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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

3.8 Barreiras para o Estado Sócioambiental Democrático de Direito

3.8.5 Norma Jurídica e Justiça Intergeracional

A norma jurídica não supre as exigências que as sociedades depositam sobre o Direito. Este, se reduzido a àquela não produz segurança jurídica ou produz resultados nefastos por

273 GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo de juízes (a interpretação/aplicação do direito e dos princípios). 7. ed. ref. do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 141. 274 Ibid, p. 141.

275 SAAVEDRA Miguel de Cervantes.Dom Quixote de La Mancha.São Paulo: eBooksBrasil, 2005.v. 1. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/quixote1.html>. Acesso em: 10 maio 2017.

contrários à teleologia jurídica do humanismo. Será necessário que a norma jurídica ultrapasse a tradição que se concentra em três perspectivas:

a) a concepção de “Direito como regra de conduta”; b) a “justiça, como validade e eficácia”;

c) a norma como “proposições prescritivas”, conforme Bobbio. 276

Esta tradição, considerada isoladamente, revela que norma jurídica e ética não foram internalizadas na vida inter-social, fato que se comprova em textos de lei que afirmam obviedades.277 A norma jurídica, resultado da vontade humana, deve representar não só reflexo legalista da justiça intergeracional; – é parte intrínseca de justiça que se torna enervamento vivo das sociedades. De outro lado, o mundo jurídico positivado é, objeto de Tribunais e operadores do Direito, mas deve ter repercussão social enquanto conhecido, reconhecido e obedecido por axiomas integrados à corrente vital da humanidade. Conforme Popper, sistema teórico axiomatizado tem as seguintes delimitações: em primeiro lugar, este sistema deve estar livre de contradição; em segundo lugar, o mesmo sistema teórico deve ser independente, pois não deve conter axiomas deduzíveis dos demais axiomas; em terceiro lugar, os axiomas devem ser “suficientes para a dedução de todos os enunciados pertencentes à teoria a ser axiomatizada; e, em quarto lugar, devem ser “enunciados necessários”.278 Entretanto, o Direito torna a questão mais complexa enquanto suas proposições devem ser recepcionadas pela sociedade que as deve querer para si e consigo para vivenciar a justiça intergeracional.

O Direito ultrapassa as dificuldades das outras ciências: é o conhecimento mais árduo de todos os demais por manter diálogo permanente com a justiça intergeracional. Não bastasse as dificuldades em conceituar a Diké, a atualidade o obriga a manter diálogo com gerações que sequer existem. Por isso da impossibilidade de isto ser realizado com a concepção errática de desenvolvimento sustentável. Esta não é capaz de trazer regularidade axiomática para o mundo jurídico, conforme análise já realizada. E a existência de variáveis tão elásticas apenas podem ser pensadas através da justiça intergeracional.

276 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 6. ed. São Paulo: EDIPRO, 2016.

277 Artigo 3º, III e IV; Artigo 6º. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:

10 maio 2017.

A norma jurídica, e a aparelhagem burocrática para torná-las vigentes, enfrentam tão imensa complexidade que é possível perguntar se a justiça intergeracional – embora conhecida pelo homem – possa ser introduzida no Direito.A norma jurídica fragiliza-se quando aproximadade expressões como desenvolvimento sustentável, mas se tornaria robusta se vivenciada pela sociedade como justiça intergeracional.279 Portanto, sustentabilidade é conceito – se assim for aceito – que pode e deve ser ultrapassado. No entanto, faz longo tempo que o Direito pensa com erro e equívoco aquilo que não admite nem equívoco ou erro: mas isto não é percebido se o esforço reflexivo for conduzido pela sustentabilidade.

3.8.6 Impurezas do Estado de Direito

O Estado de Direito é realidade vivenciada com o ser humano; forma de Estado que tanto pode desencadear o bem jurídico quanto legitimar o mal. Acrescente-se grande agravante: o Estado de Direito empresta legalidade àquilo que é ilícito, e aparência de bem àquilo que é lhe é contrário: este o tema minucioso que foi estudado por Mattei e Nader. 280

Os autores citados dentre inúmeras críticas que dirigiram ao Estado de Direito explicam que se trata de conceito que há muito se distanciou daobjetividade que deveria possuir.A cultura euro-americana que dominou o Ocidente e grande parte do Oriente usou da lei para a prática da pilhagem. Assim, a História do Direito, é anarrativa da crônica gigantesca de legitimação da pilhagem, domínio e irracional compreensão da justiça. Estuda-se o lado obscuro do Direito, mas não aquele iluminado por ideais refulgentes. Trata-se de aporia que invade o Direito: a necessidade de teorizar para que o Direito passe do nada à existência, e a totalidade do real que está fora do alcance do Direito normatizado.A pilhagem está fora do Direito, mas o Estado de Direito não a elimina, cria mecanismo de legitimação para impor o que não pode ser aceito pela Ética.

