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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

5.7 Sustentabilidade e Constituição

Defensores da sustentabilidade, por desconhecerem ou marginalizarem no esquecimento a essência da linguagem jurídica, enfraqueceram a cientificidade do Direito. Não é possível dizer o que se quer simplesmente por que assim se quer: “a essência é o que impede que tudo na linguagem seja invenção arbitrária.” Daí que Ricouer, depois desta primeira afirmação, formula imediatamente esta frase: “A linguagem vem ao homem sem que o homem possa sujeitá-la a seu arbítrio”.451 Daí o risco de se abandonar o percurso realizado pela tradição do pensamento filosófico ocidental: o desrespeito à este caminho significa opor- se arbitrariamente àquilo que deve ser dito por ser imposição da physis e àquilo que pode ser dito por convenção.Estas aporias geram problemas que se expandem rapidamente. Ávila, tratando da ausência de segurança jurídica escreveu: “O primeiro exame se situa no plano do ser, analisando a segurança jurídica como fato, ao passo que o segundo radica no plano do dever-ser, perscrutando-o como norma”.452 Assim com a sustentabilidade. Nela há arbitrariedade por se observar a possibilidade de seu oposto; e isto significa que a linguagem por ela gerada é a ausência de segurança jurídica no Direito Ambiental e Direitos Humanos.

Há validade universal quando se afirma que todos são iguais perante a lei. Se cuida de afirmação verdadeira por não ser arbitrária e por se saber que não é possível defender o oposto. Mas com a sustentabilidade resulta mais gravoso pensar que não poderia ser aceita sequer pela lei, esta somente pode ser constituída respeitando-se as observações de Ricouer e o conteúdo significativo de cada termo. Pensar em desenvolvimento sustentável transgride a imposição legítima de linguagemda própria Constituição da República Federativa do Brasil: o Preâmbulo e o Artigo 3º, I, II, III e IV outra realidade não permitem senão o desenvolvimento pleno apoiado na justiça do desenvolvimento nacional. Assim, a argumentação exposta não

451 RICOEUR, Paul. Ser, essência e substância em Platão e Aristóteles. Tradução de Rosemary Costhek Abilio.São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 13.

permite harmonização entre justiça e sustentabilidade ou entre justiça intergeracional e sustentabilidade. São termos de conteúdos semânticos diversos onde se encontra o conflito entre aquilo que é essencial e o que é convenção arbitrária.

Contudo, Freitas, afirmando o contrário, busca coordenar sustentabilidade com preceitos constitucionais. Apresenta dez (10) elementos que julga formarem o conceito de sustentabilidade; – mas desconsiderando que os objetivos fundamentais da República outra realidade não exigem senão a clareza de sociedade aberta à discussão pública da justiça.453 Demais, a ordem econômica e financeira deve conformar-se aos ditames da justiça social, o que é expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo, 170, caput. Agrega-se a isto o fato de a lei maior não usar ou fazer referência, direta ou indireta, à idéia de sustentabilidade: o que se observa no texto constitucional a partir do Artigo 225 até o § 6º deste mesmo dispositivo são duas ocorrências sobre a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais. Neste caso não há que se pensar em sustentabilidade: a justiça intergeracional já está em questão relativamente às gerações presentes quanto às vindouras.Este é exemplo específico em que a sustentabilidade oculta a justiça intergeracional e a torna inócua. Ainda se observa na relação dos elementosselecionados por Freitas (o quais formam o conceito de sustentabilidade), a justiça intergeracional é solidariedade intergeracional, e ocupa o oitavo de dez itens considerados essenciais.

A rigor, à justiça intergeracional somente corresponde o desenvolvimento equitativo intergeracional que é o desenvolvimento pleno do ser humano. Por isso o conceito enunciado por Freitas é absorvido ou refutado pela justiça intergeracional; e, apesar do jurista pátrio estar atento às observações de Giddens, a argumentação por ele produzidaeliminou as admoestações do sociólogo britânico. Este ressalta ponto fundamental: o desenvolvimento deve solucionar a pobreza material que suplicia milhões de pessoas. Giddens formulou julgamento que pode ser considerado decisivo para se pensar em na incoerência da sustentabilidade:

A possibilidade de inclusão do desenvolvimento sustentável é uma possível força, pois permite que todos participem. No entanto, também pode fazer o

discurso público de sustentabilidade parecer incoerente, significando ‘tudo

para todos’, mas, no final das contas, causando pouco impacto. Depois de quase 25 anos de iniciativa de desenvolvimento sustentável, o progresso real nos problemas mais urgentes e prementes continua ilusório. Talvez um dos motivos pelos quais o desenvolvimento sustentável ainda não tenha cumprido sua promessa inicial seja que o conceito fora esvaziado de conteúdo radical e usado como arremedo ideológico para promover projetos

não sustentáveis. Em suma, aquilo que passa por desenvolvimentosustentável, na prática, ‘não é nem sustentável, nem desenvolvimento’. (Luke, 2005). (grifo do autor).454

