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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

3.4 Justiça Intergerarcional e o Triângulo da Normatividade Constitucional

Analisadas as três objeções anteriores a sustentabilidade fica à margem da evolução jurídica. Com esforço, dela apenas se pode afirmar que, talvez, foi importante tentativa para oferecer algum fundamento ao Direito Ambiental. Contudo, por muito tempo a sustentabilidade ocultou a justiça intergeracional. Por isso o Direito que tutela a Natureza e riquezas naturais é claudicante em seus fundamentos: carece de sua própria filosofia. Mas existe crítica ainda mais contundente a ser examinada para juntar-se com as demais.

A sustentabilidade é expressão sem tradição na História do Direito e não a formará; – ainda que por muito tempo se persista no uso deste conceito espúrio e vazio de conteúdo semântico. Tudo se agrava se o problema for analisado inserindo-o no triângulo da normatividade social das constituições; e, por outro lado, mostra a vitalidade inexcedível da justiça intergeracional se cotejada com a sustentabilidade. O triângulo da normatividade constitucional afirma que as constituições possuem três forças normativas:

a) a força normativa da sociedade, segundo Lassale;188 b) a força normativa da Constituição, segundoHesse;189 c) a força normativa da doutrina, segundo Häberle.190

Neste triângulo não há espaço possível para a flébil sustentabilidade, somente para a solidez da justiça intergerarcional. Há força normativa da sociedade por que somente é possível viver para as gerações futuras através da justiça intergeracional. Há força normativa da constituição por que a justiça intergerarcional não pode ser substituída pela sustentabilidade no texto maior constitucional. E há força normativa da doutrina dos clássicos por que neles foi reconhecida a justia, e por conseqüência, a justiça intergeracional.

188 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

189 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

190 HÄBERLE, Peter. Textos clássicos na vida das Constituições. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Saraiva: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2016.

Dar-se conta da implícita existência da justiça intergerarcional no triângulo normativo das várias forças normativas da constituição decorre do fato de ela ser Ética, exigência lógico- normativa e axiologia nas constituições recepcionadas pelo Estado Democrático de Direito. A rigor, argumenta-se que a justiça intergeracional é força vitalético-normativa e normativo- axiológica das constituições que são dirigidas ao povo, que pertencem ao povo e que vivem para o povo. Povo e poder constituinte originário não se afastam da idéia de justiça e da norma constitucional: constituições sem justiça perdem vitalidade jurígena. Contudo, igual ou semelhante argumentação não pode ser realizada em favor da sustentabilidade. O que é apenas sustentável não pode ser robustecido com a aproximação da força normativa da constituição, em qualquer de suas formas. E o que é força normativa da constituição repele tudo aquilo que não for justo por necessidade metafísica, lógica ou ética; – características da essência da justiça intergeracional que não se encontram na sustentabilidade.

A justiça intergeracional não representa a vida e nem é força normativa das constituições; – é a vitalidade real efetiva que dá solidez e impulsiona a evolução da História Constitucional dos povos. Nesta história, como se fora infindo rio subterrâneo, a justiça intergeracional a percorre inteira. O fato de existir lei e, dentre todas, a constituição, coloca à luz que o Direito preocupa-se com o homem e sua continuidadeno tempo, ordenada conforme a justiça intergeracional. Esta afirmação encontra eco em Canotilho:

A lei constitucional não é simples instituto de protecção das relações existentes, antes se deve compreender como constituição de uma sociedade em devir (Werdende Gessellchaft), que indica as mudanças e conformações do sistema político, das relações sociais e da ordem jurídica. Não obstante a caracterização de uma lei constitucional como ‘ordem fundamental e programa de acção’, o direito constitucional não se apresenta como um sistema fechado e completo de orientação do agir político-social. A ordem constitucional é uma ‘ordem fundamental aberta’ uma ‘estrutura dinâmica’ e ‘incompleta’, carecida de concretização. Numa palavra: não se propõe um contra-modelo da constituição liberal nem um ‘perfeccionismo constitucional’, estritamente predeterminador de evoluções futuras; defende- se apenas a ‘constituição aberta de uma e para uma sociedade democrática’.191 (grifo do autor)

Ora, a justiça intergeracional, em si mesma, é justiça aberta para uma sociedade que se quer democrática por apreço às presentes e futuras gerações. Assim, a interação entre norma constituição e justiça intergeracional é absoluta e a semiótica a clarifica.

191 CANOTILHO, José JoaquimGomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas.Coimbra: Editora Coimbra, 1994. p. 102- 103.

