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PLANOS DE OBSERVAÇÃO

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 149-151)

IV O PROJECTO DE OBJECTOS ARQUITECTÓNICOS, A PARTIR DA MAQUETA

PLANOS DE OBSERVAÇÃO

Equacionar o alcance da maqueta na constituição do pensamento projectual do arquitecto – foi considerado aquando da definição dos propósitos deste trabalho – implicará equacionar não tanto ‘aquilo’ que o arquitecto pensa ao convocar a maqueta para transcrever o seu pensamento, mas, sobretudo, ‘como’ é que o arquitecto pensa ao assim proceder. Mais do que apenas a participação no jogo de reenvios em que se cria consistir a relação que o pensamento estabelece com a representação – foi então também referido –, estava sobretudo em causa o modo como a maqueta determina a definição desse jogo, mais ainda se esse jogo sustentar o desenvolvimento de um processo projectual. Preferiu-se por isso perspectivar a inquirição da maqueta num horizonte de ‘anterioridade’ e não em ‘profundidade’ – em ‘profundidade’, isto é, ao longo de um processo de projecto, a maqueta tenderia porventura a ser sobretudo considerada em função do pensamento que a convoca, como se de um seu reflexo apenas se tratasse, persistindo por isso, mesmo que implicitamente, a sua recondução a uma dimensão sobretudo instrumental; num horizonte de ‘anterioridade’, isto é, na própria constituição do pensamento, pelo contrário, ao ser libertada dessa abordagem instrumental, a maqueta poderia ser equiparada ao pensamento, poderia ser tomada como pensamento, porventura, até, delineando-se assim um enquadramento mais adequado à compreensão do jogo de reenvios que ambos entre si estabelecem. A existência de um alcance da maqueta na constituição do pensamento projectual do arquitecto terá ficado já clarificada, como clarificadas terão ficado também as razões que o determinam: esse alcance é determinado – foi agora concluído, na sequência das reflexões atrás conduzidas – pela radical distinção que a maqueta terá sempre do objecto arquitectónico que representa, embora, tal como esse objecto, se constitua também sempre como uma ‘formulação significativa’, surja para o sujeito, também sempre, como uma imagem mental. Mas reconhecer essa distinção não permite por si discernir as suas consequências. Sem mais, ao assentar na distinção que comporta face ao seu objecto, ao não poder fazer transparecer o pensamento, mais ainda se esse pensamento for ainda indefinido – e ao longo de um processo de projecto o objecto do pensamento será sempre indefinido –, o alcance da maqueta parece inútil, se não mesmo oposto ao seu desenvolvimento. Afinal, espera-se que a representação se aproxime tanto quanto possível do objecto que se pretende compreender, assim superando a sua indefinição. Só, pois, discernindo as consequências dessa distinção poderá ser precisada a amplitude do alcance da maqueta.

O discernimento dessas consequências deverá comportar uma dupla observação. Por um lado, há que discernir ‘como’ é que a maqueta, ao distinguir-se do seu objecto, contribuirá para a evolução do pensamento projectual. Está em causa quer o modo como a maqueta permite gerar informação num processo de projecto, quer o modo como a informação assim gerada permite, por sua vez, sustentar o desenvolvimento desse processo. Manifestam-se aí as contingências da interpretação intrínseca à representação. Mas há que discernir também ‘como’ é que a maqueta, ao substituir o seu objecto, ordena o pensamento projectual – no projecto, a maqueta não só se distingue do seu objecto como ainda o substitui. Está agora em causa um valor outro, que não apenas já só funcional, que a maqueta adquire ao nela se radicar e, portanto, ao nela se circunscrever a concepção dos objectos arquitectónicos. E operar essa circunscrição significa não apenas convocar a maqueta ao longo de um processo de projecto, mas, sobretudo, posicioná-la como a própria base desse processo. Além da distinção entre a maqueta e o seu objecto, deve agora reconhecer-se igualmente um corte: o corte que é estabelecido entre o trabalho do arquitecto – o projecto – e a sua subsequente concretização – a construção do objecto arquitectónico assim projectado. O projecto, entendido de modo lato – e esse entendimento será ainda objectivado – constituirá a instância de observação destas consequências da maqueta.

Mas estas serão talvez consequências de apreensão mais imediata, já que associada à efectiva adopção da maqueta. Menos evidente, mas porventura mais radical, já que com essa conceptualização imbricada, será a importância da maqueta para uma certa conceptualização da arquitectura e do projecto, da qual a concepção dos objectos arquitectónicos agora considerada é uma decorrência. E essa é uma importância da maqueta que permanece, apesar do paradoxo aí contido, além da eventualidade da sua adopção. Daí a sua apreensão ser talvez menos evidente. Assim, por outro lado – e prosseguindo a clarificação do discernimento das consequências da maqueta –, há que discernir ‘como’ é que a maqueta terá contribuído para a afirmação da arquitectura como uma arte liberal e do arquitecto como um seu praticante. Está em causa agora a definição de um sistema de representação capaz de fixar a obra projectada em toda a sua completude, condição necessária para dissociar o arquitecto de uma relação mais imediata com a construção e, em simultâneo, garantir a cabal transmissão das suas propostas àqueles que as iriam construir. Sob o corte estabelecido entre o trabalho do arquitecto e a sua concretização, desvela-se agora um corte mais radical: o corte estabelecido entre uma compreensão medieval e uma compreensão humanista do mundo. É este outro corte que se perscruta na formulação desse modo de conceber os objectos arquitectónicos. Por isso se referiu – aquando ainda da definição dos

propósitos deste trabalho – que a inquirição da maqueta deveria radicar-se também no território da conceptualização do projecto de arquitectura e não no território apenas da concepção dos objectos arquitectónicos. O Renascimento Italiano, o quadro cultural no início do qual se ideou esse corte e ao longo do qual esse corte se foi estabelecendo e se foi consolidando, constituirá a instância de observação destas consequências da maqueta. Esta observação deverá por isso anteceder a observação antes identificada, por decorrer desta conceptualização do projecto de arquitectura, como se referiu, aquela concepção dos objectos arquitectónicos.

Em síntese, discernir o alcance da maqueta na constituição do pensamento projectual do arquitecto significa discernir esse alcance quer no modo ‘como’ o arquitecto inventa o objecto do seu trabalho, isto é, no modo como é constituída essa invenção, quer no modo ‘como’ o arquitecto é inventado ao inventar esse objecto. É, pois, o alcance da maqueta nesta dúplice ‘invenção’ do arquitecto que está assim em causa.

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 149-151)