Observa-se no texto transcrito a dúvida em que esteve imerso o seu autor, e que Freitas pretende a ter resolvido com o conceito por ele formulado. Tal como antes analisado, a sustentabilidade pode realmente tornar real o oposto do que o conceito pretende alcançar. Conforme exame ora apresentado, o desenvolvimento sustentável “não é nem sustentável e nem desenvolvimento”; – mas este problema somente vem à luz quando se observa que não se trata de conceito no sentido exato desta palavra. Para vencer esta dificuldade Freitas apenas pode produzir definição enumerativa, que, em verdade, é mais um programa de ação social mesclados com procedimentos judiciais sem muita coerência. Não deixa de surpreender que a argúcia comprovada de Giddens não lhe permitiu afirmar de uma vez para sempre que sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável são cascas vazias de palavras para serem usadas conforme as ideologias que se defende.

5.7.1 Dêixis Constitucionais

Giddens indicou as ambigüidades e graves problemas de interpretação que acompanha as idéias de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável. Descendo mais a fundo no tema sobre os enunciados constitucionais, não é possível deixar de examinar a questão sob ponto de vista da lingüística. Silva refere-se às dêixes constitucionais em três categorias: deixes pessoal, dêixis espacial e dêixis temporal.455 Nisso ressalta a relação entre enunciados constitucionais e o contexto em que são usados. No caso específico do artigo 225, caput, da CF, o referencial dêitico é “Todos”, que é indicador de totalidade referente a “direito” ou “direitos” imediatamente relacionados ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Portanto, não há negar o conflito entre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável que se estabelece com o referencial dêitico “Todos”: a grave dúvida de Giddens gera a interpretação que sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não inclui “Todos”. Neste ponto muito restrito abre-se brecha para o ingresso de questões “ideológicas para promover projetos não sustentáveis” (conforme o texto transcrito de Giddens no item 8.9).

454 GIDDENS, Anthony; SUTTON, Philip W. Conceitos essenciais da sociologia. Tradução de Claudia Freire. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2016.p. 80. O termos em negrito foram assim impressos esta obra de Giddes. Cf.: LUKE, Timothy W. The system of sustainable degradation. Journal Capitalism Nature Socialism, [S.l.]. v. 17, n. 1, 2006.

De outro lado, o conceito de justiça admite sem nenhuma dificuldade o referencial dêitico “Todos”. No texto constitucional, a justiça é mencionada no Preâmbulo; no artigo 3º, I; no artigo 170, caput, (“ditames da justiça social”) que conforma os princípios fundamentais da República, interpretação que se projeta e concentra no artigo 225, caput, que inicia com o referencial “Todos”. Mas se deve observar que neste último dispositivo é somente a justiça intergeracional capaz de assegurar a todos meio ambiente ecologicamente equilibrado; enunciado que não pode ser interpretado com correção através da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável. Portanto, estas duas expressões, tão falhas e que obsedam a mente de juristas, mesmo aqueles de relevo, gera interpretações, procedimentos e políticas que acabam por afrontar o sentido do texto constitucional. Neste setor, se ingressa na complexa teoria das significações jurídicasque é examinada pelo mesmo autor da Teoria do Conhecimento Constitucional. Há que se distinguir significado, signo, sentido jurídico, sentido, contexto e interpretação, questões que levam à Hermenêutica Jurídica Constitucional. Silva, na obra citada, analisou duas teses: a. “o texto exprime o Direito”; b. “o texto exprime o sentido jurídico”. Esta distinção justifica-se quando se é consciente de que “nem todo texto que veicula o Direito é portador de sentido, pois há enunciados jurídicos que só exprimem significado.”

5.7.2 Hermenêutica e Sentido Jurídico

Silva, a partir da leitura da Heidegger e Gadamer, sem desprezar a tradição do Direito Romano, escreveu o seguinte:

Aí está uma primeira aproximação, que nos mostra que só têm sentido jurídico os enunciados normativos, ou seja, os enunciados deônticos, portadores de dever-ser, porque só estes apontam para um fim: sentido

jurídico é, pois, a indicação da direção normativa a ser seguida por uma conduta devida. Assim o termo ‘sentido’ volta a encontrar sua etimologia, já

que indica ‘direção’, isto é, ‘orientação’ para outros signos. (grifo do autor).456

