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2 EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA SOBRE O FUNDAMENTOE O SER DAJUSTIÇA

5.6 Reflexão comJohn Rawls

5.6.2 Opinar, Crer e Saber

O item anterior afirmou que a sustentabilidade não poderia ser escolhida como princípio legítimo da justiça pelos sujeitos que estão sob o veil of ignorance. Também ficou assentado o quanto Rawls preza a justiça intergeracional e a natureza, e, por isso, ele mesmo sugeriu alterações em sua teoria.

Contudo, em Kant seencontra copiosa argumentação que representa objeção à pretensão fazer da sustentabilidade conceito científico para o pensamento jurídico. Indispensável ressaltar que Kant escreveu sobre a perfeição lógica do conhecimento as seguintes palavras:

‘A verdade é propriedade objetiva do conhecimento; o juízo, através do qual é representado como verdadeiro – a relação com um entendimento e, por conseguinte, com um sujeito particular – é subjetivamente o assentimento.’ ‘Considerado de modo geral, o assentimento é de duas espécies: com certeza ou com incerteza. O assentimento certo, ou a certeza, está ligado à consciência da necessidade; o incerto, ao contrário, ou aincerteza, à consciência da contingência, ou da possibilidade do contrário. O assentimento incerto, por sua vez, é ou bem insuficiente tanto

subjetivamente quanto objetivamente; ou bem objetivamente insuficiente. Aquele chama-se opinião, este tem que ser chamado de crença’.

‘Há, por conseguinte, três espécies ou modos de assentimento: opinar, crer e

saber. – O opinar é um julgar problemático, a crença é um julgar assertórico, e o saber um julgar apodíctico. Pois o que apenas opino,

considero-o conscientemente, ao julgar, como apenas problemático; o que creio, considero-o como assertórico, não, porém, como objetivamente necessário, mas apenas subjetivamente necessário (valendo apenas para mim); enfim, o que sei, considero-o como apodicticamente certo, isto é, como universal e objetivamente necessário (valendo para todos), mesmo no caso em que o objeto ele próprio, ao qual se refere este assentimento certo, fosse uma verdade meramente empírica. Pois esta distinção do assentimento segundo três modos – que acabamos de mencionar – concerne apenas ao

poder de julgar relativamente aos critérios subjetivos da subsunção de um

juízo a regras objetivas’. (grifo do autor).448

Lendo-se o texto não é possível classificar a sustentabilidade como saber que tem por cerne juízo apodíctico. Aqui é necessário relembrar capítulos, itens e subitens anteriores, neles se encontra argumentação que agora conflui em direção a Kant. Não sendo conceito do qual seja possível encontrar-se essência, a sustentabilidade não pode ser universalizada: se todo equitativo é justo, e todo o justo é equitativo esta reciprocidade não pode ser aplicada à sustentabilidade. No máximo dela se pode pensar que alguma sustentabilidade é justa. Isto

448 KANT, Immanuel. Lógica. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 83-97.

significa que a sustentabilidade não é princípio da razão que pode ser universalizado enquanto se sabe que não é verdadeiro que todo o sustentável é justo. Entretanto, a justiça é universalizada enquanto equidade e enquanto considerada como justiça intergeracional. Além disso, já se demonstrou o quanto é importante não se afastar da herança da tradição filosófica sobre a justiça e esquecê-la em favor da sustentabilidade.

O assentimento que acolhe a sustentabilidade é incerto por estar marcado pela consciência da contingência. Reporta-se ao fato de que a sustentabilidade não elimina a entropia da natureza, mas a aumenta; e também não elimina os riscos sociais das modernas sociedades, mas fornece argumentação para conviver com estes mesmos riscos. Por isso a sustentabilidade não carrega consigo a propriedade objetiva do conhecimento que é a verdade que de imediato surge na análise que se pode realizar sobre a justiça intergeracional. A opinião, embora importante, pois “na maioria das vezes damos início a todo o nosso conhecimento”, adere à sustentabilidade; e enquanto se trata de opinião, não se encontra na Matemática, Metafísica ou na Moral.449 E ainda que se considere que a sustentabilidade pode gerar saber, se deixa de observar que desde o seu assentimento caracterizou idéia natimorta se colocada em paralelo com a justiça intergeracional. Kant formulou exemplo de notável clareza:

Assim, por exemplo, o éter dos físicos modernos é uma simples questão de opinião. Pois esta opinião, assim como de qualquer opinião geral, não importa qual seja, percebo que o contrário talvez possa ser provado. Portanto, o meu assentimento é aqui tanto objetiva quanto subjetivamente insuficiente, muito embora, considerado em si mesmo, possa se tornar completo. (grifo do autor).450

Assim, a sustentabilidade deixa margem para que o seu oposto possa ser provado, tal como foi a equivocada opinião sobre o éter ou o aquecimento global.Entretanto, o Direito encontra-se seguro com a justiça intergeracional, pois será aceita em qualquer contexto histórico em que for defendidae o seu oposto não pode ser provado (seria absurdo defender a prática injusta entre as gerações humanas). Se falharem os procedimentos judiciais, leis, governo e prevalecer a incúria humana, a justiça intergeracional permanecerá intacta: falhou teoria e práxis dos procedimentos judiciais. Não é assim com a sustentabilidade: o uso desta concepção poderá ser questionado em qualquer momento histórico quando a inexorável limitação humana não alcançar fins colimados pelo Direito. O andar claudicante que se

449 KANT, Immanuel. Lógica. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 84.

encontra nos Direitos Humanos ou no Direito Ambiental revela que se trata de áreas do conhecimento jurídico que foram submetidas a juízos problemáticos ou assertóricos que ocultaram o conceito superior de justiça intergeracional. Neste denso nevoeiro se deu curso à noção esdrúxula da sustentabilidade que gerou linguagem inadequada para pensar direitos das gerações vindouras. A opinião que defendeu a existência do éter assemelha-se àquela que defende a sustentabilidade, agregando a isto o fato de que a sustentabilidade resiste transmudar-se em saber.

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