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O DESENHO COMO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO PROJECTUAL

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 197-200)

IV O PROJECTO DE OBJECTOS ARQUITECTÓNICOS, A PARTIR DA MAQUETA

O DESENHO COMO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO PROJECTUAL

A verificação da importância da maqueta nas práticas projectuais italianas a partir do início do século XV não deve contudo ignorar o lugar que aí tinha também o desenho. Mesmo não tendo sido teorizado como representação síntese do projecto e não tendo, de facto, esse valor na sua prática, o desenho não deixou nem de ser observado pela teoria, nem de ser utilizado pelos arquitectos. Alberti (2011) refere-se-lhe, mesmo que de forma sintética, se comparada com a profundidade e com a exigência das suas reflexões acerca da maqueta – foi já observado –, e as ‘Vite’ de Vasari (1550; 1568), mais uma vez, ainda que não sendo exaustivas, reportam uma sua contínua adopção desde antes, até, do século XV. Importa assim objectivar o panorama do desenho na segunda metade do século XVI, o período no fim do qual, depois de atingir o seu auge, a maqueta começa a enfrentar o seu ocaso enquanto representação síntese do projecto. Está em causa, em particular, a capacidade de o desenho se constituir como essa representação síntese, sendo manifesto que esse papel lhe veio a ser – e ainda lhe é – confiado. E está em causa também o lugar da perspectiva – ou os sistemas que a antecederam – no trabalho do arquitecto, isto considerando a relevância que continua a ser-lhe aí atribuída, e que fica expressa, por exemplo, nas observações de Fraser e Henmi (1994), como ficara expresso já, ainda que em relação a Brunelleschi,

219 Estas estampas integrariam as séries de estampas de edifícios de Roma editadas por Salamanca e por Antonio Lafreri (1512-1577) conhecidas como ‘Speculum Romanæ Magnificentiæ’ (Deswarte-Rosa, 1989). Da proposta de da Sangallo para San Pietro, são conhecidas estampas da planta, duas do alçado Nascente, do alçado Norte e de um corte longitudinal (Salamanca e Lafreri: 1553-1563). Os desenhos preparatórios do alçado Norte e de um corte transversal sombreado da basílica que da Sangallo elaborou (Frommel e Adams, 2000: 166) poderão ter servido como base para a maqueta e para as estampas.

Imagem 16 – Gravura com corte longitudinal do projecto de Antonio da Sangallo, il giovane, para a Basílica de San Pietro, Roma. Antonio Salamanca, 1546-49. Gravura sobre metal. 44,8 x 56 cm (b x a). New York, The Metropolitan Museum of Art, Prints, inv. 41.72(3.22). (Salamanca e Lafreri, 1553-1563).

Imagem 17 – Gravura com alçado Norte do projecto de Antonio da Sangallo, il giovane, para a Basílica de San Pietro, Roma. Antonio Salamanca, 1546-49. Gravura sobre metal. 56 x 44,5 cm (c x l). New York, The Metropolitan Museum of Art, Prints, inv. 41.72(3.21). (Salamanca e Lafreri, 1553-1563).

na interpretação de Argan (1981: 59) da sua arquitectura como perspectiva. Observam então Fraser e Henmi: “[o]s arquitectos do Renascimento escolheram a construção em perspectiva como uma importante ferramenta para realizar, bem como para simbolizar, a sua arquitectura. Um método de desenho que transcendeu o seu papel enquanto meio de representação e se tornou em vez disso, de certa maneira, num fim em si mesmo” 220 (Fraser e Henmi, 1994: 74).

C. Frommel formula um panorama do desenho no arranque desse período, deixando latente a sua subsequente permanência. “Os métodos de representação de projectos arquitectónicos de hoje estavam na sua maior parte já em uso no início do século XVI. Os mestres do Renascimento faziam uso da tríade – planta, alçado e corte – bem como de vários tipos de perspectivas, com um grau de virtuosismo e precisão que desde então raramente foi igualado” 221 (in Millon e Lampugnani, 1997: 101). Mas este panorama deve ser questionado. Desde logo, há que averiguar a sua abrangência. Contraditando precisamente esta opinião de C. Frommel, Gentil Baldrich verifica que “os projectos que foram expressos graficamente de uma maneira suficientemente completa são sumamente raros durante o primeiro terço do século XVI – e estes sempre relacionados com autênticos mestres – e simplesmente inexistentes durante o

