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À CONDIÇÃO CODIFICADA DA MAQUETA

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 110-113)

II DA MAQUETA COMO REPRESENTAÇÃO

À CONDIÇÃO CODIFICADA DA MAQUETA

As anteriores considerações permitem já um enquadramento inicial da reflexão acerca do significado da condição icónica da maqueta. A partir de Eco (2005), uma maqueta representar de modo icónico um objecto arquitectónico significa transcrever por meio dos elementos que a constituem propriedades culturais atribuídas a esse objecto. Compreender o significado da condição icónica da maqueta implicará assim discernir o modo como é viabilizada essa transcrição, isto é, implicará discernir os códigos que permitem vincular uma maqueta ao seu objecto. Sem esses códigos, a maqueta não terá sequer dimensão representacional, e, não tendo essa dimensão, não fará sequer sentido considerar que se está perante uma maqueta. Enquanto códigos icónicos, e ainda a partir de Eco (2005), os códigos da maqueta fixarão as correspondências que devem ser estabelecidas entre os elementos que a constituem e os elementos do objecto arquitectónico que, no caso, forem considerados pertinentes, também estes fixados por códigos de reconhecimento. A natureza codificada da maqueta parece estar consensualizada, já que decorre do facto de ser uma representação. Úbeda Blanco confirma essa natureza como condição de existência da comunicação – “[t]oda

a representação, inclusive a visual, é pois convencionada e, portanto, rege-se por uns códigos que permitem a sua interpretação” 117 (Úbeda Blanco, 2002: 76) – e Dunn atribui-lhe parte da proficiência das maquetas finais de âmbito escolar, atribuição essa que pode ser estendida a maquetas finais de outros âmbitos – “este tipo de modelo é, por definição, mais claro e explora convenções aceites que encorajam a exploração da imagem bem como do meio de comunicação de modo a transmitir informação” 118 (Dunn, 2007: 43). O empenho empregado no controlo da expressão de uma maqueta, estabelecido com o propósito de fixar o modo como esta deve ser interpretada e que para muitos autores é explorada até como um “estilo de “imagem de marca” no seu trabalho” 119 (Moon, 2005: 130), atesta a existência de sistemas de codificação, mesmo que o seu reconhecimento seja apenas implícito. E se para muitos desses autores esse empenho é sobretudo dirigido para a elaboração de maquetas de apresentação – “são a face do arquitecto e têm um papel de embaixadoras” 120 (Moon, 2005: 129) –, para outros dirige-se antes para a constituição dos seus processos de trabalho – “no nosso processo de projecto recorremos fundamentalmente a maquetas com linguagens próprias para fundear o nosso raciocínio” (Mateus, 2012: 12).

De qualquer modo, esse aparente consenso acerca da condição codificada da maqueta não será suportado por códigos uniformizados de expressão – “[a]s escolhas de cor (ou de ausência dela), métodos de construção, materiais e nível de abstracção são pessoais” 121 (Moon, 2005: 130). A diversidade de formulações que uma maqueta pode assim adquirir parece corroborar a observação de Massironi acerca das regras que presidem às codificações gráficas: essas regras – recorde-se – “geram-se, sistematicamente e em diferentes momentos, sempre que uma área de conteúdo se tenha progressivamente clarificado e estruturado e, por isso, exija um método organizado e regulado que a transmita” (Massironi, 1989: 97). Ainda assim, conforme Massironi (1989: 96) também observa, será possível identificar algumas constantes nessas formulações, associadas sobretudo a alguns tipos de conteúdo. Por exemplo, “[o]s modelos de apresentação retratam a composição completa e totalmente

117

Tradução do autor. No original: “Toda representación, incluso la visual, es pues convencional y por lo tanto se rige por unos códigos que permiten su interpretación” (Úbeda Blanco, 2002: 76).

118

Tradução do autor. No original: “this model type by definition is clearer and exploits accepted conventions that encourage the exploration of the image as well as the medium in order to convey information” (Dunn, 2007: 43).

