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II 2 3 MODELOS FÍSICOS

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 58-60)

II DA MAQUETA COMO REPRESENTAÇÃO

II 2 3 MODELOS FÍSICOS

NOÇÕES GERAIS

No seu conjunto, os modelos físicos “abrange[m] qualquer coisa que seja uma entidade física e que serve como representação científica de alguma outra coisa” 50 (Frigg e Hartmann, 2012). A convocação desta definição volta a assentar na convicção de que as questões suscitadas pela representação de âmbito científico não devem ser compreendidas à margem das questões suscitadas pela representação, considerada para isso de modo lato (Frigg e Hartmann, 2012). Os modelos físicos são também identificados como modelos materiais.

Aparentemente, “as características físicas da realidade estão representadas pelas mesmas ou por características análogas no modelo” 51 (Echenique, 1975: 172). É possível dividir esses modelos em dois grupos, definidos em função do modo como se estabelece a representação dos respectivos objectos: um grupo comporta os modelos identificados como modelos icónicos, nos quais as propriedades físicas desses objectos serão representadas sendo sujeitas apenas a uma alteração de escala – maquetas e fotografias serão exemplos comuns de modelos icónicos (Echenique, 1975: 172); o outro grupo engloba os modelos identificados como modelos analógicos, nos quais essas propriedades físicas estarão representadas por outras propriedades, mediante regras de conversão – mapas e gráficos serão exemplos de modelos analógicos (Echenique, 1975: 172). À imagem dos modelos conceptuais, também os modelos físicos parecem poder ser considerados como consistindo num conjunto de ‘suposições’ acerca de algum objecto ou sistema, cuja descrição é assegurada por meio da atribuição de uma ‘estrutura interna’, de uma ‘composição’ ou de um ‘mecanismo’ capaz de explicar algumas das propriedades desse objecto ou desse sistema, constituindo uma ‘aproximação’ útil para um determinado propósito que poderá ser ‘formulada’, ‘desenvolvida’ e até ‘denominada’ com base numa analogia entre o objecto ou sistema por ele descrito e algum outro objecto ou sistema diferentes (Achinstein, 1967). Contudo, ao invés dos modelos conceptuais, mesmo confirmando a importância das descrições na constituição da sua capacidade representacional (Halvorson, 2013: 4), a capacidade representacional dos modelos físicos estará antes radicada na sua condição objectual.

50 Tradução do autor. No original: “comprises anything that is a physical entity and that serves as a

scientific representation of something else” (Frigg e Hartman, 2012).

51

Tradução do autor. No original: “the physical characteristics of reality are represented by the same or analogous characteristics in the model” (Echenique, 1975: 172).

Numa aproximação mais imediata, os modelos físicos assim definidos justificarão a opinião de que “não dão azo a quaisquer dificuldades ontológicas além dos bem conhecidos jogos de palavras relacionados com objectos com os quais os metafísicos lidam (e.g. a natureza das propriedades, a identidade do objecto, partes e todos e assim por diante)” 52 (Frigg e Hartmann, 2012). Mas o reconhecimento desta opinião não deverá iludir acerca da complexidade das questões sobre as quais esses jogos de palavras se debruçam. Se, por um lado, ao fazerem assentar a sua capacidade de representação ou na reprodução, mesmo que sujeita a uma escala, ou na conversão de propriedades físicas, os modelos físicos parecem deter uma relação mais próxima com os seus objectos, isto se comparados com os modelos conceptuais, por outro lado, porque se tratam de representações, os modelos físicos deverão continuar a ser inquiridos como sistemas convencionados onde se jogarão não apenas a veiculação mas, também, a constituição de um entendimento desses seus objectos. Os modelos físicos requerem, por isso, um quadro de observação que permita ultrapassar a mera avaliação de semelhanças, até porque esta se revela afinal inadequada para precisar uma relação de representação. Tal como os isomorfismos, com os quais se cria poder explicar o funcionamento da dimensão representacional dos modelos conceptuais, também as relações de semelhança são reflexivas e simétricas, ao contrário da representação que o não é. “De um modo simples, a semelhança em qualquer grau não é condição suficiente para a representação” 53 (Goodman, 1976: 4). Contudo, a representação processa-se.

Aparentemente, existirá um património comum de propriedades detido pelo modelo e pelo seu objecto, independentemente da formulação daquele e da constituição deste. Essa possibilidade parece até assumir uma acuidade particular no caso dos modelos icónicos, pelo facto de assentarem na reprodução das propriedades do objecto que representam. Mas a circunscrição desse património, ignorando agora as questões que a sua delimitação coloca – que propriedades poderão afinal ser consideradas? apenas as físicas, uma vez que se trata de modelos físicos? e o que é que constitui uma propriedade física? –, continuará a não conseguir esclarecer como se estabelece a representação. Apenas confirma o seu estabelecimento, apresentando-o, numa certa circularidade até, como natural e, por isso, garantido, já que sustentado em algo que é afinal comum ao modelo e ao seu objecto. Contudo, contrariando a convicção numa

52

Tradução do autor. No original: “Material models do not give rise to any difficulties over and above the well-known quibbles in connection with objects, which metaphysicians deal with (e.g. the nature of properties, the identity of object, parts and wholes, and so on)” (Frigg e Hartman, 2012).

53

Tradução do autor. No original: “Plainly, resemblance in any degree is no sufficient condition for representation” (Goodman, 1978: 4).

apetência prévia de alguns objectos para representarem outros – da maqueta para representar um objecto arquitectónico, por exemplo –, será afinal necessário verificar que “quase tudo pode representar qualquer outra coisa” 54 (Goodman, 1976: 5). A dúvida, por isso, permanece: como é que se reconhece num modelo físico o seu objecto? Independentemente daquele que vier a ser o esclarecimento desta questão, o reconhecimento de algo numa representação parece desde já constituir-se não tanto como resultado de condições que lhe são anteriores, quanto como uma possibilidade constituída na e pela própria representação.

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 58-60)