Atos de pilhagem a História Universal do Direito sempre registrou – escravidão, guerras, genocídios, extermínio de culturas – mas isto foi ungido pelo Direito através da legalização imprudente ou riçada de má-fé ou hipocrisia, ou foi esquecido para sempre.

279 Michael Braungart, químico alemão, aceita a idéia de que “sustentabilidade” é conceito ultrapassado perante sua concepção que se tornou conhecida como “cradle to cradle”. Isto é, “do berço ao berço”. Sua concepção defende que a sustentabilidade produz produtos indesejáveis para o meio ambiente, e que seria superada quando se souber que todo o produto humano deve formar a circularidade com a natureza, voltando a integrar benéficamente o meio ambiente.

280 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem, quando o Estado de direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

Jaspers forneceu, faz algum tempo, palavras lapidares para estes problemas, mas considerando-se a autoridade de quem as escreveu podem ser transcritas:

Começa a infelicidade do gênero humano quando se identifica o cientificamente conhecido ao próprio ser e se considera não-existente tudo quanto foge a essa forma de conhecimento. A ciência dá então lugar à superstição da ciência, e esta, sob a máscara de pseudociência, lembra um amontoado de extravagâncias onde não está presente ciência nem filosofia nem fé. 281

De fato, para milhões de pessoas do globo o Direito não é ciência, nem filosofia e nela não se pode ter fé. Por isso lhe foi fácil ignorar a justiça intergeracional: esta é a situação das relações internacionais entre as nações. Justiça intergeracional não é desenvolvimento sustentável; pretender torná-las sinônimos é treta da teorização jurídica para dissolver a realidade de ideais fundamentais da humanidade.

Real e topou com a aporia da teorização integral do Direito sem avançar sobre esta dificuldade.282 Popper, com maior rigor, também não soluciona a questão indicada.283 O Direito pretende racionalizaro mundo sob a teleologia da justiça sem garantias que isto será alcançado. Mas a justiça intergeracional – obumbrada pela sustentabilidade – é índice de perfectibilidade da vida humana, enquanto o Estado de Direito situa-se entre as possibilidades da norma e da volição humana. E ainda que o Estado de Direito encontre em si mesmo sua necessidade pode ser torcido e retorcido conforme interesses escusos ou irracionais, e este é o caso da pilhagem. Problemas que as grandes massas humanas – presas na caverna de informações contraditórias que são ferramenta do poder inescrupuloso de grupos econômicos que buscam hegemonia –, não obtém conhecimento racional e seguro.

281 JASPERS, Karl Introdução ao pensamento filosófico. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1976. p. 23.

282 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 81: “O homem quantifica a natureza, para dominá-la. De certa maneira, constitui uma sistema convencional de índices quantitativos, para adaptar a realidade à nossa existência. Pensemos, por exemplo, na temperatura, que concebemos sob a expressão de graus, que não existem, a não ser em nossa representação convencional. Dividimos o tempo, “espacializamo-lo” em anos, semestres, meses, dias, horas, minutos e segundos. O tempo em si mesmo não possui essas divisões. Somos nós que as criamos ou inventamos, para adaptar o tempo à nossa vida, à nossa existência. O homem, portanto, através da inteligência, modela o mundo segundo sua imagem. A Ciência é a fragmentação do real, pois a Inteligência, faculdade de fabricar instrumentos destinados a fazer outros instrumentos (dês outils à faire dês outils), não apode representar claramente senão o descontínuo e a

imobilidade.”

283 POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 2. ed.São Paulo: Cultrix, 1972. p. 243: “Não sabemos: só

podemos conjecturar. Nossas conjecturas são orientadas por fé não científica, metafísica (embora

biologicamente explicável), em leis, em regularidades que podemos desvelar, descobrir. À semelhança de Bacon, procederia descrever a ciência contemporânea – “o método de raciocínio que hoje os homens aplicam comumente à natureza” – como consistindo de “antecipações, de intentos temerários e prematuros” e de “preconceitos”. (grifo do nosso).

O discurso sobre o “futuro comum” da humanidade é, quando muito, parcialmente verdadeiro e gerado pelo imaginário social. Neste argumento também há algo que se torna oculto: o que deve ser comum a todos é a divisão equânime e uso racionalizado das riquezas naturais. A existência social não seria possível com um só futuro compartilhado. O uso diverso do presente e do futuro e a experiência do passado geram as variadas culturas, o pluripartidarismo, a diversidade individual e social. Pois, a rigor, a idéia de futuro comum é de natureza totalitária. E o desenvolvimento atirado às sombras é aquele propiciado pelas riquezas naturais dirigido por economia sócio-ambiental. “Desenvolvimento sustentável” éoutra face da mentira da sustentabilidade que não pergunta por aquilo que o “progresso” deve ser, e para a qual a natureza é repositório de lucros para algumas nações.

Para o que se pretende – ressaltar as principais dificuldades para se efetivar o Estado Sócioambiental Democrático de Direito e a justiça intergeracional –, basta a análise dos itens indicados. Contudo, outras existem e enfraquecem o Estado de Direito gradativamente.

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