119

Tradução do autor. No original: “”trademark” style in their work” (Moon, 2005: 130).

120 Tradução do autor. No original: “They are the architect’s face, and have an ambassadorial role” (Moon, 2005: 129).

121

Tradução do autor. No original: “The choices of color (or the lack of it), methods of construction, materials, and level of abstraction are personal” (Moon, 2005: 130).

detalhada de uma solução arquitectónica e, evidenciado normalmente a sua envolvente imediata, comunicam a sua finalidade a outros. [...] [T]omam a forma de prefigurações miniaturais” 122 (Porter e Neale, 2000: 34). Apenas a inverosimilhança de um realismo excessivo deverá limitar as definições desses códigos, como, aliás, as definições dos códigos de outras representações de arquitectura. Contribuirão para essa limitação quer a noção de que esse realismo é desprovido de dimensão crítica, quer a sua associação a uma miniaturização da realidade (Moon, 2005). “A força da reacção dos arquitectos ao realismo é por norma directamente proporcional à sua concepção de si próprios como artistas” 123 (Moon, 2005: 132). Na origem dessa reacção e, portanto, da definição de uma determinada codificação da maqueta, na qual deve desde logo ser assinalada uma dimensão ética, é necessário discernir as formulações – em parte já referidas – propostas por Leon Battista Alberti (2011) na obra ‘De Re Aedificatoria’, a quem se devem as reflexões inaugurais acerca da concepção humanista do arquitecto, da dimensão intelectual do seu trabalho e dos instrumentos adequados para desenvolvê-lo: o desenho e a maqueta. “[P]roduzir maquetes coloridas e, por assim dizer, ajaezadas com enfeites de pintura, não é próprio de um arquitecto que procure mostrar o seu projecto, mas de um ambicioso que tenta atrair e cativar o olhar de quem o contempla, e desviar a sua mente da justa análise das partes a serem examinadas, voltando-o para a admiração de si próprio. Por isso gostaria que se proporcionassem maquetes despojadas e simples, não concluídas com esmero excessivo, polidas e luzidias, nas quais se possa admirar o engenho de um inventor e não a habilidade manual de um artesão” (Alberti, 2011: 189). As propostas de Alberti serão retomadas na discussão do alcance da maqueta na constituição do pensamento projectual do arquitecto.

Será assim difícil e porventura até secundário identificar toda a diversidade de códigos que a expressão de uma maqueta pode revelar. Mais importante será verificar que, estando relacionados com uma noção de ‘realismo’ – dela se afastando ou dela se aproximando – e, portanto, quer com os modelos de representação vigentes, quer com os critérios de validação correntes nesses modelos, esses códigos confirmam a natureza cultural – isto é: não ‘natural’ – das relações de ‘semelhança’ proporcionadas pela maqueta. As propostas de Alberti (2011) agora referidas atestam essa natureza cultural. Mas este constituirá apenas um nível da codificação, porventura até de

122

Tradução do autor. No original: “presentation models portray the complete and fully-detailed composition of an architectural solution and, usually with evidence of its immediate setting, communicate its finality to others. […] they take the form of miniature prefigurements” (Porter e Neale, 2000: 34).

123

Tradução do autor. No original: “The strength of architects’ reaction to realism is usually in direct proportion to their conception of themselves as artists” (Moon, 2005: 132).

alcance mais restrito, já que determinado em muito por idiossincrasias dos arquitectos. A reconhecida amplitude da sua inteligibilidade faz contudo supor que uma maqueta possa deter códigos mais estáveis e generalizados. Aliás, deverão ser esses outros códigos que permitirão assegurar a inteligibilidade da maqueta apesar da variabilidade dos códigos que marcam a sua expressão. Sob códigos mais idiossincráticos, parece assim desvelar-se a existência de códigos mais uniformizados e de adopção mais ampla. De qualquer modo, uns e outros serão reciprocamente inextricáveis. São esses códigos mais uniformizados que importa agora averiguar.

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 110-113)