Considerando-se estas palavras e os artigos constitucionais analisados no item anterior, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não traduzem o sentido constitucional daquilo que está fixado em relação entre homem e meio ambiente. A rigor, se desenvolvimento sustentável “não é nem desenvolvimento e nem sustentabilidade”, nestas expressões não se pode encontrar relação entre enunciados deônticos, portadores de dever-ser,

e sentido jurídico constitucional. Não há “indicação de direção normativa a ser seguida” por que a conduta e os procedimentos preconizados pelo Direito Ambiental não podem alcançar o equilíbrio ecológico sustentável. É somente a justiça intergeracional que satisfaza relação circular entre o “Todo” que se encontra no individual e isto corresponde ao sentido jurídico- constitucional. Esta interpretação é revelada com a antecipação de sentido que o intérprete empresta à leitura do texto constitucional através de relação circular entre o “Todo” e o “individual”, conforme lição de Silva na obra mencionada.

Contudo, se a justiça intergeracional é observada espontaneamente pelo intérprete o mesmo não ocorre com a sustentabilidade. A postura hermenêutica mais atenta às palavras, ao contexto sistêmico da Constituição Federal não vai encontrar na sustentabilidade apoio sólido tanto quanto apresenta a justiça intergeracional que deflui naturalmente da leitura sobre os fundamentos da República Federativa em relação à cidadania; à dignidade da pessoa humana; aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; às metas que levam a construção de sociedade livre, justa e solidária; à garantia do desenvolvimento nacional; ao objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização; à promoção do bem de todos; à autodeterminação dos povos; à cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Estes exemplos podem ser ampliados com ainda mais vigor e estão contemplados no texto constitucional a partir do Preâmbulo até alcançar toda a significação do artigo 4º, incisos e parágrafo único.

Neste raciocínio proporcionado pela Hermenêutica Jurídica assinalada por Silva em obra tão densa quanto esclarecedora, não há “invenção” e nem interpretação obtida com o fórceps da arbitrariedade: apenas leitura de enunciados constitucionais sem os violentar com a idéia de sustentabilidade que depois ocupou os textos da legislação imediatamente inferior à Constituição. Destas conclusões apoiadas em autor tão bem recepcionado pela ciência jurídica, vislumbra-se que o Direito Ambiental deverá sofrer alteração em sua rota dirigida pela sustentabilidade.

Acrescente-se que sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não decorrem da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Estes conceitos falhos ou incompletos surgiram para o mundo em 1987 através do relatório Our Common Future (Relatório Brundtland). O lapso temporal entre a Assembléia Nacional Constituinte e o relatório produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sediada na Noruega (Oslo), não permitiria exegese segura da nova Constituição de 1988 em relação a este relatório. Contudo, no decurso de trinta anos, poucos resultados úteis se alcançaram a partir das políticas implantadas sob a inspiração da nova terminologia que, parece, açodadamente foi acolhida e aceita no mundo jurídico. Trata-se de percurso

importante de tempo que tem uma história de equívocos ininterruptos, que a observação empírica esta a confirmar.Neste período a investigação científico-hermenêutica da nova concepção contida em terminologia novidadeira cessou ou não foram praticadas com rigor.

Assim, o que escapou da observação no período indicado não foi somente o sentido, mas também o contexto e a interpretação. O primeiro indicativo desta ausência de cientificidade está na marginalização de toda a concepção contida no conceito de Natureza que é a totalidade ausente do discurso produzido em favor da sustentabilidade, tese de Ost. O segundo indicador se encontra na ausência de pensamento filosófico em torno às bases do Direito Ambiental, área jurídica que até carece da filosofia que lhe é própria e se entrelace com o princípio de dignidade e o princípio da responsabilidade, fundados nos Direitos Humanos.

Portanto, é a justiça intergeracional (e não a sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável) que a razão admite ingressar no triângulo de normatividade constitucional, conforme analisado no item 3.4 desta tese. Confirma-se a hipótese anunciada: a justiça intergeracional manteve-se oculta sob a camada da linguagem espúria que teve origem no falso conceito de sustentabilidade. Portanto, estáfundamentada a tese que é a justiça intergeracional (e não a sustentabilidade) que forma o eixo da questão ambiental: isto tem reflexo imediato na consideração dos Direitos Humanos e no Direito Internacional. É tese da tese que à justiça intergeracional corresponde o desenvolvimento equitativo intergeracional: tema que ocupará o capítulo conclusivo que iniciará com a retrospectiva dos três capítulos que lhe seguiram. No capítulo derradeiro reencontrar-se-ão, unidas e entretecidas, todas as idéias norteadoras que formaram as análises anteriores que naturalmente convergem para a breve reflexão anunciada no item 3.2.1.

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