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DA CONDIÇÃO ICÓNICA DA REPRESENTAÇÃO

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 108-110)

II DA MAQUETA COMO REPRESENTAÇÃO

DA CONDIÇÃO ICÓNICA DA REPRESENTAÇÃO

A discussão deve agora retornar ao âmbito particular da maqueta, reconsiderando o significado da sua condição icónica a partir das reflexões resultantes do anterior recuo ao âmbito lato da representação – embora naturalmente a atinjam, não é imediata a sua repercussão para o esclarecimento dessa condição da maqueta. Continua a estar em causa a compreensão da sua dimensão representacional. Importa recuperar os argumentos já aduzidos, propiciando assim o relançamento da discussão.

A necessidade de discernir o significado da condição icónica da maqueta adveio – recorde-se – da dificuldade de sustentar a possibilidade de uma maqueta deter propriedades de um objecto arquitectónico. Embora essa fosse uma decorrência da sua classificação como modelo icónico (Echenique, 1975; Úbeda Blanco, 2002; Frigg e Hartmann, 2012), tinha sido já aventado que as relações de representação assentam não em eventuais partilhas de propriedades ou de semelhanças, mas em sistemas convencionados de equivalências que permitem tomar algumas das propriedades atribuídas à representação como algumas das propriedades atribuídas ao seu objecto (Janeiro, 2010) – a coincidência entre ambas nunca será total; de outro modo, a representação não teria sequer sentido. A dificuldade agora apontada em relação à maqueta estende-se a outras representações ditas icónicas. Contudo, se em relação ao desenho, à fotografia ou mesmo até à escultura, por exemplo, o reconhecimento dessa dificuldade, mesmo que não seja imediato, será porventura facilitado pelas manifestas diferenças que todas essas representações detêm quando comparadas com os respectivos objectos (Goodman, 1976; Bozal, 1987), em relação à maqueta, já não acontecerá o mesmo. As maquetas e os objectos arquitectónicos, quer pelas suas existências tridimensionais (Moon, 2005), quer pelas suas dimensões materiais e construtivas (Porter e Neale, 2000), parecem comportar uma potencial proximidade que torna plausível a possibilidade de eventuais partilhas de propriedades ou de semelhanças entre ambos. A dificuldade de resolver o conflito entre a condição genérica de ser um modelo e a condição particular de ser um modelo icónico latente na maqueta fica expressa no modo como essa última condição tende a ser observada: reconhece-se que uma maqueta não é uma cópia do objecto que representa, exigindo antes um processo de abstracção que dele a diferencia (Hubert in Frampton e Kolbowski, 1981; Úbeda Blanco, 2002); contudo, porque esse é um processo tomado como se apenas de um processo selectivo se tratasse, ignorando afinal as suas implicações mais profundas (Arnheim, 1969), a eventualidade de uma maqueta poder

deter propriedades desse objecto não chega a ser ponderada. Em síntese, verifica-se que uma maqueta se distingue de um objecto arquitectónico, por exemplo, por causa da sua menor dimensão, da sua menor complexidade, dos seus materiais, tudo dados que configuram a relação que o seu observador com ela estabelece e, desse modo, determinam as propriedades que lhe atribui, mas isso não parece ainda assim ser suficiente para se contestar a noção de que uma maqueta se comportará como um repositório de algumas das propriedades do objecto que representa, perpetuando a convicção na sua natural apetência como dispositivo de representação arquitectónica. Não é assim claro, como foi já referido, de que modo poderá ser sustentada e, porventura até, se poderá sequer ser sustentada a condição icónica da maqueta. Por isso a necessidade de discutir o seu significado.

Recuou-se então ao âmbito lato da representação, discernindo aí o desempenho da representação icónica. A noção de ‘signo icónico’ é contestada, em particular, por Eco (1997; 2005). Eco verifica desde logo a incompatibilidade existente entre a noção de ‘signo’ que propõe e a noção de ‘signo icónico’ que Morris difunde a partir da noção proposta por Peirce – o carácter convencionado que subjaz à proposta de Eco colide com a eventualidade de uma posse de propriedades ou de uma existência de semelhanças nas quais assentam as propostas de Morris e de Peirce. Mas mais do que numa posse de propriedades, que Morris desde logo confirma não ser absoluta, é sobretudo na eventual existência de semelhanças que Eco se detém – Eco não põe em causa a possibilidade de as reconhecer; põe em causa antes aquilo que viabiliza o seu reconhecimento. Assim, é ponderada a possibilidade de as semelhanças advirem de uma proximidade perceptiva – a representação revelaria uma estrutura perceptiva similar àquela detida pelo seu objecto. De facto, assim sucederá, conforme Arnheim (1994) confirma quando precisa as razões que tornam possível o reconhecimento de algo numa representação, mas isso não significa que deva ser aí identificada uma mera coincidência de estruturas perceptivas, como se na apreensão da representação naturalmente se reproduzisse a apreensão do seu objecto. Se se reconhece uma semelhança é porque – recorde-se – existe “uma CONVENÇÃO GRÁFICA [que] autoriza a TRANSFORMAR no papel os elementos esquemáticos de uma convenção perceptiva ou conceitual que motivou o signo” (Eco, 2005: 171) – Eco refere-se ao desenho. Por essa razão – recorde-se também –, deve considerar-se que “o juízo de semelhança é pronunciado com base em critérios de pertinência fixados por convenções culturais” (Eco, 2005: 172). Na sequência da ponderação da sua acepção genérica, é ainda ponderada a acepção geométrica de ‘semelhança’, por se considerar mais preciso o seu estatuto. Mas também o reconhecimento desta é convencionado,

mesmo estando em causa uma congruência, o caso pleno de semelhança geométrica. Além disso, a congruência apenas parece evidente em relação a figuras mais simples. Em relação a figuras mais complexas, aquelas com as quais a representação tende a operar, continua a ser necessário verificar que o reconhecimento de semelhanças terá de ser viabilizado por meio de um conjunto de convenções que permitem transformar na representação os elementos apreendidos como relevantes do seu objecto. As relações de semelhança, mesmo as de natureza geométricas, são sempre relações convencionadas. Eco procede então ao reajustamento do significado da representação icónica: recusando em definitivo as possibilidades quer de uma efectiva partilha de propriedades, quer de uma existência natural de semelhanças, propõe – recorde-se ainda – que “[r]epresentar iconicamente o objeto significa então transcrever por meio de artifícios gráficos (ou de outro gênero) as propriedades culturais que lhe são atribuídas” (Eco, 2005: 181), implicando esse processo um conjunto de códigos que determina que artifícios correspondem a que elementos do conteúdo a representar, também este configurado segundo códigos de reconhecimento. E serão propriedades atribuídas pela cultura porque é afinal sempre no âmbito de uma dada conjuntura cultural que são estabelecidas e, portanto, devem ser consideradas as propriedades atribuídas aos objectos – sendo formulações significativas (Janeiro, 2010), os objectos são formulações culturais. Ficava confirmada a insustentabilidade do iconismo como fundamento da representação.

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 108-110)