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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

2.2 Delimitação Técnica da Discussão sobre a Justiça Intergeracional

2.2.3 Justiça Intergeracional e Segurança Jurídica

Segundo Ávila, as incertezas que rondam o tempo presente e ingressaram na Ciência Jurídica somente se fortaleceram: “Para acentuar o quadro da incerteza normativa até aqui

36 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem, quando o Estado de direito é ilegal. São Paulo: MartinsFontes, 2013.

37 NINO, op. cit., p. 38.

retratado, os interesses, além de diferentes, são defendidos por grupos sociais e econômicos muitas vezes poderosos.” 39

O autor refere-se às fragilidades da Ciência Jurídica. E, de modo especial, às ciências jurídicas brasileiras que, em sua inusitada flexibilidade, abriu constantes oportunidades para decisões marcadas pela parcialidade. Esta postura, mormente notada nos Tribunais e mesmo no Supremo Tribunal Federal,40 deverá ser abolida para dar lugar à clareza da rigidez normativa voltada em favor da natureza, já tão maculada em solo pátrio. Ávila refere a importância do preâmbulo da Constituição Federal de 1988: “A segurança prevista no “Preâmbulo” é claramente um valor social. A Constituição é inequívoca: institui um Estado Democrático destinado a “assegurar a segurança como valor”.41

Assim, a justiça intergeracional não será compreendida senão em Ciência Jurídica que altere seus rumos para (trans-) formar a mesma realidade social que está assentada, no sentido exato do termo, na fragilidade jurídica nacional. Diferente da sustentabilidade, justiça intergeracional é segurança jurídica. Sem isso, os fins colimados pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, como tantos outros, não podem ser implementados dentro da vitalidade natural que planeta Terra exige. Visão melhor não há para aqueles que se esforçam para salvar embasados na insustentável sustentabilidade: trata-se da imagem exata de Sísifo.

Sabendo-se que já está perdida a compreensão da natureza – por alguns já é denominada de primeira natureza em relação a uma segunda natureza –42 perde-se a capacidade de reflexão científica a partir do interior do Direito como a partir dos fatos sociais que surge como sua matéria prima.

A constitucionalização dos problemas ambientais não assegurou proteção à natureza, mas àquela segunda natureza, expressão que denota aceitação e derrota em tutelar realidade essencial para o Direito. Internalizar a razão e sentido da justiça intergeracional haveria de assegurar observação direta da natureza visível e invisível. Se mundo da natureza intacta não mais tem retorno, paradoxalmente, o Direito Ambientalé o evidente sinal de que a natureza foi derrotada junto com seu algoz. 43

39 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 63. 40 Como exemplo basta pensar em questões que são julgadas admitindo-se a existência do “foro privilegiado” 41 Ibid., p. 216.

42 HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo.São Paulo: Boitempo, 2011. p. 151: “A longa história da destruição criativa sobre a terra produziu o que é às vezes chamado “segunda natureza” – a natureza remodelada pela ação humana.”

43 A grande guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), premissa do pensamento de Hobbes, Leviatã Livro I, Capítulo XIII, foi eficientemente resumida por John Gray da seguinte forma: “Os humanos prosperam em condições que a moralidade condena. A paz e prosperidade de uma geração sustentam-se sobre as injustiças de gerações anteriores; as delicadas sensibilidades das sociedades liberais são fruto de guerra e império.” Cf.: GRAY, John. Cachorros de palha: reflexões sobre humanos e outros animais.Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 123-124.

A segurança jurídica, proclamada por Ávila, não será alcançada dentro da seara do Direito Ambiental, posto que esta área do conhecimento humano não considerou a natureza como condição de cientificidade jurídica. A segurança jurídica, afirma Ávila, é “instrumento assecuratório de outros direitos que envolvem a autonomia individual”.44 Mas não foi assim que registrou a história do Direito Ambiental no Brasil, e mesmo em outros países do mundo. O Homo Aestheticus, que seria capaz de espontânea compreensão da natureza, foi derrotado por si mesmo; enquanto a irracionalidade foi acolhida pelo Direito. Nesse caso, o Direito cumpriu função legitimadora da ilegalidade que está estampada na exploração irracional da natureza.

O Direito Ambiental não tem real cientificidade e estratégias suficientes que o possam estruturar sua eficácia a partir da Constituição Federal de 1988. Miller Jr., por exemplo, desenhou interessante fórmula que nunca foi aplicada corretamente em políticas ambientais brasileiras. Tal formalização reúne capital natural, recursos naturais e serviços naturais; que deve resumidamente ser entendia do seguinte modo: capital natural=recursos naturais [ar, água, solo, Terra, vida (Biodiversidade), minerais não renováveis (ferro, areia), energia renovável (sol, vento, fluxos de água), energia não renovável (combustíveis fósseis, energia nuclear) + serviços naturais(purificação do ar, purificação da água, renovação do solo, reciclagem de nutrientes, produção de alimentos, polinização, renovação de campos, renovação de florestas, tratamento de resíduos, controle do clima, controle populacional (interações entre as espécies), controle das pragas).

Isto é: capital natural = recursos naturais + serviços naturais. 45

Contudo, o autorreferido que elaborou esta formalização (ainda que nela se reconheça engenho), logo a seguir também escreveu o seguinte parágrafo que, em seu substrato, demonstra que foi perdida a “primeira natureza”.46 Trata-se de argumentação incongruente: “Viver de forma sustentável significa sobreviver [...]” Pois é enorme a diferença entre “viver” e “sobreviver”. Assim, a formalização exposta é planejamento sobre a “sobrevivência” humana num planeta exaurido ou prestes a ser exaurido em todos os seus recursos naturais. O raciocínio de Miller Jr. inicia equívoco grasso: recursos naturais, em sua totalidade, transcendem o sentido de “capital natural”.

Neste estropiado raciocínio desconsiderou-se que a experiência vital do ser humano ocorre a partir da compreensão da natureza.

44 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 191. 45 MILLER JR, G. Tyler. Ciência ambiental. Tradução por All Tasks. São Paulo: Cenage Learning, 2011. p. 4. 46 Ibid., p. 5.

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