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A TRIDIMENSIONALIDADE REVISTA

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 115-117)

II DA MAQUETA COMO REPRESENTAÇÃO

A TRIDIMENSIONALIDADE REVISTA

Deve então ser avaliada a possibilidade de a tridimensionalidade viabilizar por si, isto é, independentemente de qualquer código, uma relação entre uma maqueta e um objecto arquitectónico.

Confiar à tridimensionalidade a possibilidade de viabilizar por si a relação entre uma maqueta e um objecto arquitectónico parece aparentemente resolver a eventual falta de códigos estabilizados da maqueta, mas deve ser prudente a conclusão de que essa relação será por causa disso uma relação menos codificada ou, nalguns casos, de todo até não codificada como as observações de Sardo (2004: 113-114) feitas a este propósito parecem sugerir. Importa discernir como será aí viabilizada a relação entre uma maqueta e o seu objecto, avaliando assim a pertinência desse entendimento da tridimensionalidade. Ao se confiar à tridimensionalidade, nessas condições, essa relação, remete-se para o plano de uma semelhança natural a superação da distinção que sempre existirá entre a maqueta e os objectos arquitectónicos. Está em causa, em particular, a distinção entre as respectivas formas, mesmo que não se esgote na forma tudo aquilo que distingue uma maqueta do seu objecto – afinal, “nenhum modelo nos pode dizer tudo sobre um projecto” 128 (Moon, 2005: 12). Essa distinção decorre da abstracção intrínseca aos processos de representação, manifestando-se, por exemplo, quer na simplificação e, portanto, na alteração da forma do objecto representado em virtude da redução imposta pela escala da maqueta, quer na parcialidade com que esse objecto é representado, determinadas – essa alteração e essa parcialidade – pelo propósito que subjaz à elaboração da maqueta e pelo tipo de maqueta elaborado. Tal como a já verificada imprescindibilidade de um código, a distinção entre formas será também mais evidente nas maquetas conceptuais e mais diluída nas maquetas de menor redução e nos protótipos. A compreensão dessa superação suscita um retorno aos processos de representação. Tem aqui particular pertinência a maneira como Janeiro observa a distinção entre os objectos: “[e]sta característica, a da

possibilidade de distinção entre imagem e aquilo que essa imagem representa,

permite, por um lado, a construção da imagem e, por outro, descodificá-la” (Janeiro, 2010: 221) – os objectos surgem para o sujeito, recorde-se, como imagem. Assim, se a forma de uma maqueta é tomada como a forma de um objecto arquitectónico, se as propriedades dessa maqueta são tomadas como as propriedades desse objecto, isso será não consequência natural da semelhança proporcionada pela tridimensionalidade que ambos partilham, mas consequência antes do modo como um objecto, ao ser

distinguido de um outro, é descodificado como representação desse outro objecto, tornando-se, no caso, numa maqueta de um objecto arquitectónico. É um código que permite articulá-los, sempre. O reconhecimento da semelhança é consequência de uma codificação, não um seu substituto. Entre a forma de uma maqueta e a forma de um objecto arquitectónico poderá de facto ser reconhecida uma semelhança. Nalguns casos, essa semelhança poderá até constituir uma congruência, mas, conforme Eco (2005) clarificou, mesmo as relações de semelhança e as relações de congruência geométricas são relações convencionadas. É pois no plano da codificação, e não no plano de uma semelhança naturalmente proporcionada pela tridimensionalidade, que tem lugar a superação da distinção entre uma maqueta e o seu objecto.

Será também no plano da codificação que deverá ser compreendido o estatuto da tridimensionalidade. É agora suscitado um retorno aos processos de compreensão dos objectos. Tratando-se de uma propriedade dos objectos – no sentido em que pertence à imagem que lhes confere existência e não porque lhes seja afinal intrínseca –, a tridimensionalidade deve ser pensada não à margem dos processos de codificação que conferem significado a esses objectos, mas como uma sua decorrência. É o código, considerado – recorde-se – como “regra de junção de elementos da expressão com elementos do conteúdo [...] [e cuja existência se funda numa] correspondência convencionalizada e socializada” (Eco, 1985: 153), que estabelece a atribuição de significados. À margem de um código – foi já observado – não haverá possibilidade de significar os objectos. E, não havendo essa possibilidade, os objectos não terão sequer existência. Reconhecer a tridimensionalidade de um objecto é pois, por isso, já codificá-lo. É inscrevê-lo numa ordem, no caso geométrica, que lhe confere uma compreensibilidade, no caso como forma tridimensional. A aparente evidência do quotidiano parece esvaziar este entendimento da tridimensionalidade. Contudo, o facto de se considerar que o sujeito inscreve a sua existência num mundo pluridimensional, já que é apreendido numa extensão espacial ao longo de uma extensão temporal, confirma que a tridimensionalidade, ao implicar uma abstracção dessa apreensão do mundo, ao implicar uma redução da sua complexidade, não poderá ser compreendida a não ser como decorrência de uma conceptualização e, portanto, de um código que permita relacioná-la com a pluridimensionalidade do mundo da qual parte, constituindo a compreensão desta desde logo também uma conceptualização. “A prova está em que posso ver a profundidade olhando para um quadro que, toda a gente concordará, não a possui, e que organiza para mim a ilusão de uma ilusão...” (Merleau-Ponty, 1992: 40). Todas estas observações devem ser estendidas à maqueta – os processos de representação antes retomados fundem-se com os processos de compreensão dos

objectos aos quais agora se retornou. Deste modo, também a tridimensionalidade da maqueta deverá ser pensada não à margem, mas como decorrência dos processos de codificação que lhe conferem significado, implicando isso a sua inscrição numa ordem geométrica e, portanto, a sua compreensão como forma tridimensional. Reconhecer a tridimensionalidade da maqueta é pois, por isso, também já codificá-la.

Parece assim dirimida a eventualidade de a maqueta, por se tratar de um objecto tridimensional, poder ser eximida de uma estrita condição codificada ao representar um objecto que é também tridimensional. Nos argumentos de Sardo (2004: 113-114), que afinal coincidirão com os argumentos que estão na base da recorrente assunção da natural apetência da maqueta como representação de arquitectura (Busch, 1991; Porter e Neale, 2000; Moon, 2005), é forçoso encontrar aquilo que Metz identifica no seu texto ‘Au-delà de l'analogie, l'image’ (1970) – assumindo desde logo a autocrítica, já que considera haver no texto uma ‘evolução’ em relação a anteriores textos seus – como “o erro de estabelecer uma oposição demasiado forte entre o «analógico» e o «codificado», ao ponto de por vezes se sugerir que o analógico excluiria de pleno direito qualquer código” 129 (Metz, 1970: 3). Sintomaticamente, Metz afirmara antes que “o analógico e o codificado não se opõem de uma maneira simples” 130 (Metz, 1970: 3).

No documento Para uma definição de maqueta (páginas 115-117)