se refere ao Direito Ambiental, Direito Humanos e Direito Internacional. Cf: FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 44: “Essa qualidade era a parresia, isto é, a fala franca. Um homem de idade, um homem de boa reputação e um homem de parresía: esses eram os três critérios, necessários e suficientes, para constituir e caracterizar aquele de que necessitamos para se relacionar conosco”.

70 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970. t. 1, prefácio, p. IX: “Mediante essas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interesses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite.” Note-se que Pontes de Miranda afirma que muito se consegue com a ciência social normativa, mas deixa pensar que grande margem de problemas não podem ser resolvidos por ela. Seria possível discutir quanto a Ciência Jurídica obtém normatizar a vida social, e quanto não logra atingir êxito?

71 LYOTARD, Jean-François. O inumano: considerações sobre o tempo.Lisboa: Estampa, 1989. p. 18: “A terra desaparecerá, o pensamento cessará, deixando esse desaparecimento absolutamente impensado.”

72 Neste texto também haverá de se perguntar se a história humana em relação à história do direito contém uma dada teleologia, problema que está presente, por exemplo, em Kant: Ideia de uma História Universal de um

Ponto de Vista Cosmopolita. Esta questão acompanha a explicação e a fundamentação da essência da justiça

crença para a qual Kelsen reservou as qualificações de ilusão e irracionalidade.73 A justiça intergeracional, sob ótica kelseniana, é mais um sinal de anti-cientificidade.

De outro lado, se é levado a pensar sobre a impossibilidade de tudo permanecer “sendo para sempre”, inclusive a natureza.74 Se esta concepção estiver correta, sendo ela a condição de toda e qualquer realidade, haverá de modificar a fundamentaçãoda justiça intergeracional.

Unidas em discurso formal e jurídico as três idéias de meio ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, o ordenamento jurídico normativofragiliza-se na promessade conservação e produção de um mundo em que a qualidade de vida advém de meio ambiente é passível de ser conservado pela ação humana.

Terminologia equivocada também impede a reflexão sobre a concepção de desenvolvimento não destrutivo ou autodestrutivo e danoso ao meio ambiente. Nesse caso, meio ambiente natural e desenvolvimento tem permanência de sua potência está no ser. Nestes problemas, em suas circunstâncias e adjacências, situa-se o problema da fundamentação, factibilidade e essência dajustiça intergeracional.

Assim se ingressa nestas questões apenas suscitadas que inexoravelmente mostram que a justiça intergeracional deve substituir as expressões equívocas de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. E, adicionalmente se deixa claro o quanto se está impedido de pensar sobre a justiça, em geral, e a justiça intergeracional, em especial.

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