3.4.1 “Quadrado Semiótico” e Justiça Intergeracional

Canotilho usou do “quadro semiótico” para tornar nítidos aspectos de sua teoria sobre a constituição.192 Submetendo-se a Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo 225, caput, ao mesmo procedimento teórico, se está diante de norma constitucional do eixo semântico das injunções prescritivas e na ordem do fazer constitucional. Isto é, o artigo indicado é dever de fazer. Portanto, prescrição constitucional e o conteúdo desta norma é a justiça intergeracional cujo sentido semântico é aberto.

Mas, usando-se de igual procedimento para a sustentabilidade, observar-se-á que será falseada por ausência de conteúdo semântico jurídico constitucional específico; e depara-se com a ductilidade de sentido e sua impossibilidade de servir à prescrição constitucional de determinado dever de fazer. Portanto, a justiça intergeracional (e não a sustentabilidade) preenche satisfatoriamente norma constitucional programática e a torna cientificamente objetiva. Enquanto que a sustentabilidade destrói a norma constitucional prescritiva por ser falácia ao invés de verdade reconhecida pela intelecção jurídica.

Neste raciocínio a justiça intergeracional é conteúdo de norma constitucional entendida como enunciado qualificativo concentrado em tarefas impostas às presentes e futuras gerações. Delimitada e circunscrita na preservação e conservação das riquezas naturais, objetivos afetos aos Direitos Humanos e ao Direito Internacional, a justiça intergeracional rompe o subjetivismo que o curso da História do Direito lhe foi atribuído para ganhar consistência objetiva da norma constitucional. Entretanto, a idéia de sustentabilidade declina diariamente enquanto lacunosa pela subjetividade que antes era atribuída às várias noções de justiça. Grande é a distância entre a pergunta pela sustentabilidade e a pergunta pela justiça intergeracional: a primeira, atola-se em si mesma e é capaz de produzir série ininterrupta de discussões que alcançam o âmbito jurídico, político e econômico; a segunda, dissolve estas dificuldades por trazer conteúdo clarificador situado entre preservação, conservação e distribuição de riquezas naturais das presentes para as futuras gerações.

3.4.2 Justiça Intergeracional:A Constância Axiológica dos Direitos Sociais

No Estatuto do Idoso, Artigo 3º, lê-se: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do

192 CANOTILHO, José JoaquimGomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas.Coimbra: Editora Coimbra, 1994. p. 444-445.

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.” O parágrafo único do caput deste artigo completa: “A garantia de prioridade compreende:” IV – “viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso para com as demais gerações.”

Se considerado que os direitos sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil, Artigo 5º, formam o mesmo conteúdo do artigo citado antes citado, conclui-se que a justiça intergeracional forma uma constância axiológica projetada do presente para o futuro. Isto é, trata-se de constância de valores assimilados pelos textos clássicos na vida das constituições;193 e no caso brasileiro se encontram constitucionalizados com similitude de cláusulas pétreas existente entre as gerações. Tudo se traduz numa revelação de valores sociais que, por essência, não podem ser vigentes apenas para uma geração. Häberle escreveu o seguinte parágrafo:

Por conseguinte, o conceito de comunidade de recepção respalda o conceito de clássico: um clássico surge a partir da formação de consenso em uma comunidade e, nesse processo, seus enunciados materiais em símbolos comunitários, na dimensão temporal; por sua vez, a tematização de um clássico, isto é, de um consenso comunitário pode ser diretamente relevante para a ação ou também para a posição (do indivíduo que tematiza em relação à sua comunidade), o que depende tanto da ação em questão quanto do sistema normativo específico da comunidade.194

A justiça intergeracional é transmitida para a comunidade de recepção que se forma a partir do presente e se lança para o futuro. Recepção que está tanto em uma ponta do tempo (o presente) quanto na outra (o futuro) e representa tradição de valores que aceitos no conceito de clássico; – mormente de escritos clássicos jurídicos e políticos que não perdem vigência enquanto foram aqueles que revelaram valores que permanecerão, precipuamente, nos Direitos Humanos, no Direito Ambiental e no Direito Internacional. A justiça intergeracional efetiva-se através de consenso comunitário onde textos clássicos serão aceitos em ambas as dimensões temporais. Logo, esta constância axiológica que a justiça comunitária é respalda-se em normas constitucionais para atravessar viva diversas gerações que também a aceitação, e, enquanto aceita, efetiva-se o conteúdo dos direitos sociais.195 Contudo, existe argumentação contrária aos direitos humanos e sociais, que, para Barretto, revelam-se falácias políticas que

193 HÄBERLE, Peter. Textos clássicos na vida das Constituições. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Saraiva: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2016.

194 Ibid., p. 92-93.

195 BARRETTO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 205-222.

podem ser reunidas nos seguintes grupos: a. os direitos sociais são direitos de segunda ordem; b. os direitos sociais dependem de uma economia forte; 3º o custo dos direitos sociais supera os recursos orçamentários. 196

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