Quattrocento” 222 (Gentil Baldrich, 1998: 13). Além disso, o carácter generalista desse

panorama ilude quer as distintas adopções do desenho, quer os tipos de desenhos que lhes estavam associados. Como verifica Ackerman (1991: 370) – será a seguir observado –, e considerando apenas aqueles que estavam directamente ligados ao projecto, já que nem sempre a representação desenhada de objectos arquitectónicos lhe estava necessariamente vinculada, como o confirmam os diversos álbuns de representações das ruínas da cidade de Roma, os desenhos eram adoptados quer como registos de apresentação, quer como registos de concepção, quer ainda como registos destinados à construção, sendo em cada caso distintos os tipos de desenho que eram preferencialmente adoptados. Mas é sobretudo o facto de não clarificar a constituição do desenho como sistema de representação síntese do projecto aquilo

220

Tradução do autor. No original: “The architects of the Renaissance chose perspective construction as an important tool to make as well as symbolize their architecture. A drawing method transcended its role as medium and instead became, in a way, an end in itself” (Fraser e Henmi, 1994: 74).

221 No original: “Present-day methods of representing architectural projects were for the most part already

in use by the start of the sixteenth century. The masters of the Renaissance made use of the triad – plan, elevation and section – as well as various kinds of perspectives, with a degree of virtuosity and precision that has rarely been equaled since” (C. Frommel in Millon e Lampugnani, 1997: 101).

222

Tradução do autor. No original: “los proyectos que se expresaran gráficamente de una manera suficientemente completa son sumamente raros durante el primer tercio del siglo XVI – e estos siempre relacionados con auténticos maestros – y sencillamente inexistentes durante el Quattrocento” (Gentil Baldrich, 1998: 13).

que mais justifica o questionamento do panorama delineado por C. Frommel. Afirmar sem mais que os métodos de desenho do início do século XVI eram, de modo global, análogos àqueles que hoje existem, mais ainda quando no século XV o desenho não se encontrava assim sistematizado – a observação de Gentil Baldrich (1998: 13) antes considerada confirma-o, como o confirma a observação de Tavares (2004b: 93), também já considerada, acerca da ausência à época de sistemas de desenho técnico organizados – pressupõe que essa sistematização do desenho no início do século XVI foi alcançada de modo súbito. E essa revela-se uma possibilidade difícil de sustentar, sobretudo se se considerar que alterações dessa índole implicarão lapsos temporais alongados. Por fim, e procurando precisar o grau de proficiência com que o desenho era então manipulado, importa contrapor ao virtuosismo e à precisão notados por C. Frommel (in Millon e Lampugnani, 1997: 101) a relatividade concluída por Montes Serrano ao observar que “qualquer desenho de um aluno mais avançado das nossas Escolas causaria uma grande admiração aos contemporâneo de Leonardo e seria julgado como algo milagroso pelos de Giotto” 223 (Montes Serrano citado por Gentil Baldrich, 1998: 49, nota 13). Porventura por lhe parecer frustre a sua qualidade se comparada com a qualidade que consideraria consentânea com a de um mestre da Renascença, C. Frommel (in Millon e Lampugnani, 1997: 101) identifica o único desenho técnico conhecido de Alberti – a planta de um edifício de banhos termais, embora não seja conhecida outra informação acerca dessa hipotética obra – não como o desenho de um projecto, mas como um desenho preparatório de uma maqueta. A avaliação do panorama do desenho como meio de representação de arquitectura requer pois uma compreensão mais matizada.

Devem então ser consideradas as observações de Ackerman agora referidas acerca do desenho. Genericamente, e na continuidade das práticas anteriores ao século XV, os propósitos do desenho até pelo menos ao início da segunda metade do século XVI coincidiam com os propósitos das maquetas, sendo adoptados como registos de apresentação, desde logo, mas também como registos de concepção e como registos destinados à construção (Ackerman, 1991: 370). Nos primeiros casos, a adopção do desenho era consonante com a adopção da maqueta – também os desenhos de apresentação raramente revelavam os edifícios naquela que acabaria por ser a sua configuração construída, e também os desenhos de concepção poderiam assumir um carácter experimental. Porém, ao contrário da maqueta, que permitia apreender a

223 Tradução do autor. No original: “cualquier dibujo de un alumno aventajado de nuestras Escuelas

causaría una admiración a los contemporáneos de Leonardo y sería juzgado como algo milagroso en los de Giotto” (Montes Serrano citado por Gentil Baldrich, 1998: 49, nota 13).

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 197-200)