• Nenhum resultado encontrado

O ALCANCE DAS PROPOSTAS DE ECO

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 95-98)

II DA MAQUETA COMO REPRESENTAÇÃO

O ALCANCE DAS PROPOSTAS DE ECO

Importa averiguar o alcance das propostas de Eco (1997; 2005) para o esclarecimento da constituição dos signos icónicos – estão em causa quer os contributos, quer os limites dessas propostas.

As reflexões de Eco acerca da constituição dos signos icónicos têm como base o conflito existente entre a noção de ‘signo’ e a noção de ‘signo icónico’ – se um signo pressupõe uma correlação convencionada entre elementos de um plano de expressão e elementos de um plano de conteúdo, deve ser refutada a existência de signos ‘naturalmente’ relacionados com o seu objecto, como parece acontecer se se convier que o seu funcionamento assenta numa simples posse de propriedades do ou de semelhanças com esse seu objecto. Como qualquer signo, também os signos icónicos devem ser pensados como exercício de manipulação de um código, configurados –

esse exercício e esse código – no âmbito de uma determinada conjuntura cultural, onde é também codificado o reconhecimento do objecto desses signos. Há pois que compreender a constituição dos códigos icónicos, isto é, o modo como viabilizam uma correlação convencionada entre artifícios gráficos – os elementos de um plano de expressão – e traços de conteúdo – os elementos de um plano de conteúdo. E é aí, na ambiguidade que permeia essa compreensão, que deve ser observado o contributo das propostas de Eco. Embora refute a equiparação dos signos icónicos aos signos verbais, evitando assim um “verbocentrismo ingênuo” (Eco, 2005: 187) advindo da sujeição ao modelo da ‘dupla articulação’, é afinal o espectro dessa equiparação que acaba por marcar as suas propostas. A identificação dos signos icónicos como textos visuais será porventura o reflexo mais imediato dessa ambiguidade. De facto, Eco liberta os signos icónicos da rigidez da ‘dupla articulação’ – esse será um dos contributos das suas reflexões; porém – será esse um dos seus limites –, é sempre a partir da linguagem verbal que esses signos são perspectivados. De algum modo, é como se a constituição dos signos icónicos fosse definível não em si mesma, mas apenas como constituição diferente da constituição dos signos verbais.

Ao observar a vinculação dos diversos tipos de códigos aos respectivos conteúdos, Eco entende – recorde-se – que os códigos icónicos são fracos, uma vez que pouco definidos e mutáveis. O desenhista “põe em crise, com extrema liberdade, um código preexistente, e constrói um novo com os detritos do outro ou de outros [códigos]. Eis

em que sentido os códigos icónicos, se é que existem, são códigos fracos” (Eco, 1997:

114). Por isso a sua compreensibilidade poderá ser afectada. Pelas razões inversas, isto é, pela sua constância, os códigos verbais são fortes e o código Morse fortíssimo. Mas será esta comparação viável, isto é, serão estes códigos comparáveis tendo sido confirmadas já as distintas constituições dos signos linguísticos e dos signos icónicos? E, independentemente da sua viabilidade, será essa comparação razoável, isto é, será cada um destes códigos manipulado sempre com a mesma maleabilidade ou com a mesma rigidez, justificando assim a afirmação de uma sua intrínseca ou ‘força’, ou ‘fraqueza’?

Confrontar a imprevisibilidade do significado do desenho de uma égua com a previsibilidade do significado da enunciação da palavra ‘égua’, concluindo desse modo a ‘fraqueza’ dos códigos de um e a ‘força’ dos códigos da outra, só parece poder fazer sentido se se pressupuser que ambos veiculam um mesmo conteúdo. Só assim a comparação será viável. Mas essa pressuposição não parece ser admissível: não só a linguagem verbal e a imagem têm constituições distintas, sendo por isso apreendidas

de modos distintos e correlacionando-se por isso também com distintas “regiões de conteúdo” (Massironi, 1989: 97), como sobretudo a identificação de um conteúdo não pode ser feita à margem das representações – no caso, dos textos ou das imagens – nas quais os conteúdos adquirem a sua existência, independentemente agora das suas distintas constituições. Aliás, se os respectivos conteúdos fossem coincidentes, a enunciação de ‘égua’ e o desenho de uma égua seriam redundantes, o que parece ser contrariado pela prática, como o próprio Eco observa ao confrontá-los. É pois difícil aceitar como viável a comparação de códigos que propõe.

E é também difícil aceitar a razoabilidade dessa comparação já que um código não é manipulado sempre com o mesmo grau de estabilidade. “A problemática, então, a haver, não parece estar na fortaleza do código, se mais forte ou se mais fraco, mas no modo de o utilizar. E, nestes termos, é quase impertinente ou obsoleto hierarquizar diferentes tipologias de código” (Janeiro, 2010: 274). São esses modos de utilizar os códigos que Eco não considera, apesar de ter manifestado que pretendia averiguar não ‘tipos de signos’, mas ‘tipos de produção sígnica’ (Eco, 2005: 153). De facto, ao verificar a sua distinta força, Eco parece confrontar uma utilização com ‘propósito estético’ com uma utilização com propósito ‘não-estético’, no caso, a pintura com a prosa. Justifica-se desse modo a referência que faz à liberdade com que o desenhista manipula os códigos do desenho (Eco, 1997: 114). Mas se assim é, Eco teria também de ter concluído a fraqueza da poesia – ao jogar em simultâneo com o significado das palavras e das normas gramaticais e com o reforço, a modificação ou a contradição desse significado, como já apontara Lévi-Strauss (1964: 28), também a poesia põe afinal em risco a sua compreensibilidade. Assim, se nalgumas situações é possível verificar que os códigos icónicos detêm fixações ténues de conteúdos, outras há em que é necessário reconhecer a existência de fixações rígidas. A compreensão dos códigos icónicos proposta por Eco revela-se pois demasiado generalista.

Contraditando precisamente esse carácter generalista das propostas de Eco, Massironi (1989) consegue identificar algumas constantes em desenhos que veiculam o mesmo tipo de conteúdos, por exemplo: “o plano frontal de representação e o sinal- contorno-preciso nas projecções ortogonais; o plano inclinado e o sinal-variado no desenho ilustrativo; plano frontal, sinal-variado, e enfatismo de alguns traços para representação com finalidade taxonómica, etc” (Massironi, 1989: 96). Tratam-se de constantes distintas daquelas que existem na linguagem – talvez menos generalizadas e menos perenes, mas tratam-se, ainda assim, de constantes. Ao contrário das codificações da linguagem, as codificações gráficas “geram-se, sistematicamente e em

diferentes momentos, sempre que uma área de conteúdo se tenha progressivamente clarificado e estruturado e, por isso, exija um método organizado e regulado que a transmita” (Massironi, 1989: 97). De qualquer modo, as convenções da representação de arquitectura parecem possuir grande estabilidade – “[u]ma vez estabelecida, uma convenção arquitectónica mantém uma impressionante consistência ao longo do tempo” 106 (Ackerman, 2002: 294).

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 95-98)