• Nenhum resultado encontrado

AS PROPOSTAS DE ALBERTI – DA RECUSA DO DESENHO…

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 172-174)

IV O PROJECTO DE OBJECTOS ARQUITECTÓNICOS, A PARTIR DA MAQUETA

AS PROPOSTAS DE ALBERTI – DA RECUSA DO DESENHO…

Foi esse o quadro de práticas de projecto onde Alberti também se inseriu e ao qual deu continuidade como arquitecto. E foi também esse o quadro sobre o qual terá reflectido para formular, pelo menos em parte, as suas propostas. Essa formulação acompanhou, aliás – foi já referido –, o início da sua actividade como arquitecto. É pois a partir desse quadro que essas propostas devem agora ser observadas. Está em causa o modo como foi compreendida a capacidade de o desenho e de a maqueta viabilizarem a definição prévia e completa da obra, condição certificadora da natureza intelectual do trabalho do arquitecto. Alberti preconiza uma adopção concertada de ambos, mas é distinto o modo como os valora.

Acerca do desenho, Alberti preocupa-se sobretudo em distinguir aquele que cabe ao arquitecto daquele que cabe ao pintor. A radicalidade da sua concepção do arquitecto requeria a clarificação dos respectivos instrumentos de trabalho. “Entre o desenho de um pintor e o de um arquitecto há esta diferença: aquele esforça-se por mostrar relevo com sombreados, linhas e ângulos reduzidos; o arquitecto, rejeitando os sombreados, num lado coloca o relevo obtido a partir do desenho da planta, e noutro lado apresenta a extensão e a forma de qualquer fachada e dos flancos, mediante linhas invariáveis e ângulos reais, como quem pretende que a sua obra não seja apreciada em perspectivas aparentes, mas sim observada em dimensões exactas e controladas” (Alberti, 2011: 189). Transpareceria na mensurabilidade do desenho o delineamento, definido – recorde-se – como “um traçado exacto e uniforme, mentalmente concebido, constituído por linhas e ângulos, levado a cabo por uma imaginação e intelecto cultos” (Alberti, 2011: 146). Na origem destes três tipos de desenho – a planta e o alçado atribuídos ao arquitecto e o ‘relevo sombreado’ atribuído ao pintor –, e reconhecendo a pertinência da opinião de Christof Thoenes, Gentil Baldrich (1998, 61) confirma uma interpretação das ideae definidas por Vitrúvio. “São estas as espécies de disposição, que em grego se dizem ideae: icnografia, ortografia, cenografia. A icnografia consiste no uso conjunto e adequado do compasso e da régua, e por ela se fazem os desenhos das formas nos terrenos a construir. A ortografia, por seu turno, define-se como o alçado do frontispício e figura pintada à medida e de acordo com a disposição da obra futura. Por fim, a cenografia é o bosquejo do frontispício com as partes laterais em perspectiva e a correspondência de todas as linhas em relação ao centro do círculo” (Vitrúvio, 2006: 37). Nessa interpretação, como em outras dimensões, é necessário reconhecer a importância de Brunelleschi para Alberti, como o faz C. Frommel depois de verificar que aquele terá usado apenas projecções ortogonais na sua prática como arquitecto (in Millon e Lampugnani, 1997: 102). “Os fundamentais contrastes entre os

edifícios de Brunelleschi e de Alberti não devem disfarçar o facto de que Alberti […] foi provavelmente o único contemporâneo a compreender na totalidade os métodos de representação e de projecto de Brunelleschi e a desenvolvê-los” 188 (C. Frommel in Millon e Lampugnani, 1997: 104). Além de prescrever a anterior distinção, Alberti identifica ainda o desenho quer como meio de investigar obras de referência, fazendo equivaler, como o próprio observa, o arquitecto a um letrado – “observará com a máxima diligência quantas obras houver, aprovadas pela opinião e pelo consenso dos homens, onde quer que se encontrem, fará um desenho, anotará as proporções” (Alberti, 2011: 617) –, quer ainda como meio de ensaio, sustentando assim o carácter exploratório do processo projectual – “quando examinei de novo os desenhos e comecei a pô-los em proporção, descobri a minha negligência e censurei-a” (Alberti, 2011: 619). Há contudo uma particularidade que importa reter das observações de Alberti acerca do desenho do arquitecto: a recusa da elaboração articulada de plantas e de alçados. Concorrem ambos para a definição da obra, mas permanecem contudo como representações reciprocamente autónomas. “[A] relação directa entre planta e alçado […] não existe em De Re Aedificatoria” 189 (Gentil Baldrich, 1998: 63). E essa é uma particularidade das propostas de Alberti quase nunca notada 190. Ainda assim, também aí, nessa ausência de relação, é possível confirmar a vontade de distinguir o desenho do pintor do desenho do arquitecto. A recíproca autonomia entre planta e alçado tem na necessidade de os articular para a elaboração de uma perspectiva o seu contraponto, como observa Ackerman igualmente a partir de Christof Thoenes. “Thoenes sugere que a posição de Alberti é afinal consonante com – ou, antes, um reverso de – o seu método de construção da perspectiva como se encontra descrito em Della pittura. Ao fazer isto, Alberti aconselha também a preparação de folhas

188 Tradução do autor. No original: “The fundamental contrasts between Brunelleschi’s and Alberti’s

buildings must not mask the fact that Alberti [...] was probably the only contemporary to fully understand Brunelleschi’s methods of representation and design and to develop them” (C. Frommel in Millon e Lampugnani, 1997: 104).

189

Tradução do autor. No original: “la relación directa entre planta y alzado […] no existe en la De Re Ædificatoria” (Gentil Baldrich, 1998: 63).

190

Esta recíproca autonomia entre planta e alçado poderá porventura não ser de imediato perceptível na edição de ‘De Re Aedificatoria’ que tem vindo a ser consultada (Alberti, 2001), como também não o é nalgumas outras edições recentes (Alberti, 2004: 99-100; Alberti, 2010: 49), mas fica clara na sua última edição espanhola – “El arquitecto, con su desprecio por las sombras, representa el relieve por medio del diseño de la planta, y los espacios y las formas de cada frente y de los laterales los muestra aparte mediante líneas invariables y ángulos verdaderos, como uno que no quisiera que su obra fuera juzgada por impresiones visuales, sino reflejada por dimensiones determinadas y racionales” (Alberti, 1991: 95). A estranheza dessa autonomia entre planta e alçado, se comparada com a dupla projecção ortogonal posteriormente difundida, estará na base da manipulação das palavras de Alberti nalgumas das traduções editadas na segunda metade do século XVI (Gentil Baldrich, 1998: 63). Na segunda edição do texto em volgare, a referência ao alçado chega a ser suprimida, ficando apenas a planta como o desenho que caberia ao arquitecto – “& lo architettore non si curando delle ombre, fa risaltare infuora i relieui me diante il disegno della pianta, como quello, che vuole che le cose fue sieno riputate non dalla apparente prospettiua, ma da verisimi scompartimenti, fondati sul a ragione” (Alberti, 1550: 36).

separadas para os dois[, planta e alçado]” 191 (Ackerman, 2002: 50). E é ainda possível confirmar nessa ausência de relação a distinção entre a prática projectual italiana e a prática transalpina, na qual a articulação entre alçados e plantas, mesmo se estas fossem apenas parciais, era não só corrente, como até recomendada (Gentil Baldrich, 1998: 63). A atribuição da ‘cenografia’ vitruviana ao pintor voltará a ser observada.

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 172-174)